BBB21

Era só entretenimento, mas virou confinamento bizarro

O que seria um jogo milionário de diversão transformou-se num exemplo de poder, bullying, humilhação e opressão

Publicado em 07/02/2021

Um certo terror psicológico se abateu sobre este BBB 21. Alguns participantes imbuídos de um espírito de superioridade moral e com humor autoritário passaram a ditar regras e a exercer pressão sobre o comportamento de quem não faz parte de sua “panelinha” de uma forma muito além do aceitável.  

Assim, o que era para ser apenas mais um jogo milionário de diversão na televisão e no streaming para aliviar nosso estresse em quase um ano de pandemia, virou um caso de poder, humilhação e opressão.

Pior, fez um participante, o ator Lucas Penteado, desistir de todo o show antes que se completassem duas semanas da atração. O jovem de 24 anos teve ainda exposta sua vulnerabilidade para todo o País num atração campeã de audiência.

Experimento de Stanford

É curioso lembrar que este ano marca o cinquentenário de uma experiência acadêmica de confinamento, muito antes de um Big Brother na TV de qualquer parte do mundo. O caso entrou para a história como o experimento de aprisionamento de Stanford.

Naquela universidade da Califórnia, nos EUA, um professor de Psicologia recrutou com cachê diário de US$ 15 um grupo de estudantes para recriarem no porão um ambiente de um presídio. De um lado, alguns jovens encarnariam os carcereiros e do outro, haveria os prisioneiros.

Ao longo de menos de uma semana, os então carcereiros ficaram encantados com a possibilidade de exercerem poder sobre os demais e se tornaram verdadeiros sádicos no trato com os estudantes que estavam “presos”. Estes, por sua vez, se sentiram impossibilitados de qualquer reação diante de verdadeiros atos de tortura.

Mesmo com a perversidade e o sofrimento crescentes, poucos estudantes pediram para abandonar o estudo.  Um dos estudantes que incorporou um guarda justificou o papel de vilão dizendo que estava vivenciando-o como um exercício teatral.

É algo como se diz agora no BBB: que fulano ou sicrano estaria “interpretando um personagem”. Veremos mais gente justificando assim sua vilania nas próximas semanas do programa.

O que aconteceu em Stanford? O experimento foi interrompido e vem rendendo análises, documentários e até filmes desde 1971. Quando o estudo completou 40 anos, o então mentor do confinamento, o professor Philip G. Zimbardo, declarou para a BBC:

“No dia em que chegaram, aquilo era uma pequena prisão instalada em um sótão com celas falsas. No segundo dia, era um presídio de verdade, criado na mente de cada prisioneiro, de cada guarda e das outras pessoas envolvidas. Vários dos presos começaram a apresentar problemas emocionais.”

Confinamento no BBB

Em 2001, surgiu aqui a cópia não autorizada do holandês Big Brother (criação de John de Mol, inspirado no Grande Irmão do livro 1984, de George Orwell) , a Casa dos Artistas (no SBT).

Foi quando entramos em contato com a fórmula de sucesso do programa: confinar numa casa vigiada por câmeras e microfones 24h/dia um monte de gente jovem, bonita e sarada num game de resistência, convivência e resiliência.

No decorrer do programa, torcemos com as várias tarefas da casa e apreciamos festas com shows, bebida e música num jogo com eliminação semanal votada pelo público e com prêmio milionário ao vencedor no fim. Tudo em nome da diversão e com patrocinadores o tempo todo.

Ao longo dos anos de BBB da Globo, desde 2002, alguns perfis foram sendo agregados ao reality show de forma a contemplar cada vez mais público; assim, incluíram participantes de todas as regiões do País, ricos e também bem pobres, mais velhos, pai e filha, gays, até um refugiado de país em guerra.

Ao longo destes 19 anos, não faltaram pontos negativos como casos de isolamento de participantes, machismo, traições, problemas de saúde de brothers e sisters na casa. Houve até investigação sobre suposto estupro.

No ano passado, celebridades e influenciadores das redes sociais passaram também a ser convidados para o programa, numa retomada tardia do mote inicial da Casa dos Artistas, provocada possivelmente pelo sucesso da similar A Fazenda (da concorrente Record TV).

Este ano, o reality show ampliou o número de pardos e negros no elenco, o que foi imediatamente interpretado como uma forma de garantir maior diversidade e inclusão, seja entre famosos e não famosos.

Acontece que, logo de início, o jogo desandou e forneceu momentos de grande bizarrice. Discursos autoritários de uma militância identitária sem qualquer autoridade para exercer domínio sobre os demais, a não ser sua própria opinião pessoal, passaram a marcar uma divisão desigual entre os grupos.

Artistas mais tarimbados pelo sucesso fora da casa utilizaram a carreira e fama como passaportes de garantia para fazerem prevalecer sua vontade. Pessoas pretensamente porta-vozes de um movimento de moralidade universal passaram a impor seu jogo diante da minoria, cada vez mais deixada de lado.

Os participantes, seja por falta de repertório para resistir ou por falta de convicção ou mesmo coragem, foram se submetendo de forma um tanto passiva a alianças meio espúrias para fazer parte do grupo maior.  

Fora da edição noturna do programa exibida no canal aberto, a audiência em massa acompanha em tempo real o dia a dia dos participantes, compartilhando nas redes sociais todo o massacre emocional a que os concorrentes mais fortes submetem os mais vulneráveis ou em minoria, que se sentem acuados e alvos de um certo tipo de bullying.

A produção do programa diz que a Globo dispõe um profissional de psicologia em plantão para consultas a quem tiver necessidade de auxilio emocional.

Mas o fato é que a tortura psicológica dentro da casa extravasou para fora, deixando o público apavorado com o andar do confinamento e preocupado com a ala em minoria na atração.

Entrou água no experimento. E o diretor, Boninho, que nada mais é senão um craque em televisão, show, edição e cortes; terá de mostrar agora seus talentos também como bombeiro.

Afinal, estamos falamos de um programa que fatura R$ 500 milhões já na largada, com uma fila de patrocinadores esperando ainda para entrar.  

*As informações e opiniões expressas nessa crítica são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

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