LEMBRA DELA?

Lançar Insatiable foi estopim da crise de conteúdo e credibilidade na Netflix

Comédia duramente criticada marcou o começo da era de pasteurização na gigante do streaming

Publicado em 29/04/2022

Você lembra de Insatiable? A comédia da Netflix lançada em 2018, sobre uma adolescente que sofria bullying por estar acima do peso, entrou para a história como uma das piores séries da gigante do streaming. Segundo fontes ouvidas pelo site The Hollywood Reporter, a atração foi responsável por iniciar onda de projetos ruins na empresa, sendo o estopim da crise de conteúdo e credibilidade que perdura até hoje, a era da pasteurização.

A história acerca da aprovação de Insatiable na Netflix é a chave para entender porque tanta série capenga é produzida, cujo destino é o cancelamento precoce, muitas vezes após a primeira temporada. Uma fonte disse à reportagem que executivos da empresa enxergam tal cenário com bons olhos, pois “se uma em cada dez séries der certo”, então tudo bem.

Seleção apurada

Para compreender bem o que rolou por trás da cortina é importante conhecer Cindy Holland. A executiva trabalhou durante 18 anos na Netflix. Quando a empresa passou a investir em produção de séries, já no modelo streaming, ela assumiu a posição de ser a curadora dos projetos a serem lançados. Tinha o cargo de vice-presidente de conteúdo original.

Cindy, por exemplo, aprovou e gerenciou a realização das quatro séries que ajudaram a Netflix ganhar o status de ser uma plataforma de respeito em Hollywood: House of Cards (2013-2018), Orange Is the New Black (2013-2019), The Crown e Stranger Things

Além disso, ela intermediou a contratação da showrunner Shonda Rhimes e ajudou a Netflix superar, pela primeira vez, a HBO em indicações em uma edição do Emmy.

A fama de Cindy Holland nos corredores da Netflix era de ser expert em escolher atrações de alto padrão (e também de custo elevado aos cofres da empresa, registra-se). Em meados da década passada, nos primeiros anos da plataforma no mundo da produção de entretenimento, de fato existia a sensação de que a Netflix tinha um apuro de respeito na encomenda de produções

Cindy Holland (à esq.) e Bela Bajaria
Cindy Holland à esq e Bela Bajaria

Rivalidade e virada no jogo

Em 2016, a Netflix contratou uma executiva experiente para ajudar na aprovação de mais projetos, pois a empresa visava o crescimento. Era uma época que o horizonte apontava para a perda de série de terceiros (como Friends) e o serviço teria de preencher esse buraco com atrações próprias.

Chegou então Bela Bajaria, ex-Warner Bros. e Universal. Tanto Cindy quanto Bela tocavam as análises de novas séries. Tudo ia bem até Insatiable aparecer.

A série tinha sido rejeitada pela The CW (TV aberta americana) após os executivos da rede assistirem ao primeiro episódio. A comédia foi oferecida para a Netflix, mas Cindy rejeitou. Então, Bela entrou na conversa e passou por cima da decisão da colega executiva, aprovando a série e pedindo a produção de 13 episódios para a primeira temporada.

De acordo com funcionários da Netflix ouvidos pela The Hollywood Reporter, aí iniciou a produção em massa de séries com conteúdo questionável (ruim, no português mais claro). “Começou um processo de aprovar séries baratas, sem apelo e de qualidade baixa”, revelou uma fonte.

Insatiable sofreu críticas aos montes. Os comentários negativos foram de todas as ordens, mirando o elenco péssimo, trama de gosto duvidoso e história sem sentido. No site Metacritic, que compila reviews da imprensa de língua inglesa, a comédia tem uma das piores notas já publicadas: 25 (de 100).

Apesar de tudo isso, a alta cúpula da Netflix não se incomodou. Insatiable teve uma performance suficientemente boa entre os assinantes e a segunda temporada foi encomendada.

Saída de Cindy da Netflix

Uma fonte descreveu para a reportagem o cenário nos corredores da Netflix naquele tempo. “Aquilo acabou dando poder para qualquer pessoa aprovar uma série, causou caos e desmoralização absoluta. Todos acharam péssimo Ted Sarandos [o chefão da Netflix] apoiar a escolha de Bela sendo que outra executiva [Cindy] tinha rejeitado a série.”

Cindy foi perdendo espaço, pois Ted buscava mais Bela para lançar novas atrações. Essa estratégia de priorizar a quantidade ao invés da qualidade deixou Cindy chateada. A situação embaraçosa chegou ao fim em setembro de 2020.

Havia uma vaga aberta de vice-presidente global de televisão (diretora de séries mundiais) na Netflix. Cindy Holland e Bela Bajaria eram as principais candidatas para ocupar o cargo. Ted Sarandos escolheu Bela. E Cindy deixou a empresa, notícia que chocou Hollywood.

E a Netflix passou a ser conhecida como máquina de triturar séries. A vítima mais recente é a comédia Pretty Smart, cancelada após uma única temporada. Como a plataforma encerra séries precocemente, os assinantes criaram o hábito de passar a acompanhar uma atração somente após ela ser renovada para a segunda ou terceira temporadas. ⬩

© 2024 Observatório da TV | Powered by Grupo Observatório
Site parceiro UOL
Publicidade