Palhaçada

A imprensa nacional cobre a eleição dos EUA como se o Brasil fosse colônia norte-americana

Nosso jornalismo cobre as notícias americanas como se pertencêssemos à mesma nação, como se não tivéssemos nossos próprios problemas

Publicado em 07/11/2020

Meus amigos da coluna Por Trás da Tela: a eleição americana me desanima, no que diz respeito a transmissões de canais que se vendem com “força” no jornalismo.

Pensilvânia, Arizona, outros estados americanos, cálculos de quantos delegados podem decretar a vitória do candidato à presidência. A probabilidade de Joe Biden vencer, previsão de agências, matemática. Enfim, Biden foi eleito o quadragésimo sexto presidente dos Estados Unidos.

O candidato teve 74 milhões de votos, recorde na história das eleições americanas. Comentaristas, tradutores, repórteres cobrindo ruas, avenidas americanas, explicam em uma semana o que uma simples reportagem poderia nos informar com clareza.

Os canais jornalísticos mais “pobres” convidam um acadêmico para conversar com os âncoras, enquanto imagens internacionais correm à solta, sem organização.

Lamentável ver as entradas ao vivo em frente à Casa Branca com eleitores comemorando a vitória de Biden, como se fosse uma informação de “última hora”.

Para mim, entrada ao vivo só com notícias de extrema relevância, não para preencher espaço de canais incompetentes, sem pauta e personalidade, que confundem notícia com carnaval.

Depois de um tempo ouvimos mais comentários sobre votos mandados pelo correio. Existe fraude? Enfim, o advogado do Trump (Rudolph Giuliani) comenta o assunto e todos os canais de notícias colocam a mesma imagem – um segue o outro tal como estouro de boiada.

Vale a competição no mercado e não a informação. Parece jogo de criança para mostrar quem faz o desenho mais bonito.

Alguém grita (tenho certeza) “O Canal X está com a imagem do Rudolph Giuliani”, e os outros mostram exatamente a mesma coisa, que é discurso com tradução simultânea.

“Para quê tanto canal?”, eu penso. E ainda vou adiante: para quê tanta atenção aos Estados Unidos? Como se morássemos por lá. Ou será nosso complexo de vira-lata? Deve ser!

Entra a repórter ao vivo de Washington falando em meio à multidão. Eu não vi tanto alarde por parte dos eleitores, mas notei uma tentativa de justificar a entrada ao vivo.

E os canais concorrentes mostram, quase ao mesmo tempo, outras pessoas pulando para comemorar a vitória de Biden, como se fosse futebol.

As redações sem personalidade olham como o concorrente se comporta e, ao invés de tentar outra linha editorial, copiam exatamente a mesma fórmula.

Quando o assunto está cansativo, alguém resolve falar em Kamala Harris, a vice-presidente eleita, e advinha? Os outros fazem a mesma coisa. E ainda elogiam a cobertura do jornal, como a melhor – marketing e jornalismo juntos, o que nunca deveria acontecer.

Alguns pontos nos fazem entender esta apatia, como a questão econômica. Para o editor-chefe de um jornal, é mais fácil colocar imagens de agências internacionais e comentar a eleição americana do que falar do Brasil, com praças podres, sem assunto e acomodadas.

Eu me pergunto: e se existisse outro canal de notícias falando de Brasil e acompanhando, sem exagero, a eleição americana? Para mim seria um sonho. Quase uma utopia em meio ao caos, de jornalistas que não sabem se são formadores de opinião ou apresentadores de entretenimento.

Vez ou outra entra um repórter, sem recursos técnicos, repetindo o que lemos na internet, em algum lugar da América do Norte (como se fizesse diferença), comentando o que eu chamaria de “curiosidades”.

Neste momento estou ouvindo outra pessoa tentando ser engraçada (como eu disse antes, outra característica banal no jornalismo), para falar das celebrações na Times Square.

Há pouco custo em mostrar imagens internacionais, convidar um professor para comentar ou aproveitar os que já trabalham no canal. É fácil chamar um repórter de algum lugar, geralmente vindo de praças turísticas e estereotipadas, para falar das eleições americanas, como se os brasileiros (jornalistas) continuassem em um eterno filme de Hollywood.

Há também a questão política. O mundo está polarizado e parece, em sua maioria, haver só conservadores e democratas brigando por hegemonia. Então, existe uma espécie de representação oficial por parte da imprensa no Brasil.

Como se Joe Biden vestisse a camisa das pessoas que odeiam Jair Bolsonaro e Donald Trump sendo a personificação do presidente da República.

Os canais de TV incorporaram a briga política, até por interesses em futuros investimentos, e cobriram a corrida ao poder norte-americano como se fosse a prévia da eleição brasileira. Sim, meus amigos, Freud ou Jung também poderiam explicar o fenômeno.

Eu sei que terminei meu sábado (7 de novembro) sem saber absolutamente nada do meu Brasil. É importante acompanhar a eleição nos Estados Unidos? Claro que sim. Um país de primeiro mundo, que dita a economia mundial. Mas não precisava encher linguiça.

Eu quero ver notícias dos EUA, mas principalmente do Brasil. Se algo vier de Nova York, Washington, Pensilvânia, enfim, dos Estados Unidos, é bem-vindo para as pessoas que desejam informação e entendimento mundial. Todavia, transformar a eleição presidencial em uma cobertura carnavalesca é algo que me irrita.

Transformar as notícias americanas como se falássemos de uma final de Copa do Mundo é a tradução do nosso atraso como colônia provinciana, como país que perde a cada dia sua personalidade.

Acompanhar canais de TV que fazem jornalismo no Brasil é algo que me causa vergonha. Eu me sinto mal com um país que busca se reerguer frente ao mundo e se comporta como “quintal” de impérios econômicos. Até parece que ainda estamos num tempo de metrópoles e colônias, com os EUA na primeira condição e o Brasil na segunda.

Algo me faz pensar que temos muito a evoluir. Quando aprendermos a valorizar nosso país, em primeiro lugar, seremos líderes que não pensam como provincianos, mas como protagonistas.

A única informação em todo sábado que me fez lembrar que moro no Brasil foi a opinião de políticos brasileiros, frases vindas de Brasília, tentando responder a principal pergunta: “A eleição de Biden vai nos beneficiar em quê?”. Infelizmente a resposta a estas questões tomou pouco tempo de uma programação tosca e enfadonha no jornalismo nacional. Que palhaçada!

*As informações e opiniões expressas nesse texto são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

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