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Reforço da CNN, Carlos Tramontina rejeita aposentadoria e agradece meme: “‘6 e ônibus’ me humanizou”

À coluna, jornalista celebra nova fase após 43 anos na Globo e fala da estreia de CNN Freedom Project

Publicado em 03/06/2023

Carlos Tramontina estreia neste domingo (4) em sua primeira emissora após quatro décadas na Globo. Na CNN Brasil, apresentará a série internacional de documentários CNN Freedom Project e pílulas ao longo da programação. Desde que deixou a antiga casa, em abril de 2022, o experiente jornalista só aposentou as gravatas. Ternos? Dos 11 que chegou a ostentar em seu guarda-roupa, restaram cinco já empoeirados. O veterano de 67 anos assumiu um estilo de vida mais despojado, mais… “seis e ônibus”. O erro que virou meme, segundo ele, foi decisivo para sua entrada definitiva nas plataformas digitais.

Em entrevista exclusiva à coluna, Carlos Tramontina explica por que aceitou voltar à TV e diz se considerar feliz por finalmente poder escolher os trabalhos que deseja fazer. Filho de professores, o jornalista foi convidado para dar aulas assim que saiu da Globo, mas optou por projetos mais desafiadores. Sem perder a hora (nem o transporte), se divide entre a família, um podcast e as gravações para a CNN Brasil. Rotina intensa, porém completamente diferente de quando precisava abusar da seriedade como âncora de telejornal.

Na conversa, Tramontina ainda comenta sua ligação com a publicidade e a provável ligação com a família dona da empresa de utensílios domésticos e brinca com histórias surreais envolvendo o meme que mudou sua trajetória na comunicação: “Já tatuaram ‘seis e ônibus’ no pulso!”.

Leia a íntegra da entrevista com Carlos Tramontina:

Carlos Tramontina na CNN Brasil
Carlos Tramontina na CNN Brasil

PAULO PACHECO: Primeiramente, desejo a você uma ótima estreia na CNN Brasil. Não há como não enxergar em você uma referência no jornalismo, principalmente na cobertura de São Paulo. Para você, esta bagagem de mais de 40 anos na televisão o credenciou para trabalhar como e quando quiser e de ter aceitado o convite para apresentar o CNN Freedom Project?

CARLOS TRAMONTINA: Acho que, ao longo do tempo, construí uma carreira que muito me orgulha e muito me honra. Realmente falei muito para São Paulo, mas além disso falei das pessoas e das coisas que as moviam. Isso fez com que criássemos uma intimidade, ainda que por meio do vídeo. Talvez a maior parte da minha vida profissional trabalhei em São Paulo e isso fez com que eu me aproximasse das pessoas. Acho este um dos motivos pelos quais a CNN me convidou para o Freedom Project.

Neste momento, estou passando por uma fase muito nova, descobridora, agradável e alegre. E desafiadora! Ter deixado uma grande empresa, no caso a Globo, e partido para um trabalho diferente, em podcasts e outros projetos como, por exemplo, este da CNN Brasil, me desafiou a desempenhar outros papéis, mas ao mesmo tempo passo a administrar a minha vida de uma maneira um pouco mais tranquila, sem alguns compromissos que uma ligação com uma grande empresa nos obriga. Agora posso administrar o meu tempo, as viagens, os passeios, o lazer, estar com a família, estudar, ler e fazer trabalhos profissionais também. Está sendo muito desafiador, mas muito bom.

PP: O que o atraiu neste programa? Você teve acesso ao conteúdo quando ainda estava conversando com a direção da CNN Brasil?

CT: A primeira coisa que me chamou a atenção foi ser a CNN Brasil, uma emissora que, a despeito de estar há pouco tempo no ar, é uma marca internacional de qualidade. Quando fiquei disponível para fazer outros trabalhos, uma das coisas que decidi que iria nortear as minhas decisões é exatamente a história do lugar que me convidava. Determinados lugares poderiam me oferecer projetos gigantescos, mas dificilmente eu iria aceitar. Quando a CNN me convidou, logo de cara eu: ‘Opa, vamos ver do que se trata’. Conversamos, recebi o material, vi o que já estava disponível pela CNN internacional, e aí vem a segunda questão: o conteúdo. É de altíssima qualidade, extremamente importante e que tem que mobilizar as pessoas mais e mais. O projeto trata de assuntos muito delicados, importantes e que envergonham o mundo todo. Quando você fala que ainda existe escravidão no mundo, e um dos episódios é sobre isso, para-se para pensar que é algo assustador. Na Líbia, um homem é vendido pelo valor equivalente a R$ 7 mil. Pessoas oportunistas, comerciantes, construtores, fazendeiros se aproveitam da fragilidade de imigrantes que fogem da guerra e da fome e são explorados. Há um episódio sobre este assunto. Os conteúdos da série Freedom Project acabaram contribuindo definitivamente para que eu aceitasse o convite da CNN Brasil.

PP: Além dos documentários, você irá aparecer em pílulas durante a programação abordando os temas dos episódios. A CNN Brasil talvez seja a experiência mais conservadora das muitas que você tem tido desde que deixou a Globo, há um ano. Como você as avalia?

CT: A CNN é uma extensão daquilo que fiz ao longo de muitos anos. As pílulas são feitas a partir de conteúdo produzido aqui no Brasil, exemplos de problemas daqui do Brasil que dizem respeito aos direitos humanos e, ao mesmo tempo, projetos desenvolvidos aqui no nosso país que ajudam as pessoas a encontrar um caminho, a resolver problemas e ajudam a minimizar os dramas de uma população que sofre bastante. O material já está sendo produzido, comecei a fazer as gravações e está sendo muito prazeroso. Tudo tem sido feito com muito profissionalismo, muita organização. A CNN acaba sendo um prolongamento daquilo que vinha fazendo. Ao mesmo tempo, estou tocando outros projetos, especialmente podcasts, e isso tem me exigido muito mais, porque estou adaptando o que fiz em mais de 40 anos em uma forma de me comunicar completamente diferente e nova para mim.

PP: Você poderia ter se aposentado da profissão para se dedicar exclusivamente à família, mas decidiu aceitar esses convites. Você chegou a procurar trabalho depois que saiu da Globo ou, imediatamente após sua saída, recebeu muitas oportunidades e, assim, percebeu que era tão cobiçado? Como reagiu ao interesse do mercado?

CT: Eu já esperava que fosse fazer outros trabalhos, porque recebia convites mas não podia aceitar pelos compromissos que tinha com a empresa que me contratou. Logo depois que deixei a Globo, o volume de convites passou a ser muito grande. Pela primeira vez na minha vida, tenho duas pessoas trabalhando diretamente comigo: meu genro, que passou a ser meu assessor de imprensa e cuidar da minha agenda, e minha filha, que cuida de todo o conteúdo nas redes sociais. A quantidade de convites que recebi foi muito grande. Tenho a alegria de poder dizer que tive a possibilidade de escolher. Todos convites honrosos, de muitas fontes e mídias diferentes. Recebi proposta para escrever livro, ser professor de cursos especiais, ministrar aula magna. Fiquei muito honrado com todos, mas decidi pelo podcast e aceitei o convite da CNN Brasil. Inicialmente, tinha imaginado que iria trabalhar menos e me dedicar mais ao esporte, treinar e correr mais. Confesso a você que não tenho conseguido treinar como gostaria nem correr em provas como pretendo, porque estou correndo em outros caminhos para aprender, estou estudando, mas está sendo muito prazeroso. De um jeito ou de outro a gente constrói uma história ao longo da vida, e essa história não se encerra de um momento para o outro. No determinado instante em que você vira a página, o que você vai escrever na página nova que está toda em branco? Vamos escrever uma nova história! É isso que estou vivendo e estou muito feliz, porque tive a oportunidade de escolher o que vou fazer, em que momento e de qual maneira.

PP: Seus filhos e netos estão adorando a atual fase do vovô Tramontina, mais perto deles? O que tem feito com eles o que não podia antes por causa do tempo ou da exposição na TV?

CT: Passar mais tempo com eles, jantar mais, conversar mais, ficar mais aos finais de semana, porque não tenho a preocupação de no dia seguinte estar em determinado local, em determinada hora, vestindo certa roupa. Não tenho mais isso. Posso ir dormir a hora que quiser. Isso torna tudo muito diferente. Houve um momento na minha vida profissional em que tinha 11 ternos em uso. Todos absolutamente modernos, ótimos. Usava um terno por dia e só o repetia na terceira semana. Confesso que hoje tenho cinco ternos e eles têm sido pouco usados, porque mudou tudo. Semana passada voltei de uma viagem de dez dias nos Estados Unidos e aproveitei para refazer o meu guarda-roupa de esporte. Minha maior quantidade de roupa era social, porque era o Carlos Tramontina. Agora mudou, uso muito mais roupa esporte do que terno. Isso está sendo muito legal.

PP: Seu programa na CNN Brasil é bancado pela CCR. Você nunca esteve associado a marca nenhuma por causa do seu trabalho como jornalista, embora seu sobrenome seja muito ligado à marca de utensílios domésticos. A Tramontina já tentou te contratar?

CT: Não tenho ligação nenhuma com a Tramontina, lamentavelmente. Certamente eu seria executivo do conglomerado, porque a Tramontina é uma potência. Conheço o Clovis Tramontina [presidente da empresa] e há coincidências históricas e genealógicas que sugerem que temos a mesma origem porque viemos do mesmo lugar, na mesma década, partido do mesmo porto de Veneza. Meu bisavô teria vindo para cá no mesmo navio que trouxe o patriarca dos Tramontina de Carlos Barbosa, no Rio Grande do Sul. E a cidade tem 3 mil habitantes hoje, imagina no final do século 19. Apesar de muitos acharem que tenho parte na indústria, o meu negócio é o jornalismo.

Humildemente, mas sem perder a humildade, acho que a Tramontina faturou bem nesses tempos todos comigo, viu? Porque nunca me meti em roubada, nunca parei nas páginas policiais, construí uma imagem de credibilidade, seriedade. Se eu entrasse em roubada o tempo todo, não tenha dúvida de que a Tramontina iria se preocupar.

Construí uma imagem e uma história que não estão ligados a marcas. Todo produto que for ao ar vai ter patrocínio, seja ele mais ou menos visível. No meu caso, não há importância ou problema em relação ao meu trabalho, porque estou mais ligado ao conteúdo. Lógico que não gostaria de determinadas marcas, e eu me colocaria de outra maneira viessem a patrocinar o programa que apresento. Assim foi em toda a minha vida. Não que eu tivesse sido consultado, porque a empresa que me contratava tinha esse cuidado. Acho complicado chegar aqui e falar: ‘Vou começar a apresentar um projeto, nosso patrocinador é fulano da tal da empresa X, que faz isso e é muito boa’, porque em determinado momento essa empresa pode não estar bem e você estava lá atrás falando dela, mas acho que cada caso é um caso. Tenho uma identidade pessoal que me permite ficar muito à vontade. Em nenhum momento o patrocinador acaba influindo ou alterando o conteúdo, isso é o mais importante. O Freedom Project é extremamente importante, chama a atenção das pessoas para algo que deve ser muito discutido e tratado com a maior atenção. Se vir junto com um patrocinador, não há problema. Neste caso, o importante é que o projeto ocorra, e ele vai acontecer a partir desta semana.

PP: Sabe quantos minutos faltam para este entrevista acabar? Seis e ônibus! Ou melhor, seis minutos e 11 segundos. Este meme o aproximou de uma geração que não vê telejornal, e você corretamente se apropriou dele, tanto que registrou a frase como propriedade sua. De que forma o meme contribuiu para que as novas plataformas te recebessem? Você se sentiu mais acolhido por ser o Tramontina dos 40 anos de jornalismo ou o Tramontina do ‘seis e ônibus’?

CT: Tramontina do ‘seis e ônibus’! Minha entrada definitiva nas redes sociais e a forma com que os jovens me receberam deve-se ao ‘seis e ônibus’ sem dúvida alguma. Hoje as pessoas me veem na rua e gritam: ‘Seis e ônibus!’. E o ‘seis de ônibus’ foi um erro que cometi lendo um texto e misturei tudo. Acabou ficando um negócio que não tem sentido objetivo, não tem significado, mas é alegre. Tem que ver com bom humor. Recebo muitas imagens de pessoas que tatuam ‘seis e ônibus’ no corpo! Recebi a foto de um rapaz que tatuou ‘seis e ônibus’ no pulso! Então toda vez que alguém perguntar que horas são ele vai olhar e falar: ‘Seis e ônibus!’. É um negócio inacreditável. Fui à CCXP e conheci uma turma que vê pouco TV. A verdade é que cheguei lá e todo mundo queria tirar foto com o ‘seis e ônibus’! Foi uma surpresa enorme.

‘Seis e ônibus’ sobrevive há quatro anos e as pessoas continuam falando sobre isso. Sem dúvida alguma, foi um marco e é uma referência na minha vida nesta mudança de página para algo novo, jovem e totalmente aberto, que são as plataformas, que vieram para ficar. Por quanto tempo ficarei neste mundo digital? Não faço ideia, mas entrei bem e estou contente porque fui muito bem recebido por este mundo jovem por causa do ‘seis e ônibus’. O ‘seis e ônibus’ me humanizou. Nós, apresentadores de televisão criados em outra época, fomos treinados a sermos perfeitos. Não podíamos errar, não podíamos pronunciar uma palavra com erro. Éramos ‘deuses’. Tudo isso mudou, e o ‘seis e ônibus’ é um marco porque as pessoas entenderam aquele meu erro, que acabou sendo engraçado, como sendo uma coisa do humano. ‘Olha, todo mundo erra, o cara da Globo também errou’. Também erro sim. E isso mudou completamente a percepção das pessoas e acho que aumentou a empatia delas comigo. Que legal, que bom! Vamos curtir!

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