Entrevista exclusiva

Autor de biografias de Blota Jr. e Silvio Santos, Fernando Morgado declara: “Quanto mais meios de comunicação surgirem, mais consumiremos”

"A importância do jornalista cresce nesse caos midiático", afirma o pesquisador

Publicado em 20/03/2022

Amigos da Coluna Por Trás da Tela, hoje vou falar com alguém que realmente entende o que se passa nos bastidores da TV, do celular, do tablet, do computador e também do pai de todos: o rádio. Fernando Morgado é professor de Cibercultura na pós-graduação em Mídias Digitais e Gestão de Conteúdo da ESPM e vai nos explicar, entre outras coisas, o fenômeno da internet, que está mais do que consolidado.

Eu tenho um grande carinho pelo Fernando porque ele fez parte do meu projeto de lançar um livro sobre Blota Jr., meu querido avô. A obra, chamada Blota Jr. –  A Elegância no Ar (Matrix Editora, 2015), era um sonho que o avô me confidenciou e que pude realizar graças ao Fernando e também ao meu querido pai, Blota Neto.

CHRISTIANO BLOTA – Fernando, obrigado por visitar minha sala de bate-papo virtual. Não preciso falar da gratidão que tenho por você ter tornado realidade o meu projeto de fazer um livro sobre Blota Jr.

FERNANDO MORGADO – O sentimento de gratidão é recíproco, Christiano. Lembro até hoje do dia em que almocei na sua casa e você, entre uma garfada e outra, ergueu a cabeça, olhou para mim e exclamou: “Você tinha que escrever a biografia do meu avô!”. Seu pai estava conosco e imediatamente aprovou a ideia. Foi assim que começou uma jornada de três anos, concluída com a publicação do livro pela Matrix e com uma noite de autógrafos em São Paulo que durou quase quatro horas, repleta de profissionais da imprensa. Blota Jr. – A Elegância no Ar foi minha primeira biografia, que chegou às livrarias quando eu tinha apenas 27 anos de idade. Sua colaboração foi fundamental para que a obra se tornasse realidade. Eu tenho muito orgulho desse trabalho. Blota Jr. foi uma figura fundamental para a comunicação brasileira e merecia ter sua vida registrada em um livro.

CB – Depois do livro sobre o meu avô, você escreveu outro, sobre Silvio Santos. Quem mandou você inventar moda?

FM – Pois é! O livro Silvio Santos – A Trajetória do Mito nasceu após mais de uma década de pesquisas. Foi a primeira obra biográfica independente lançada sobre o Silvio, pois eu nunca fui empregado dele. Trabalhei sob o mais absoluto sigilo e o lançamento pegou muita gente de surpresa, a começar pelo próprio apresentador, que me entrevistou em seu programa e fez seis meses de publicidade gratuita nos intervalos do SBT. Silvio Santos – A Trajetória do Mito está na quinta edição e apareceu em diversas listas de best-sellers, como a da revista Veja, da Livraria da Folha e da Saraiva. A repercussão foi tão grande que, depois, outras pessoas também resolveram lançar obras sobre o Silvio.

CB – Fernando, minha coluna tem se dedicado mais ao jornalismo ultimamente. Por que tantos canais informativos nas TVs por assinatura, computadores, além da TV aberta? Tem espaço para tudo isso?

FM – Existem dois fenômenos simultâneos. O primeiro está ligado ao forte aumento no consumo de conteúdo em todas as faixas do dia. Foi-se o tempo em que se informar era algo restrito ao período da noite, quando as famílias se reuniam em torno da TV para ver o Jornal Nacional. Vivemos a era do breaking news permanente, na qual os fatos são registrados e compartilhados com uma agilidade brutal e a um custo cada vez menor. E é aí que entra o segundo fenômeno, que tem a ver com a popularização das tecnologias de produção, distribuição e consumo de conteúdo. Isso permitiu com que a oferta acompanhasse a demanda. Sem falar que todos nós viramos prosumers, ou seja, produtores e consumidores de informação ao mesmo tempo.

CB – Você acha que a internet vai tomar o espaço da TV, ou ela será um complemento?

FM – Para mim, a palavra de ordem é acumulo. Quanto mais meios de comunicação surgirem, mais consumiremos. E esse consumo sempre se dará de forma caótica. Errou quem pensou que toda informação e entretenimento do mundo se fundiria. Primeiro achavam que tudo se concentraria na TV, depois no computador pessoal e, finalmente, no smartphone. Mas a verdade é que nossas casas, bolsos e mochilas estão com cada vez cheios de bugigangas e as fontes de conteúdo não param de se multiplicar. Se houvesse alguma substituição de equipamentos e mídias, talvez a nossa vida fosse um pouco mais organizada, mas como não há, vivemos esse caos midiático do qual ninguém escapa.

CB – Sinto que o mercado jornalístico está saturado. Muita gente boa para pouco espaço, fim da obrigatoriedade de diploma, pessoas de outras áreas migrando para a função. Você consegue visualizar o futuro do jornalista?

FM – Vejo que a importância do jornalista cresce nesse caos midiático a que me referi anteriormente. Diante de tanta opção, o que inclui muita mentira, é fundamental que o público saiba em quem confiar. Nesse sentido, a marca pessoal do jornalista e a marca do veículo onde ele atua fazem toda a diferença, pois são elas que concentram as percepções que o público tem do trabalho informativo. Além desses aspectos, eu também enxergo a expansão do empreendedorismo entre jornalistas. O sonho de trabalhar em grandes redações perdeu espaço para o desejo de montar seu próprio veículo, seja ele um site, um podcast ou um canal no YouTube. Antigamente, apenas grandes empresas dispunham dos meios necessários para produzir e difundir conteúdos. Uma câmera para gravações externas, por exemplo, já custou 50 mil dólares. Hoje é possível gravar em 4K usando um celular apenas razoável. A questão agora é cada profissional encontrar o seu nicho de mercado e, a partir dele, desenhar um modelo de negócio que seja rentável a médio ou longo prazo.

CB – As emissoras de TV também têm mostrado, cada vez mais, preferência por determinado viés político. Algumas parecem mais preocupadas com dinheiro do que com informação. A proximidade da eleição presidencial revela claramente esse fenômeno. Você concorda com o papel exercido pelas emissoras? Sempre existiu isso?

FM – A comunicação tem veículos parciais desde o seu início enquanto atividade profissional. Basta lembrar dos jornais que existiam no século 19: havia publicações assumidamente monarquistas, republicanas, escravagistas, abolicionistas… Os editoriais, inclusive, servem para que o dono do veículo diga de que lado está nas situações que lhe interessam. Conforme os veículos cresceram em termos de estrutura e fatia de mercado, cresceu também a necessidade deles falarem para públicos maiores. Por isso, a busca por discursos mais neutros, pretensamente imparciais, se fez necessária. Com o avanço dos meios digitais e a pulverização da oferta e do consumo, os nichos ficaram ainda mais relevantes. Nesse sentido, tomar partido significa escolher um segmento de consumo para atender e, assim, ganhar dinheiro. Em suma: jornalismo parcial e jornalismo que busca a imparcialidade são dois lados de uma mesma moeda.

CB – Eu vejo a internet tomando cada vez mais conta do mercado. Existem mais filmes, programas e pessoas com possibilidade de se destacar sem a “panela” das grandes corporações. Eu te pergunto: como você enxerga a internet daqui a alguns anos? O céu é o limite, ou não há limite para internet?

FM – A internet pode ser encarada sob dois aspectos: meio de comunicação com linguagem própria e tecnologia para transmissão de dados em geral. O primeiro aspecto é muito discutido por teóricos, afinal, a web é tão ampla que comporta qualquer tipo de linguagem. O segundo aspecto é ainda mais abrangente, resvalando nos meios analógicos. Por exemplo: diante da expansão da banda larga, notadamente com o 5G, como ficará a transmissão por ondas de rádio, que é a base do AM, do FM e da TV aberta? Será que as outorgas de radiodifusão continuarão tão valiosas? Temos que pensar também no contexto regulatório, que ainda precisa avançar bastante quando o assunto é internet. Muita gente ainda pensa que rede social é terra sem lei. Essa percepção equivocada precisa mudar. A web é mais que futuro: ela é presente. Todas as demais mídias dependem dela, de uma forma ou de outra. Em contrapartida, não podemos achar que a internet é a fronteira final da humanidade. Logo surgirá um meio melhor, que abrirá novas oportunidades e aumentará o nosso caos midiático. A web não tem limites. A criação humana tampouco. Sendo assim, qualquer previsão a longuíssimo prazo se mostra precipitada.

CB – Fernando, além de ser acadêmico, você está sempre comentando ou participando de entrevistas na frente da tela. Então vamos para a pergunta-chave da coluna: quando o Fernando está “Por Trás da Tela”, o que ele gosta de fazer?

FM – Eu, em geral, estou diante de telas. Gosto muito de jornalismo e permaneço o dia inteiro atento ao noticiário. O Botafogo, por sinal, vem ocupando um tempo cada vez maior dentro do meu consumo de mídia. John Textor renovou as esperanças de todos nós, alvinegros. Também gosto muito de aproveitar a minha cidade, o Rio de Janeiro, e viajar. Tenho laços fortíssimos com o sul do Brasil. No campo profissional, sigo com as minhas atividades de professor universitário e empresário, prestando consultorias e ministrando palestras e treinamentos.

CB – Fernando, muitíssimo obrigado pela visita! Eu te espero mais vezes por aqui!

FM – Amigo Christiano, sou eu que agradeço pelo convite, pelo espaço e, sobretudo, pela confiança ao longo de todos esses anos. Estarei sempre à disposição de você e dos leitores do Observatório da TV. Até a próxima!

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