Dramalhão clássico

Vencedora do Emmy Internacional e de temática nobre, Órfãos da Terra não é uma novela memorável

Trama se vende como a dos refugiados, mas questões do argumento ficam em segundíssimo plano

Publicado em 23/11/2020

Nesta segunda-feira (23), a televisão brasileira foi mais uma vez prestigiada em nível internacional com o prêmio de Melhor Telenovela, no Emmy, para Órfãos da Terra, uma produção, como se espera, da Globo, escrita por Duca Rachid e Thelma Guedes, para o horário das 18h.

A emissora carioca é a única brasileira a ganhar a categoria. De fato, a rede tem mostrado ao mundo, desde o final da década passada, com a criação do prêmio, porque é uma das casas produtoras de novelas mais poderosas do planeta, já que faturou seis estatuetas, mais do que qualquer outra empresa.

Se nos anos 80 e 90 se dizia que as melhores novelas eram feitas nos Estúdios Globo, em Jacarepaguá, a chancela do Emmy só vem comprovar que, mesmo outros mercados tradicionais e fortes produtores de novelas, ainda não acompanham a Globo em alguns aspectos artísticos e técnicos.

Jamil (Renato Góes) e Laila (Júlia Dalavia) são os protagonistas de Órfãos da Terra
Jamil (Renato Góes) e Laila (Júlia Dalavia) são os protagonistas de Órfãos da Terra

Mas Órfãos da Terra, uma trama barulhenta em termos de temática, com um terço de história bastante elogiado, comparável a produções do horário central – no caso da Globo, o das 21h30 -, é digna de ser a melhor novela do mundo?

Se em qualquer eleição o mérito do vencedor depende também da qualidade dos concorrentes, com o Emmy Internacional não é diferente. Neste ano, a trama da Globo teve que derrotar produções de Portugal, Argentina e China – três fortes e tradicionais players internacionais, produtores de dramas memoráveis.

Isso não é pouca coisa, porque o setor está cada vez mais competitivo. Os mercados passaram a produzir cada vez mais localmente e buscar histórias específicas. Além disso, o nível artístico foi elevado de maneira geral. O México, a Turquia, Portugal, Argentina, a Coreia do Sul, os Estados Unidos produzem em patamar cinematográfico.

Basma (Alice Wegman), de Órfãos da Terra
Basma (Alice Wegman), de Órfãos da Terra (Reprodução)

Mas considerando o que Órfãos da Terra traz para esse concorrido cardápio mundial de novelas, talvez, a trama não é, de fato, daquelas que se tornam um clássico, que atravessam gerações. Para sermos honestos, no Brasil, de um modo geral, a audiência nem lembra mais da produção, que mais decepcionou do que trouxe frescor.

Apesar da premissa interessantíssima, a saga dos refugiados, focando em uma família síria, a trama de Duca Rachid e Thelma Guedes não passa de mais um dramalhão água com açúcar que usa uma temática da atualidade muito de pano de fundo. Talvez pelo horário, preferiu-se permanecer num campo seguro, fazer o feijão com arroz.

Quem esperava uma produção densa, como as turcas – que estão na moda -, por exemplo, viu, basicamente, uma vilã, com motivos discutíveis, perseguindo loucamente os mocinhos refugiados no Brasil. O que se via de estrangeiros beirava um clichê detestável, e importava mais a raiva da antagonista do que os dramas para se adaptar a um país estranho.

Diante disso, fica difícil não pensar que, apesar dos concorrentes, os jurados do Emmy Internacional, que tem a Globo como um de seus apoiadores oficiais, viram, como é de praxe, apenas um ou dois capítulos, escolhidos especialmente para a avaliação. Isso porque o trailer e a primeira semana não refletem o que é a novela.

Na publicidade internacional, Órfãos da Terra é vendida como uma história diferente da que se vê no decorrer. Nos primeiros capítulos da novela, o drama da protagonista ao ser forçada a se casar com um homem poderoso e mais velho dão uma força tremenda para novela. Mas as autoras cometem o erro crucial de matar o vilão e a trama envereda por um caminho muito menos interessante.

Toda a novela acaba virando uma pasmaceira com dramas pessoais tipicamente brasileiros, com uma porção de personagens secundários criada irritantemente para segurar a história central e não esgotar em 15 dias a fórmula repetitiva de folhetins.

Com uma temática tão universal, uma execução dentro do padrão Globo de qualidade e a força que a emissora tem para distribuir suas tramas no exterior, não foi possível fazer da novela um enorme sucesso internacional. A repercussão em mercados importantes não é considerável, apesar de ter sido muito vendida. Órfãos da Terra não está nas redes sociais, não está na imprensa.  

Aziz Abdallah (Herson Capri) e Fauze (Kaysar Dadour)
Aziz Abdallah (Herson Capri) e Fauze (Kaysar Dadour)

No México, por exemplo, a novela que começou sendo exibida à noite foi rebaixada de horário. Em Portugal, principal mercado externo da Globo, a novela nem foi exibida em televisão aberta. Fala-se na possibilidade de estrear nos Estados Unidos, em uma rede em língua espanhola, mas não há expectativa.

Outras produções brasileiras também vencedoras do Emmy também não marcaram época: O Astro e Joia Rara, por exemplo, não nos ofereceram notícias de recordes de audiência em nenhum lugar na Terra.

Não que necessariamente a vencedora deva ser uma explosão popular no país de origem e fora. Mas, talvez, passou do momento do Emmy assistir mais do que o trailer, dois capítulos das produções indicadas e optar por tramas menos previsíveis e enfadonhas.  

*As informações e opiniões expressas nessa crítica são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

© 2024 Observatório da TV | Powered by Grupo Observatório
Site parceiro UOL
Publicidade