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Vico Iasi: Apresentador do Globo Rural explica decisão de trocar a TV pelo rock: “Não parei, acelerei”

À coluna, jornalista faz balanço de seus 30 anos na Globo e revela retomada de shows com a banda Carbono 5

Publicado em 27/03/2022

O Globo Rural exibido na manhã deste domingo (27) foi o último com Vico Iasi na apresentação. O jornalista de 50 anos tomou a corajosa decisão de deixar a TV para se dedicar a outra paixão: a música. Ele já lançou três canções como vocalista da banda de rock Carbono 5, que toca nos bares de São Paulo desde 2016, e retomará a agenda de shows a partir de junho. Entre o apoio incondicional da família e a surpresa dos telespectadores, o agora ex-global diz que agiu com consciência e maturidade.

“Houve pessoas nas redes sociais que não me conhecem: “Mas como você vai largar a Globo?”. A minha mulher, com quem sou casado há 25 anos, me apoia pra caramba, adorou. Sempre está na primeira fileira dos shows. É a primeira pessoa para quem mostro as músicas. Sou um cara muito maduro e responsável. Se estou fazendo isso agora, é porque posso fazer e estou consciente do que vou fazer. Vai ter gente que vai lamentar porque gosta do Globo Rural, mas vejo como carinho. No fundo, a pessoa diz que vou fazer falta”, explica Vico Iasi em entrevista exclusiva à coluna.

O coração do jornalista começou a “bater conforme a música” durante a pandemia, quando precisou suspender os shows da Carbono 5 em razão da pandemia de coronavírus. Isolado, só saía de casa para apresentar o Globo Rural e passava o restante do tempo criando o primeiro repertório autoral da banda, que na noite paulistana só tocava covers. Entusiasmado com as composições, avaliou que precisava encerrar seu ciclo na TV para se concentrar exclusivamente no rock.

“Não que eu não esperasse, mas achei surpreendente o volume de mensagens, de comentários, todos muito carinhosos”, comemora o apresentador e músico.

Vico Iasi conversou com a coluna na última quarta-feira (23), dois dias antes de gravar seu último Globo Rural. Na entrevista, ele analisou seus 26 anos como apresentador, a fidelidade do público do telejornal (no ar desde janeiro de 1980) e os próximos passos com o quinteto Carbono 5, que tem outro apresentador de TV na formação: Mauricio Barros, do BandSports.

Confira abaixo a íntegra da entrevista com Vico Iasi:

PAULO PACHECO: O Globo Rural tem uma proximidade maior com o público, talvez pela interatividade e pelo contato com o público do campo. Nesses mais de 25 anos como apresentador, você percebia essa repercussão no dia a dia? Acha que o Globo Rural se diferencia dos demais jornalísticos por causa disso?

VICO IASI: O programa estreou em 1980. No primeiro, já tinha interação. Nem sei como fizeram, mas sei que o primeiro já tinha interação com o telespectador. Claro, antes era por carta. O Globo Rural sempre recebia pilhas de cartas. Até hoje respondemos tudo, nem que seja com um “muito obrigado”. Essa interação é antiga, e acho que isso explica a fidelidade e a assiduidade. As pessoas têm uma afinidade rara com cada pessoa da equipe, sabe o nome até de quem está atrás das câmeras. Essa interação que veio antes da era digital é uma marca do programa.

PP: Você, jovem, sabia da dimensão do Globo Rural no seu início? Você tinha ligação com o campo ou o agronegócio? Como se preparou para apresentar o programa?

VI: Entrei no Globo Rural com 24 anos sem ter ligação com o campo. Sou paulistano e tinha experiência no Globo Ciência, entre 1992 e 1994, que tinha várias semelhanças com o Globo Rural. Era um baita programa sério, jornalístico, que faz muita falta na TV hoje. Comecei muito moleque e tive uma escola muito boa no Globo Ciência viajando pelo Brasil, fazendo matérias em plataformas de petróleo no meio do oceano, por exemplo. Acompanhei escavação de dinossauros no Rio Grande do Sul. Tínhamos pautas amplas, de paleontologia a ecologia. Muito rapidamente passei para a reportagem e me interessei por fazer matérias grandes e editá-las. O Globo Ciência passava no domingo de manhã, antes do Globo Rural. Eu assistia, mesmo que, em tese, eu não tivesse interesse por ser urbano, e me encantei. Mostrava gente, cultura. Às vezes, as pessoas têm uma ideia errada sobre o Globo Rural, de que é só sobre agronegócio, sobre produção. Também é, mas fala de sustentabilidade, cultura, mostra a cara do Brasil fora dos grandes centros. Nosso telejornalismo é centrado só nas grandes capitais. O resto do Brasil fica muito fora da mídia. O Globo Rural busca cobrir o mundo rural na sua diversidade, com suas tradições e suas disparidades. Não nos furtamos de criticar os problemas, mas também inspiramos os outros espectadores. Minha ligação era pela qualidade jornalística, não pelo tema.

PP: Nos 26 anos em que você esteve presente, o Globo Rural mudou também nas reportagens. Falou mais de sustentabilidade, proteção ambiental, e muitas pessoas veem estes assuntos como ‘concorrentes’ da produção agrícola, como se não fosse possível plantar sem cuidar do meio ambiente. Como você o programa para os próximos anos?

VI: Nesses quase 27 anos, a televisão mudou muito em termos de linguagem e o Globo Rural também. As reportagens ganharam mais sofisticação, não no sentido jornalístico porque isso a gente já tinha, mas de tecnologia. As imagens são mais bonitas, o produto é mais nobre em termos de acabamento. As mudanças estão ligadas ao avanço do mundo digital, da linguagem. Acho que está melhor do que era quando entrei. A sociedade mudou e o campo também. Hoje temos uma sociedade muito mais atenta a questões de sustentabilidade e responsabilidade social. Acho que caminhamos junto. A TV foi mudando, a sociedade foi mudando, o Globo Rural foi mudando, e hoje mostramos tudo isso com muita naturalidade. Cobrimos jornalisticamente com o mesmo critério de qualidade e de crítica qualquer área. É legal que tenhamos na TV brasileira uma janelinha jornalística para olhar para esse lado da sociedade, com todas as suas diversidades e complexidades.

PP: Você se sente mais ansioso para o último programa em relação ao primeiro?

VI: Ah, para o último estou muito tranquilo. Primeiramente porque tenho quase 51 anos. Quando eu falar “bom dia e até semana que vem”, não vou dizer “até semana que vem”, meus colegas vão tocar o barco. Sinto uma emoção, mas é muito consciente e tranquila. Quando estava começando, até sabia que o programa era grande, mas não tinha essa vivência. Sinto algo forte com o programa, a equipe de profissionais incríveis e amigos dos quais gosto tanto, mas estou muito tranquilo, curtindo também a mudança que vou ter e os meus novos projetos.

PP: Depois de falarmos sobre o programa, vamos falar do seu futuro. Você tem uma banda, e para quem não te acompanhava nas redes é inusitado. Quando vi os vídeos da Carbono 5, fiquei feliz e, ao mesmo tempo, surpreso.

VI: A música chegou até mim muito antes do jornalismo. Minha mãe disse que cantei antes de falar (risos)! Ela tinha um disco e comecei a cantarolar. Sempre adorei! Tive banda na escola e na faculdade, mas quando me formei jornalista, e sou muito comprometido com o que faço, levei a sério. Fiz uma imersão no jornalismo. De 2016 para cá, meus amigos com outras profissões e eu decidimos montar uma banda. Foi um pouco depois de quando me tornei chefe de redação e passei a viajar menos. E a música começou a voltar. Começamos a fazer shows na noite de São Paulo com repertório rock n’ roll clássico, Led Zeppelin e outros, e brasileiros, como Rita Lee, Barão Vermelho e Lulu Santos. Montamos um repertório de covers e fazíamos de um a dois shows por mês. Ficamos três anos assim. Aí veio a pandemia. Fechou um circuito de bares e pubs. Cada um ficou em sua casa. No período, tiramos da gaveta algo que sabíamos que uma hora iríamos fazer: começar a compor. Quem compõe, neste momento, sou eu e o guitarrista e vocalista Mauricio Barros, que também é jornalista de TV. O Mau continua na Band, os dois apresentadores de TV que montaram uma banda de rock. Trabalhamos uma época juntos no Globo Ciência. O Mau é um amigo muito próximo, fizemos faculdade juntos. Também é compositor. Dois caras da TV que foram para o rock. Ele continua na TV.

Começamos a compor, uma etapa muito diferente da etapa do cover, demanda mais tempo e mais profissionalismo. As gravações que fizemos e já lançamos têm um acabamento profissional. Temos um canal no YouTube, estamos caprichando nele. Minha ligação com o audiovisual será no YouTube, onde gravo e edito. Se antes a palavra falada estava em primeiro plano, agora é a palavra cantada que está em primeiro plano e a informação em segundo. Claro que não deixo de ser jornalista, mas estou querendo dedicar mais tempo à minha outra paixão, que é anterior ao jornalismo. Engraçado que compus uma música chamada Carne Carvão que fala muito sobre o universo do Globo Rural. É um rock sobre as queimadas no Cerrado. ela traz um pouco desse conhecimento meu do Brasil regional, mas como rock n’ roll. Estou preparando a mudança, mas a letra saiu dentro de mim e revela muito esse momento de transição. Eu me impressionei!

PP: Qual foi o seu ponto de virada, durante a pandemia, para decidir sair da TV e ir para o rock?

VI: Acho que o ponto de virada foi a composição, principalmente no ano passado. Eu já tinha composto algumas músicas, mas agora elas começaram a sair. Algumas estamos terminando o arranjo, outras gravando e temos as que já lançamos. Você não imagina o quanto é fascinante e como isso movimenta a cabeça. Sem dúvida, meu ponto de virada foi a retomada da composição, que estava em segundo plano, e isso tem a ver com a pandemia e quando a banda parou de tocar em bar. Em janeiro tomei a minha decisão [de sair da Globo]. A gente está pensando sempre, né? É normal de qualquer profissional. Mas a minha decisão foi pela retomada das composições, em janeiro agora, que foi quando lançamos o canal e tivemos um volume de atividades com a banda. Neste momento que estou falando com você [23 de março], ainda estou no Globo Rural e com a banda voando. Estou realmente com dois empregos (risos)! Está puxado, tenho que fazer muita coisa! Chego em casa após o Globo Rural e fico com as coisas da banda até 1h da manhã. E tudo bem, está ótimo! Mas minha maturidade de 50 anos diz: “Foca no que está mais a fim de fazer”. E, neste momento, o que estou mais a fim de fazer é a música. Mas não fale de aposentadoria! Não estou parando. Estou acelerando! Também adoro estudar canto, guitarra, teoria musical. Minha rotina, a partir de quando estiver fora do Globo Rural, já está cheia!

PP: Roqueiros e músicos em geral costumam ter fama de “doidos”. Alguém chegou a te chamar de “doido” por trocar um emprego formal pelo rock?

VI: Ninguém chegou a me chamar de doido, mas houve pessoas nas redes sociais que não me conhecem: “Mas como você vai largar a Globo?”. A minha mulher, com quem sou casado há 25 anos, me apoia pra caramba, adorou. Sempre está na primeira fileira dos shows. É a primeira pessoa para quem mostro as músicas. Sou um cara muito maduro e responsável. Se estou fazendo isso agora, é porque posso fazer e estou consciente do que vou fazer. Vai ter gente que vai lamentar porque gosta do Globo Rural, mas vejo como carinho. No fundo, a pessoa diz que vou fazer falta.

PP: O que os colegas da banda acharam da sua decisão?

VI: A banda está adorando, vou ficar mais tempo com eles (risos)! Muita gente me apoia na família, mas a banda me apoia demais! Sou um cara fanático por trabalho. Sempre fui assim na televisão, e na banda é a mesma coisa.

PP: Quando veremos a Carbono 5 tocando ao vivo? Quando será o primeiro show?

VI: Já fazemos shows há cinco anos. Paramos na pandemia, mas a retomada será em junho. Até lá, vamos lançar músicas e vídeos próprios. Estamos com uma produção acelerada de composição, produção de músicas e vídeos nossos, mostrando o cotidiano de uma banda de rock de São Paulo. Muitos vídeos estão por vir. Estamos levando a sério os conteúdos, tenho o mesmo rigor de qualidade que tive na televisão.

PP: Como você se vê nos próximos anos, saindo do jornalismo e entrando na arte?

VI: É uma pergunta profunda. Para onde a música vai me levar eu não sei. Eu espero que possa, na música, fazer as coisas com a mesma qualidade, o mesmo capricho e o mesmo amor que fiz na televisão como jornalista profissional. Quando você faz com carinho e amor, o público reconhece, e minha carreira jornalística é a prova disso. Isso me fez lembrar uma música dos Beatles, The End, do disco Abbey Road: “And in the end, the love you take is equal to the love you make”. Traduzindo livremente, “no final das contas, o amor que você recebe é igual ao amor que você dá”. Devemos levar isso para as diferentes áreas da nossa vida.

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