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Lésbica, repórter do Cidade Alerta escancara “armário” em podcast: “Transformei medo em orgulho”

À coluna, jornalista lança o programa IDA e revela que temeu assumir orientação sexual no trabalho

Publicado em 06/04/2022

A jornalista Lorena Coutinho cobre todos os dias a violência pelo Brasil no Cidade Alerta e arrisca sua vida em tiroteios, brigas familiares e ações policiais. Além da TV, a repórter da Record lançou nesta quarta-feira (6) um novo projeto para enfrentar outro tipo de violência: o preconceito contra a comunidade LGBTQIAP+. Há sete anos, ela descobriu sua orientação sexual e “saiu do armário”. Agora, quer ajudar outras pessoas a escancararem a “prisão” no podcast IDA.

IDA é a sigla para “Inclusão, Diversidade e Amor”. O título ambíguo, pensado por Lorena e sua noiva, Natália Daumas também guarda outro significado especial. “É um caminho que não tem volta”, explica a jornalista em entrevista exclusiva à coluna. O primeiro episódio do podcast já está disponível no Spotify (ouça aqui).

“Independentemente de ser jornalista, vim a este mundo para fazer alguma diferença nesse quesito, levando informação, a minha vivência, a minha experiência, falando sobre orientação sexual, sobre identidade de gênero, sobre sexualidade de maneira geral. Não tenho dúvida de quem vim ao planeta Terra não para mudar o mundo, mas, fazendo o trabalho de formiguinha, ajudar a Maria”, prossegue Lorena Coutinho.

A repórter decidiu se tornar ativista há pouco mais de um ano, quando começou a expor com mais frequência o relacionamento com Natália, ex-colega de Record com passagens por Globo e CNN Brasil. Juntas, elas tratam a sexualidade de forma natural e didática nas redes sociais. O passo seguinte foi tirar o podcast do papel. Lorena aceitou a missão após se sentir acolhida pelos colegas de profissão e acabar com seu medo de sofrer represálias dentro da emissora por causa de sua orientação sexual.

“Eu tinha dificuldade de falar sobre a minha orientação sexual. Tinha medo, receio, culpa, dúvida, o que a maioria das pessoas sente. Passou um tempo, comecei a trabalhar essas barreiras pessoais e sociais, porque vivemos uma sociedade bem violenta, até mesmo com ajuda de terapia, da família, da Nat quando começamos a nos relacionar, e fui destravando. Consegui transformar essa dor e essa angústia em vontade de celebrar o amor, usar minha voz e lutar pelas vozes silenciadas, seja em qual ambiente for, e naturalizar o tema porque é necessário, quanto mais a gente fala mais a gente vai naturalizando, de forma amorosa. Ao mesmo tempo, é a luta contra o preconceito. Estou levando a minha história. Fui casada oito anos. A Sophia [filha de Lorena] é fruto desse relacionamento. Transformei isso em orgulho. Mais do que nunca, agarrei com unhas e dentes, porque principalmente no trabalho era minha maior angústia, tinha muito medo de verbalizar”, confessa Lorena Coutinho.

“Quando a gente assumiu, as pessoas da própria Record vinham falar comigo: ‘Nossa, Nat, que legal!’. Eu sempre fui mais aberta, porque a Lorena era muito encanada: ‘O que as pessoas vão achar, meu Deus?’. Até os chefões vinham em mim: ‘Pô, adorei!’. Eu falava para a Lô: ‘Está tudo bem’. Eu trabalhei lá durante muitos anos. Ela se fechou tanto para essa ideia no trabalho que as pessoas até respeitaram. Aos poucos, eles também foram dando esse espaço para a gente”, conta Natália Daumas.

Trago um exemplo de uma pessoa que nem está mais na Record. Um dia ela me abordou no corredor: ‘Lorena, a gente não se vê! Minha mãe quer muito agradecer a você’. Ela está se relacionando com uma mulher e a mãe sentiu muito, foi até violenta na época. Ela falou: ‘Comecei a seguir a Lorena, ouvir a história dela com a Nat, como ela fala com naturalidade com a Sophia, falam sobre tudo, Comecei a admirar tanto, mas tanto, que entendi um pouco mais esse amor, que é diferente, não estou acostumada, mas é amor’. Ela começou a transferir isso para a filha. Quando ela falou, eu fiquei super emocionada no meio do corredor: ‘Queria agradecer a você, porque eu ainda não falo abertamente, estava sofrendo dentro da minha casa, e nunca imaginei que minha mãe te seguia nas redes sociais e ia falar isso para mim. Ela quer te conhecer’.

Lorena Coutinho

Com podcast, casal quer “furar a bolha” e falar com todos

Lorena e Natália se conheceram na Record e trabalharam juntas no Domingo Show. A produtora se sentiu atraída pela nova colega, mesmo sendo heterossexual. Após se separar, a jornalista começou a sair com a equipe. Em 2015, elas foram a um show e, na mesma noite, deram o primeiro beijo.

“Eu fui atacada!”, brinca Natália. “Ela veio toda engraçadinha para cima de mim e eu neguei! ‘Você tá doida?’. Mas eu fui me arrependendo com o passar das horas. Nessa noite ficamos juntas a primeira vez. Voltei de táxi e me lembro de virar, como nas novelas, para vê-la pela janela. Já estava apaixonada!”, relembra a produtora.

No podcast IDA, Lorena e Natália voltam a dividir o mesmo trabalho, mas desta vez com a cara delas. Em episódios semanais de 20 minutos, trazendo histórias reais e muita informação fora do modelo “quadrado” do telejornalismo, o objetivo do casal é empoderar pessoas ainda “presas” no “armário” e dialogar com outros grupos da sociedade além da comunidade LGBTQIAP+ (“furar a bolha”, no jargão da rede social).

“A mensagem é dizer o quão libertador foi sair do ‘armário’. O principal é mostrar que eu respeitei o meu tempo, amadureci comigo mesma e com as pessoas que eu amo, porque chegou a um ponto que, independentemente da empresa ou de quem for, eu estava tão fortalecida para bater de frente com qualquer consequência que poderia vir dentro da emissora, mesmo trabalhando lá há 12 anos. Se necessário for colocar meu trabalho em xeque, eu vou colocar. Na verdade, não tem como fingir. Essa é a Lorena. Não é uma bota que você não gosta e eu posso tirar. Essa é a minha essência. Essa sou eu. Não tinha como viver dentro do casulo mais. Aquela angústia que eu tinha do que os outros iriam pensar se transformou em uma angústia de não ficar aqui dentro mais”, afirma Lorena Coutinho.

“A maioria dos canais da comunidade LGBTQIAP+ é voltada para esse público. A ideia é justamente a gente falar com um público que talvez não esteja dentro dessa comunidade, mas que está completamente conectado. De vendedores de lojas a atendentes de banco, professores, família. Você não é gay ou trans, mas vai encontrar alguém nessa situação. Como você vai lidar com isso? Porque não tem mais volta, você vai encontrar alguém no trabalho ou um primo no Natal. Essa é a parcela que a gente quer abocanhar”, complementa Natália Daumas.

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