Análise

SBT lembra que negros existem e age como Princesa Isabel em A Infância de Romeu e Julieta

Emissora tenta se redimir de passado recente e escala um terço de atores pretos e pardos em nova novela

Publicado em 13/05/2023

“Onde estão os negros do SBT?”, perguntou este colunista ao analisar a campanha de fim de ano, na virada para 2021. De repente, a rede de Silvio Santos lembra que eles existem em A Infância de Romeu e Julieta, com protagonista e núcleos inteiros compostos por atores pretos e pardos. Nos últimos anos, todavia, o canal se mostrou tão antirracista quanto Princesa Isabel, autora da Lei Áurea em um 13 de maio como hoje, em 1888. Por isso, cabe ressalvar a representatividade na nova novela.

Segundo o diretor-geral da novela, Ricardo Mantoanelli, cerca de um terço do elenco é formado por atores e atrizes negros. Nunca houve tanta inclusão racial em uma produção da emissora, com parte do elenco em papéis de destaque. Miguel Ângelo, o Romeu, tem na família Karin Hils, Guilherme Sant’Anna e Fábio Ventura, que desabafou na coletiva de imprensa de Romeu e Julieta sobre a falta de oportunidades a artistas pretos na TV.

“Tudo na vida, acredito, só se faz realidade quando a gente tem oportunidade. Quando entrei no cenário, que é lindo, cheio de referências africanas, um filme passou na minha cabeça de tanta luta, de tantas coisas que nós, pretos, passamos para conseguir uma oportunidade. Quando eu me vejo dentro de uma família completamente empoderada, vejo a oportunidade de a teledramaturgia rever seus conceitos, rever as oportunidades para as outras gerações. Espero que todos nós, sem exceção, principalmente vocês, crianças, principalmente você, meu ‘filho’ [Miguel Ângelo]. Eu me vejo em você e acho que várias pessoas, várias crianças vão ter esse mesmo sentimento. Alguns dirão: ‘Veio tarde’. Outros dirão: ‘Não é representatividade o suficiente’. Mas o fato é que a gente está aqui, a gente precisa dessa oportunidade, e a gente vai fazer valer a pena”, disse Fábio Ventura, intérprete de Bernardo.

De fato, a representatividade em Romeu e Julieta não é suficiente. Afinal, negros representam 56,2% da população brasileira, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2019. Na TV aberta, já existem produções com 90% de elenco negro (a comédia Encantado’s, da Globo). Por outro lado, não deixa de ser um avanço ter 33% de atores pretos e pardos em comparação com dois anos atrás, quando zero por cento participou da campanha de fim de ano do SBT.

Outro “apagamento” ocorreu na vinheta de 40 anos, produzida em 2021. Mais preocupante é analisar que o desprezo a descendentes de africanos escravizados, amplificado a partir da Lei Áurea, foi praticado pelo principal acionista da emissora e por sua mulher, autora de A Infância de Romeu e Julieta, em As Aventuras de Poliana (ao escrever, para uma atriz negra falar em cena, que a culpa pelo racismo é dos negros).

A família empoderada de Romeu e Julieta também pode produzir o efeito oposto. Mote da novela, a briga entre duas famílias (igual à obra de Shakespeare) é a luta de classes, mas os milionários são negros e os brancos formam a classe média baixa. O ressentimento da “elite” branca pelos supostos “privilégios” aos negros alimenta o racismo atual.

Nos últimos quatro anos, o ódio à população preta ganhou representação dentro de um governo de extrema-direita bajulado pelo SBT. O próprio presidente, na época, admitiu que o ministro das Comunicações ocupava o cargo por ser genro de Silvio Santos.

A Infância de Romeu e Julieta, indiretamente, é um sinal do SBT para se redimir do acordo bolsonarista e reconhecer que negros “existem e são valiosos”, parafraseando o ministro Silvio Almeida. Antirracista, é uma novela alinhada ao governo Lula.

Uma produção ainda é pouco para saber se o SBT virou antirracista de verdade ou age como Princesa Isabel, que “acabou” com a escravidão jogando pessoas pretas nas ruas sem oportunidade alguma. Representatividade não é presente nem perdão. Além de Romeu e Julieta, muitos espaços precisam ser preenchidos por negros na alta cúpula da emissora.

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