TBT da TV

Primeira novela em cores da televisão brasileira, O Bem-amado completa 50 anos ainda atual

Clássica criação de Dias Gomes faz da fictícia cidade baiana de Sucupira um retrato do Brasil

Publicado em 22/01/2023

“Povo de Sucupira!” Começam sempre assim os discursos inflamados de demagogia, verborragia e mau-caratismo de Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), prefeito da fictícia cidade litorânea de Sucupira, na Bahia, em O Bem-amado, novela de Dias Gomes que completa 50 anos de sua estreia neste domingo (22).

Originada de um texto teatral do autor, intitulado Odorico, o Bem-amado, ou Os Mistérios do Amor e da Morte, escrito no começo dos anos 1960 e encenado em algumas ocasiões, a novela ficou marcada na história da televisão brasileira não apenas por seu grande sucesso e sua coleção de personagens inesquecíveis, mas por ter sido a primeira gravada em cores por aqui, sob a direção de Régis Cardoso e produção e supervisão de Daniel Filho.

Fazendeiro e produtor de azeite de dendê, Odorico elege-se prefeito de Sucupira com a promessa de construir um cemitério municipal, já que os habitantes da cidade precisam ser enterrados em municípios vizinhos, como Jaguatirica, quando falecem.

Paulo Gracindo, Ida Gomes, Dirce Migliaccio e Dorinha Duval na novela O Bem Amado (Divulgação / Globo)
Paulo Gracindo, Ida Gomes, Dirce Migliaccio e Dorinha Duval na novela O Bem Amado (Divulgação / Globo)

Seus maiores correligionários são as solteironas Dorotéa (Ida Gomes), Dulcinéa (Dorinha Duval) e Judicéa (Dirce Migliaccio), as Irmãs Cajazeira, com quem ele mantém casos simultâneos, e o tímido Dirceu (Emiliano Queiroz), chamado de Dirceu Borboleta devido a seu apreço pelos lepidópteros, que coleciona e estuda.

De outro lado, existe quem tente abrir os olhos dos sucupiranos para a roubada que é ter Odorico na posição de prefeito. Donana Medrado (Zilka Salaberry), delegada em exercício que odeia o coronel, e sua neta Anita (Dilma Lóes), funcionária dos Correios; o dentista Lulu Gouveia (Lutero Luiz), derrotado nas eleições; e o jornalista Neco Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella), dono da gazeta local, A Trombeta, são os principais integrantes da oposição.

No Brasil do regime militar, e com problemas flagrantes como a mortalidade infantil e a fome, especialmente numa cidade do Nordeste talvez não fosse crível que ninguém morresse, o que impedia Odorico de inaugurar o cemitério, logo tachado de inútil e “faraônico” pela oposição a seu governo. Aí é que estava um dos pontos da agudeza da crítica política desenvolvida por Dias Gomes em sua obra.

Outra figura importante no combate à sanha de Odorico pela morte – de qualquer pessoa, desde que com seu enterro pudesse inaugurar o cemitério – é Juarez Leão (Jardel Filho), médico de Salvador que se instala em Sucupira para cuidar do posto de saúde e se envolve com Telma (Sandra Bréa), filha do prefeito, que era sua vizinha quando morava na capital do estado.

Nem a presença de Zeca Diabo (Lima Duarte), um temido cangaceiro que volta a Sucupira após décadas de ausência, faz com que o prefeito consiga realizar seu intento. Isto porque o matador sanguinário decide abandonar a vida de crimes e tornar-se um homem pacato, como era antes de iniciar a série de assassinatos, motivada em princípio por uma “limpeza de honra” de sua família. O temor ao “Padim Pade Ciço Romão Batista” e o sincero desejo de viver em paz, quem sabe até trabalhando como protético, seu sonho de sempre, tornam o temível assassino uma figura que ganha o carinho do público.

Inescrupuloso e “maquiavelento”, Odorico marcou época na televisão brasileira até hoje, e seu linguajar cheio de palavras inventadas e expressões como “Vamos deixar de lado os entretantos e partir logo pros finalmentes”, “pratrasmente”, “prafrentemente”, entre outras, divertiu a audiência.

Além dos já citados, outros personagens inesquecíveis da novela são Zelão das Asas (Milton Gonçalves) com seu sonho de voar (“Quem tem fé, voa”), e sua mulher Chiquinha do Parto (Ruth de Souza); Nezinho do Jegue (Wilson Aguiar), que são é o maior fã de Odorico e bêbado torna-se seu maior detrator; Seu Libório (Arnaldo Weiss), o farmacêutico suicida que não consegue suicidar-se; o vigarista Jairo Portela (Gracindo Júnior); e a aérea Dona Florzinha (Suzy Arruda), mãe de Dirceu.

Já disponível no Globoplay, O Bem-amado é um dos grandes clássicos da teledramaturgia brasileira e segue atual – exemplos disso são as colagens de falas da novela com falas de políticos exibidas na rádio CBN há mais de 10 anos (no programete Rádio Sucupira) e a viralização na internet de trechos da novela nos quais Odorico arma para que remédios e vacinas enviados a Sucupira não cheguem à população, o que foi identificado com as atitudes do governo de Jair Bolsonaro.

© 2024 Observatório da TV | Powered by Grupo Observatório
Site parceiro UOL
Publicidade