Crítica de TV

De caça ao tesouro e comédia rasgada a aposta mais alta em drama, Fuzuê virou outra novela em seu decorrer

Obra sofreu mudanças que a conduziram a outros rumos, mas há pontos positivos a destacar

Publicado em 01/03/2024

Gustavo Reiz escreveu para a teledramaturgia da Record por mais de uma década, além de uma passagem pelo SBT, antes de se integrar ao time de autores da Globo e estrear na casa sua primeira novela, Fuzuê, cartaz da faixa das 19h que se despede nesta sexta-feira (1º), depois de 173 capítulos, sem repetir a trajetória de sucesso da antecessora Vai na Fé, de Rosane Svartman.

Autor titular das novelas Dona Xepa, Escrava Mãe e Belaventura entre 2013 e 2017, o escritor apostou no embate de duas moças de personalidades bastante diferentes, que se descobrem filhas do mesmo pai, dono de uma joalheria, e a busca por um grande tesouro, que pertence por direito a uma das jovens – Luna (Giovana Cordeiro), a mocinha – e é alvo da cobiça da outra – Preciosa (Marina Ruy Barbosa), a vilã.

No entanto, bem mais malvados do que Preciosa – na verdade uma patricinha mimada que nunca teve maiores freios a seus arroubos de arrogância e mania de grandeza, apesar de começar a trama falida – foram seu pai, César Montebello (Leopoldo Pacheco), e o homem de confiança deste, Pascoal (Juliano Cazarré), que passou toda a novela buscando meios de se apossar da fortuna da Dama de Ouro (Zezé Motta), que viveu séculos atrás e cujas joias estavam escondidas nos subterrâneos de uma loja.

Loja essa a própria Fuzuê, do ex-feirante Nero de Braga e Silva (Edson Celulari), pai do mocinho Miguel (Nicolas Prattes), que se apaixona por Luna à primeira vista. Na batalha pelo tesouro, antes de descobrir que ela e sua mãe, a antiga cantora da noite Maria Navalha (Olívia Araújo), eram descendentes da Dama de Ouro, Luna enfrentou uma rival: Olívia (Jéssica Córes), ex de Miguel que dizia estar grávida dele.

Assim como a disputa pelo tesouro da Dama de Ouro não empolgou o público, ainda que envolta num grande clima de comédia que pretendia aludir aos clássicos da faixa, Fuzuê errou em apostar no velho truque da barriga para afastar o casal central. Olívia e Rui (Pedro Carvalho), verdadeiro pai do bebê, perderam força com o decorrer das semanas.

Vitória Strada é Rebeca em Fuzuê
Vitória Strada é Rebeca em Fuzuê

Já na reta final, a delegada Rebeca (Vitória Strada) entrou em cena para desbaratar a verdadeira quadrilha liderada por César – e para balançar o relacionamento de Luna e Miguel, já que é ex-namorada do advogado. Sua presença rendeu algumas cenas interessantes, e por isso mesmo a personagem poderia ter surgido antes. Luna se abriu para o amado e disse coisas sobre estar insegurança ante a possibilidade de perder ainda mais do que já havia perdido na vida – isso acrescido à doença enfrentada por sua mãe.

Um câncer para Maria Navalha também teve destaque nas semanas finais de Fuzuê – e com isso brilhou mais ainda Olívia Araújo, sua intérprete, talentosa e firme em cena -, uma novela que começou alegre, movimentada, “corrida”. No primeiro capítulo, uma cena digna de bom cinema, com a câmera por todo o cenário, cúmplice do espectador, mostrou o bonito aniversário da loja de Nero.

Maria Navalha (Olívia Araújo) em Fuzuê
Maria Navalha Olívia Araújo em Fuzuê

Nero foi um papel interessante para um ator com o tempo de carreira de Edson Celulari, e bem interpretado por ele. Anos atrás e talvez o empresário fosse vivido por Tarcísio Meira ou Francisco Cuoco. Seu “Pó pará, pó pará!” nunca soou muito forçado, apesar de presente desde as primeiras cenas.

Edson Celulari vive Nero em Fuzuê
Edson Celulari vive Nero em Fuzuê

Lília Cabral teve bons momentos como Bebel, uma mulher mais contida, ponderada, alvo de uma filha e um marido – que voltou do mundo dos mortos – gananciosos. Juliano Cazarré também foi bem como o bandido Pascoal.

Ricardo Linhares entrou pouco antes da novela completar três meses para supervisionar o trabalho de Gustavo Reiz, e Renata Corrêa, colaboradora de Vai na Fé e autora da série de sucesso Rensga Hits!, integrou-se à equipe. Do meio para o fim a novela mudou um pouco de cara perceptivelmente, com apostas em mais dramaticidade e novos personagens.

Esgotadas as possibilidades de seu triângulo amoroso com a ex-namorada Luna e Miguel, Jefinho Sem-vergonha (Micael Borges) ganhou a parceria de Selena Chicote (Talita Younan), que funcionou, um casal sempre às turras, embora haja sentimento. Mas esse casal também não escapou a uma nova ameaça no fim, quando Selena se envolveu com Heitor (Felipe Simas), marido de Preciosa, quando este saiu de casa por uns tempos, cansado de ser capacho da mimada.

Selena (Talita Younan) e Jefinho (Micael Borges) de Fuzuê
Selena Talita Younan e Jefinho Micael Borges de Fuzuê

Dos casais de Fuzuê, os melhores e mais queridos da audiência certamente foram os formados por Nero e Bebel (Lília Cabral), respectivamente pai de Miguel e mãe de Preciosa, e Lampião (Ary Fontoura), dono de um bar no Beco no Gambá, e Mercedes (Ana Lúcia Torre), mãe de Emília (Cyria Coentro) e avó de Vitor (Danilo Maia). Os dois casais se conheceram décadas atrás, e foram separados pelo destino, mas seu amor nunca morreu. Ficou a bonita mensagem de que a felicidade no amor não tem idade.

Mercedes (Ana Lúcia Torre) e Lampião (Ary Fontoura) em Fuzuê
Mercedes Ana Lúcia Torre e Lampião Ary Fontoura em Fuzuê

Se Soraya Terremoto (Heslaine Vieira), aquela que não se apega, pode ser considerada um destaque positivo do princípio ao fim, pelo talento da atriz e sua química com os dois apaixonados, Francisco (Michel Joelsas) e Merreca (Ruan Aguiar), o mesmo não pode ser dito de Caíto (Clayton Nascimento), personagem que só se encontrou de vez do meio para o fim da trama, em que pese o talento do ator.

Muito válido o reforço de uma posição contra homofobia e outros preconceitos, mas talvez exagerados os momentos de citações a novelas antigas. A figura do noveleiro de carteirinha é algo controversa para abordagem em novelas, por incrível que pareça.

Alícia (Fernanda Rodrigues) também merece destaque. Não foi exatamente um papel grande, mas sempre fugiu à imagem da mulher fútil e não foi vilanizada em sua iniciativa de modernizar a Fuzuê, loja da família, para se libertar da pecha de herdeira de um ponto de comércio popular, ideia de um ex-feirante etc. Deslumbrada e espontânea, fascinada pelas redes sociais e tendo Preciosa como espelho, Alícia foi um papel simpático, bom para revermos a atriz em cena.

A atriz Fernanda Rodrigues
A atriz Fernanda Rodrigues

Giovana Cordeiro e Marina Ruy Barbosa também “seguraram” bem suas personagens, que melhoraram depois de perderem bordões muito ditos nos primeiros capítulos – “Cê jura, garoto?”; “Eu sou Preciosa, eu sou poderosa, eu sou perigosa” -, sem a chance de nos habituarmos a eles de maneira mais natural. Mas acredito que, por mais que em produções anteriores tenha acontecido assim, tenha sido intenção de Gustavo lançar de cara os bordões, brincando com a própria teledramaturgia.

É fato que Fuzuê começou de um jeito e terminou de outro, adequada, modificada que foi dentro do espírito de obra aberta que é inerente ao gênero telenovela, pelo qual seu autor é claramente apaixonado. Isso pode acontecer. Seja no mesmo horário ou nos outros, Gustavo Reiz merece outras oportunidades de encontrar o público que aprecia novelas com as histórias que criar.

As informações e opiniões expressas nesta crítica são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

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