Segunda temporada

“2030 será 1930, isso está claro”, ‘prevê’ Alexandre Nero, protagonista de Filhos da Pátria

Novos episódios da atração têm estreia no dia 8 de outubro

Publicado em 23/09/2019

No ano passado, o Brasil acompanhou as desventuras da família Bulhosa em 1822, em meio à recém-proclamada Independência do país. Agora, a partir do dia 8 de outubro, vai voltar a conferir as peripécias deste clã tão peculiar – porém, em uma nova época: os anos 1930 – na segunda temporada de Filhos da Pátria.

O lançamento oficial desta nova fase do programa aconteceu nesta segunda-feira (23) e reuniu elenco e equipe técnica para um bate-papo com a imprensa. Protagonista da atração desde sua gênese, Alexandre Nero ressaltou que, apesar da mudança de contexto histórico, a essência dos personagens irá se manter – para bem e para mal.

O DNA é o mesmo. É uma família tipicamente brasileira classe média que se envolve com o dia a dia da corrupção“, adiantou o astro de 50 anos, destacando o quanto a história, em ambas temporadas, se relaciona com a atualidade.

A graça e a desgraça da série é justamente a semelhança com os dias atuais. Se continuarmos como estamos, 1930 está aí. 2030 será 1930, isso está claro“, analisa, apocalíptico.

Confira o bate papo completo com o ator.

OBSERVATÓRIO DA TELEVISÃO – Fale um pouco do Geraldo nessa temporada.

ALEXANDRE NERO – O DNA é o mesmo. É uma família tipicamente brasileira classe média que se envolve com o dia a dia da corrupção. A diferença do Geraldo nesta temporada é que senti ele mais inteligente. Na primeira temporada, ele foi levado pela inocência, parecia não saber o que estava fazendo, agora ele sabe que está errado mas faz porque dinheiro é bom. Ele está do lado dos poderosos, e tem medo de ser torturado no caso dos militares, e de perder o emprego. Ele é um homem pacato, que diz cumprir ordens, mas com isso se coloca a culpa no outro. Este é um grande problema na sociedade, não assumir sua responsabilidade. Ele simplesmente lava as mãos.

Ele se transforma em deputado nesta temporada, não é?

Sim. No final ele vira deputado, mas é apenas um pau mandado, uma marionete na mão dos poderosos. Ele acha que vai fazer alguma coisa e não consegue.

Quais as diferenças e semelhanças com os dias atuais?

A graça e a desgraça da série é justamente a semelhança com os dias atuais. A gente se identifica porque é exatamente como hoje, o que é uma tristeza e uma alegria.

Principalmente a questão da corrupção…

A questão da corrupção é uma delas, mas também questões arcaicas como as mulheres ganhando menos, o racismo, e todas as coisas que estão escancaradamente no futuro do Brasil. Se continuarmos como estamos, 1930 está aí. 2030 será 1930, isso está claro.

Você é pai. Como é criar um filho num país em que você não tem esperança?

A gente tem que acreditar no nosso no nosso lugar né, mas acho que a minha falta de esperança é na humanidade. A humanidade é uma coisa que deu errado, já começa aí.

Você tem vontade de sair do país?

Eu tenho vontade de sair do planeta. É possível? Existe marte? Porque do jeito que está a questão nem é mais o Brasil, é o mundo.

Filhos da Pátria serve para acordar um pouco a população?

Não. Não serve para nada. A população está dormindo e gosta de dormir. O gigante acordou, virou de lado e dormiu de novo.

As pessoas ficam sempre naquela esperança de ‘agora vai’, mas você já sentiu que o momento já passou, e o que era para ser, já foi?

A gente tem esperança porque sem esperança a gente não levanta da cama, a gente não faz nada se não achar que a vida pode ser melhor, sem esperança eu daria um tiro na minha cabeça, mas ler um livro de história e ver as coisas se repetindo, caindo no mesmo lugar, a gente se pergunta como estamos nisso há 500 anos. A gente tem a esperança que ‘agora vai’. A tentativa de fazer uma série como essa é a inquietude e que as pessoas percebam o que está acontecendo. Mas a história nos mostra que foi, que não vai, e que tem sido ‘foi’ há muito tempo.

O Geraldo está menos inocente?

A primeira temporada deixou claro a corrupção como dinheiro, e no Brasil tendemos a achar que a corrupção tem a ver apenas com dinheiro, mas um juiz que burla a lei para favorecer um dos lados, isso é corrupção. Ele não rouba dinheiro mas isso é corrupção. Tem muita gente que não se acha corrupta, mas burla a lei de outras formas. Essa segunda temporada deixa isso muito claro, além de entrar na coisa dos costumes da sociedade brasileira, do dito cidadão de bem. A gente se divertiu muito fazendo. Cada vez mais o cidadão de bem mostra que é do mal completamente.

Vocês usam essa expressão ‘cidadão de bem’?

Não lembro se usamos, mas está bem claro. O ‘cidadão de bem’ é como se fosse uma tribo e, se você não faz parte daquilo, daqueles costumes, você não é um cidadão de bem. Por exemplo, as pessoas que vão numa igreja X são pessoas de bem, eu que não vou àquela igreja sou um cidadão mau. As pessoas pregam certas coisas, então se você não é desse time, você é do outro. O bem e o mal. Como se não existisse o cinza entre o preto e o branco. As pessoas estão binárias com esse raciocínio infantil.

Seu personagem em A Regra do Jogo, as pessoas cobravam que ele fosse uma coisa só, não é?

Foi uma das grandes dificuldades da novela e do personagem. As pessoas querem a coisa bem binária, bem infantil e não conseguem compreender o que seja uma coisa muito mais complexa, e as coisas são complexas. As discussões precisam ser mais aprofundadas, por isso as discussões nas redes sociais raramente levam a algum lugar porque é tudo muito superficial.

Geralmente o pessoal que migra para séries experimenta um tempo maior de folga entre uma gravação e outra. Como foi para você?

Faz tempo que não faço novelas. A última foi A Regra do Jogo. Na verdade, essa coisa de se gravar menos porque é série já acabou. A pancada da intensidade que está sendo gravada é igual. Por exemplo, Filhos da Pátria foi intenso, gravei por dois meses todos os dias. Há que se enxugar a produção, em gastos menores. Isso faz parte da produção contemporânea moderna. Como produção não faz diferença, a diferença é o tempo que se grava. Terminei agora, aí tenho uma folguinha. Se fosse novela, eu não teria.

Vocês já chegaram a conversar com sobre uma terceira temporada?

Ainda não, mas não se sabe sobre esta ser a última também.

No caso de haver uma terceira temporada, vocês já pensaram em que período poderia se passar?

A gente sempre fala na construção de Brasília, período do Juscelino Kubistcheck, porque deve ter rolado uma roubalheira de dinheiro ali sem fim.

Você acha que chega ao Collor ainda?

Seria legal se chegasse aos dias atuais. Se depender da corrupção, a gente vai ultrapassar, porque é infinito. Vai até o ano 3000 (risos). A gente não está com hábito de se fazer muitas temporadas no Brasil. A Grande Família eu não considero uma série, porque, a partir do momento que as pessoas começaram a chamar de série, não teve nenhuma que a gente pense ‘Nossa, essa já é a sexta’. O Brasil ainda está aprendendo.

Você falou sobre os meses de folga. O que você faz nesse tempo?

Família total. Curto trabalhando para eles, porque exatamente o que eu faço. Adoro quando estou trabalhando na Globo, porque meu trabalho na Globo é bem menor do que com eles. Pode ter certeza que trabalho muito mais em casa. Meus filhos estão um com 4 anos, e o outro com 1 ano e 4 meses. A demanda é barra pesada, principalmente quando minha mulher está trabalhando.

Você leva à escola e tudo o mais?

Sim, ao judô, à natação… É barra pesada. Nesse momento sei mais deles que minha mulher, que está trabalhando.

E a carreira musical, como fica?

Estou pensando ainda. Ano vem vou lançar alguma coisa. Eu gosto de fazer a coisinha mais artesanal, porque aqui na TV é tudo mainstream. Gosto de deixar mais separado. A parte musical é a minha feirinha hippie.

Qual foi a última coisa que você fez como músico?

Em 2015 eu lancei um DVD. E depois de passar seis meses no sertão, gravando Onde Nascem os Fortes, foi que voltei a compor algumas coisas, e chegando aqui me deu vontade de gravar. Estou começando a engatinhar para o ano que vem.

A medida que a série vai se aproximando da nossa época, vai ficando mais escancarado que o Geraldo está entre nós. Como você acha que o público enxerga esse lado do personagem?

Hoje está tão confuso esse negócio de direita e esquerda, está difícil. Sei bem claramente onde estou, ou acho que estou. A Globo por exemplo é atacada pela direita e pela esquerda, o que é curioso. Não sei como as pessoas veem. Os cuidados que tivemos é tratar com humor para que a gente não faça rir quem não deve rir. A gente trata com lugares bastante particulares. A personagem da Fernanda, por exemplo, é a típica pessoa que saiu de um armário brasileiro que a gente achava que não existia, e está aí assustadoramente exposto e orgulhoso de sua ignorância, a gente tem que contar essa piada, mas essa piada não pode fazer eles rirem. Essa piada é para mostrar como eles são patéticos. Essa é a dificuldade. Independente de ser de esquerda ou não, isso tem a ver com civilidade e trabalho.

O Geraldo não tem essa coisa de ser um corrupto do mal, ou sim?

O Geraldo se mistura. A ideia dele é não ter esse maniqueísmo. Ele é um canalha porque acaba sendo levado pelo canalha, ele tem medo do chefe, medo de ser morto, é canalha porque joga a culpa nas pessoas que mandam ele fazer, dizendo que só cumpre ordens, como se ele não tivesse responsabilidade nenhuma, ele é um canalha. Os estúpidos são perigosos. Os estúpidos que se acham inteligentes são mais perigosos ainda. Tem exemplos ocupando altos cargos na nossa política. Eles colocam a vida das pessoas em risco.

(entrevista realizada pelo jornalista André Romano)

(colaborou João Paulo Reis)

© 2024 Observatório da TV | Powered by Grupo Observatório
Site parceiro UOL
Publicidade