Crítica de TV

Elenco foi o melhor de Um Lugar ao Sol, novela que não deixa saudades

Com um roteiro que mais confundiu do que acertou, interpretações de grandes nomes salvaram a trama

Publicado em 26/03/2022

Novela mais curta que o convencional, Um Lugar ao Sol chegou ao fim com pouco mais de cem capítulos (119) e vai deixar saudades só mesmo pelo desempenho de seu elenco.

Diante das idiossincrasias de um roteiro que mais confundiu do que acertou, as interpretações de grandes figuras da teledramaturgia salvaram a trama.

Tanto os atores do núcleo principal quanto os dos secundários merecem elogios ao conseguirem segurar bem a onda de personagens cujas atitudes eram difíceis de acreditar.

Cauã Reymond, Aline Moraes, Andreia Horta, Ana Beatriz Nogueira, José de Abreu, Marco Ricca, Regina Braga, Denise Fraga, Daniel Dantas e Marieta Severo foram alguns dos nomes que mais uma vez fizeram jus às suas trajetórias na TV.

Tudo foi composto a partir de uma grande ideia que começou muito bem mas que, no entanto, se perdeu ao longo do caminho.

Santiago (José de Abreu), Noca (Marieta Severo), Elenice (Ana Beatriz Nogueira) e Túlio (Daniel Dantas) de Um Lugar ao Sol
Santiago (José de Abreu), Noca (Marieta Severo), Elenice (Ana Beatriz Nogueira) e Túlio (Daniel Dantas) de Um Lugar ao Sol (Reprodução – TV Globo)

Rico x Pobre

Herói do começo,  Cauã Reymond foi aos poucos se tornando um vilão até inverossímil, tamanha a incongruência entre suas convicções e atitudes.

Virou um personagem estranho, que não empolgava com nenhum de seus dois principais relacionamentos amorosos – e ainda houve um terceiro affair com Stephany (Renata Gaspar), na reta final, muito aleatório e incongruente com o seu entorno.

Não à toa, o personagem do melhor amigo se destacou, muito pela surpreendente atuação do ator Juan Paiva (ganhador do prêmio de melhor do ano pela APCA).

A personificação de Ravi deu veracidade ao homem comum, pobre porém fiel e honesto, resiliente com a sua condição, confiante nas pessoas e muito dedicado a viver e amar da melhor maneira possível.

Na triste história dos dois irmãos separados, a autora Lícia Manzo desenvolveu um enredo mais calcado na luta de classes do que na superação individual.

Sempre buscava cravar as diferenças entre pobreza e riqueza, ampliando a revolta e rancor do seu anti-herói protagonista.

O ex-menino pobre e órfão abandonado tinha ânsia e discurso pró-justiça social mas seu dia a dia era repleto de delitos para manter a farsa.

Christian começou a novela como fã de Machado de Assis e terminou como leitor de F. Dostoiéviski.  

A reverência da autora à obra Crime e Castigo do último capítulo se revelou, portanto.

O personagem central do romance russo é uma figura taciturna, obscura, quase indecifrável, que passou um período entre a euforia e o remorso. Carregava culpa cristã pelo crime que cometeu logo nas primeiras páginas quando teve a oportunidade de roubar ao cometer um assassinato duplo.

Christian/Renato na novela o tempo todo flertou com uma lógica perversa para justificar seus atos. Era um justiceiro de si mesmo, emulando alguma preocupação social.

Tal como o russo Raskolnikóv do livro, o Christian da novela também confessou seu crime e recebeu uma pena de oito anos de cadeia. Um pagou a pena na Sibéria, outro, no Rio de Janeiro.

Rebeca (Andréa Beltrão) e Felipe (Gabriel Leone) em Um Lugar ao Sol (Reprodução/Globo)
Rebeca (Andréa Beltrão) e Felipe (Gabriel Leone) em Um Lugar ao Sol

Direção

Mesmo sendo praticamente toda gravada antes do primeiro capítulo ter ido ao ar, marque-se também que foi uma novela com boa direção de cenas e atores.

Houve momentos marcantes, em especial nas tantas tragédias.

Foram, na sequência: o parto inicial com a morte da mãe dos gêmeos, assassinato do gêmeo rico, atropelamento do ciclista (na Europa), um acidente de carro com o protagonista, um estupro de jovem em vulnerabilidade (Cecília/Fernanda Marques na balada), duas tentativas de suicídio (de Bárbara/Aline Moraes), queda falta da pichadora (Joy/ Lara Tremouroux) na ponte, esfaqueamento (de Renato/Cauâ Reymond), um caso de feminicídio (Stephany/Renata Gaspar) e o grave acidente de carro no penúltimo capítulo.

Momentos de amor e paixão, como toda boa novela tem, foram poucos, entretanto.

Em especial, cite-se o romance entre idades distintas dos personagens de Rebeca (Andrea Beltrão) e Felipe (Gabriel Leone).

Infelizmente, a paixão não resistiu à diferença de idade, uma contradição diante de todas as premissas colocadas no arco da personagem mais velha.

Reta final

Da história que começou de forma eletrizante, com os capítulos iniciais causando forte impacto pelo ritmo e a agilidade com que se desenvolveu a trama, dignos de seriado, poucas semanas depois já pouco restava.

A reta final da novela infelizmente coroou uma trajetória de atropelos.

Bárbara (Alinne Moraes) e Renato/Christian (Cauã Reymond) em Um Lugar ao Sol
Bárbara (Alinne Moraes) e Renato/Christian (Cauã Reymond) em Um Lugar ao Sol

O desfecho merecia mais cuidados; faltaram cenas importantes e esperadas pela audiência.

Não fossem os tapas que Christian (Cauã Reymond) levou da amada Lara (Andreia Horta) ainda na cama do hospital, o personagem teria passado pela revelação sem enfrentamentos.

Ficaram devendo ao respeitável público a merecida cena de escracho do impostor que enganou toda uma família, além da mocinha da história.

Tivemos no lugar um julgamento de praxe num capítulo final com excesso de cenas modorrentas e desinteressantes em presídio.

Veio uma passagem de tempo que ficou marcada pelo uso irregular de perucas pouco adequadas ao refinado figurino da TV Globo.

Infelizmente, sobram críticas. Que um dia também venha alguma autocrítica!

** Informações e opiniões expressas nessa crítica são de total responsabilidade de sua autora e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

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