Para pais e filhos

Novelas infantis não são um “fenômeno” recente da TV brasileira, mas a longa duração pode desgastá-las

Histórias em capítulos fascinam gerações de telespectadores, mas não se deve abusar do tempo no ar

Publicado em 28/06/2020

O SBT já exibiu três versões de Chiquititas, história criada na Argentina por Cris Morena. A primeira, no final dos anos 1990, era uma coprodução da emissora Silvio Santos com a Telefe, gravada no país vizinho.

A segunda, no fim dos anos 2000, foi exibida dublada, uma das temporadas argentinas. A terceira volta nesta segunda-feira (29) ao ar, após ser exibida entre 2013 e 2015 e reprisada de 2016 a 2019.

Desde a década de 1950, novelas com apelo junto ao público infantil foram produzidas pela TV brasileira, geralmente com sucesso entre crianças e adultos. Já no tempo das histórias exibidas ao vivo e apenas duas ou três vezes por semana, diversos títulos foram levados ao ar, entre os quais Peter Pan, Oliver Twist, Angélika e O Jardim Encantado.

A primeira novela infantil brasileira de grande sucesso foi A Pequena Órfã, de Teixeira Filho, exibida pela TV Excelsior em 1968/69. Moradora de um orfanato, Toquinho (Patrícia Aires) sofria com os maus-tratos de Elza (Riva Nimitz) e tinha apenas no Velho Gui (Dionísio Azevedo) um pouco de carinho e ternura.

O entrecho serviu de base a Sonho Meu, de Marcílio Moraes (Globo, 1993/94), e inspirou Tiago Santiago no desenvolvimento de Prova de Amor (Record, 2005/06).

Além disso, na ocasião o projeto originou um ciclo de produções infantis em diversas emissoras partindo do mesmo tema: a criança órfã e abandonada, num mundo cruel no qual geralmente pode contar apenas com uma boa alma que a protege – Sozinho no Mundo (Tupi, 1968), Ricardinho – Sou Criança, Quero Viver (Bandeirantes, 1968), Tilim (Record, 1970/71) e Pingo de Gente (Record, 1971), entre outras.

Embora não fosse órfão, o pequeno Zezé (Haroldo Botta) de O Meu Pé de Laranja-lima (Tupi, 1970/71), escrita por Ivani Ribeiro a partir do romance de José Mauro de Vasconcelos, tinha na árvore do título e em Manuel Valadares, o Portuga (Cláudio Corrêa e Castro) seus maiores amigos, com quem vivia momentos felizes em meio às surras do pai, reprimendas da irmã mais velha e dificuldades de sobrevivência da família muito pobre.

Zezé (Caio Romei) e Minguinho em Meu Pé de Laranja Lima
Zezé Caio Romei e Minguinho em Meu Pé de Laranja Lima divulgação

O livro já originou duas versões para cinema e outras duas além desta para a TV: em 1980/81, na Bandeirantes, o texto de Ivani Ribeiro foi reaproveitado, com Alexandre Raymundo (Zezé) e Dionísio Azevedo (Portuga). A mesma emissora retomou a história em 1998/99, agora em adaptação de Ana Maria Moretzsohn, com Caio Romei e Gianfrancesco Guarnieri.

Em 1975, a Tupi investiu em O Velho, o Menino e o Burro, de Carmem Lídia. O Velho Gui (Dionísio Azevedo) de A Pequena Órfã estava de volta, agora às voltas com o garoto Peto (Douglas Mazzola) e um burrinho falante, numa cidade do interior.

Entre 1976 e 1977 a mesma emissora ainda exibiria Papai Coração, escrita por José Castellar, que era uma adaptação de Papá Corazón, original de Abel Santa Cruz que o SBT já reaproveitou em versões mexicana e nacional com o título Carinha de Anjo.

A pequena Titina (Narjara Turetta) era órfã de mãe, e apegada à Irmã Rosário (Selma Egrei), sua professora no colégio onde estudava. A freira e o pai da garota, Mário (Paulo Goulart) se apaixonavam, e a menina exultava, entre uma conversa e outra com a mãe, Laura (Arlete Montenegro), que ela conseguia ver.

E houve também Cinderela 77, assinada por Chico de Assis e Walther Negrão, recriação interessante da história clássica, passada na atualidade da exibição e com Vanusa e Ronnie Von como Cinderela e o príncipe. Destaque para Elisabeth Hartman com a Madrasta.

Serelepe (Tomas Sampaio) de Meu Pedacinho de Chao
Serelepe Tomás Sampaio de Meu Pedacinho de Chão DivulgaçãoTV Globo

Ao longo dos anos a Globo também exibiu novelas com apelo junto às crianças, como as duas versões de Meu Pedacinho de Chão (em 1971/72 e em 2014), de Benedito Ruy Barbosa; A Patota, “novela jovem” de Maria Clara Machado (1972); e uma versão de Pluft, o Fantasminha, texto teatral também de Maria Clara, exibido em 20 capítulos de forma não diária em abril de 1975.

Também merecem menção as novelas de Ivani Ribeiro Amor Com Amor se Paga (1984), com a relação do avarento Nonô Correia (Ary Fontoura) com o pequeno Zezinho (Oberdan Júnior), e A Gata Comeu (1985), que apresentava o Clube dos Curumins, formado pelos alunos do professor Fábio (Nuno Leal Maia).

E Era Uma Vez… (1998), de Walther Negrão, considerada na época uma resposta global ao sucesso da primeira versão do SBT para Chiquititas, no ar desde agosto de 1997 e que ainda seria exibida até o início de 2001, com mais de 800 capítulos se contadas todas as cinco temporadas – que tiveram pausas entre uma outra, para férias e troca de elenco.

Chiquititas, aliás, foi a escolha do SBT em 2013 para dar prosseguimento ao grande sucesso de sua versão brasileira de Carrossel (2012/13). A história de Abel Santa Cruz, escrita originalmente nos anos 1960, já havia sido exibida pela emissora de Silvio Santos em 1991/92, roubando boa audiência da Globo na faixa das 20h.

A professora Helena (Rosanne Mulholland) e Carolina (Manuela do Monte), muito queridas pelos alunos da Escola Mundial e os internos do Orfanato Raio de Luz, respectivamente, conduziam as histórias cativantes em que as crianças eram as figuras de destaque, sem deixarem de ter também seus momentos de romance e dramas pessoais.

Após as duas, em 2015 estreou Cúmplices de um Resgate, aproveitando o sucesso da “Maria Joaquina” Larissa Manoela e também para agradar a um público já mais crescido, que vinha acompanhando as novelas para crianças na casa, sem deixar de lado seus irmãos e primos menores, em boa estratégia de manutenção de público.

Prosseguindo com o sucesso veio no final de 2016 Carinha de Anjo, substituída por As Aventuras de Poliana, adaptação de Íris Abravanel (que assinou todas as novelas recentes do SBT desde 2012, exceto Carinha de Anjo) da conhecida obra de Eleanor H. Porter.

Um ciclo como o do SBT, que desde 2012 exibe diversas novelas infantis seguidas e com sucesso, nunca ocorreu na televisão brasileira, embora os exemplos de histórias dedicadas às crianças sejam muitos.

Houve, sim, além das seguidas temporadas de Chiquititas na virada dos anos 1990 para 2000 e outras produções, de origem estrangeira, exibidas pela emissora em diversas ocasiões, como Chispita, Lupita, Angelito, Vovô e Eu, Amigos Para Sempre, Luz Clarita, O Diário de Daniela, Maria Belém etc. – mas elas não eram brasileiras.

Uma estratégia de programação de nicho, junto a um público cativo da emissora em outros horários, com produção nacional, e após terem sido exibidas com sucesso outras histórias, tanto brasileiras quanto estrangeiras, se revelou cada vez mais acertada no decorrer do tempo.

E isso tanto pelos expressivos números de audiência que se mantêm nos dois dígitos quanto pelos inúmeros produtos licenciados – desde brinquedos até materiais escolares, roupas, alimentos, livros, DVDs etc. Todavia, a excessiva duração que essas novelas têm atingido já tem mostrado que é preciso evitar o esgotamento do rico filão.

Que ninguém se engane com o pensamento de que o público infantil é enganável e engole qualquer coisa, de duração ad eternum. Mostra disso é a audiência da própria As Aventuras de Poliana, que às portas dos 600 capítulos registra hoje (e há algum tempo) metade do ibope que obteve em seus primeiros meses.

*As informações e opiniões expressas nessa crítica são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

© 2024 Observatório da TV | Powered by Grupo Observatório
Site parceiro UOL
Publicidade