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Por que Elize Matsunaga disse não a Globo, Record e SBT e só quebrou o silêncio para a Netflix?

Emissoras tentaram, mas primeira entrevista de condenada por homicídio foi para streaming

Publicado em 16/06/2021

Durante nove anos, Elize Matsunaga foi cobiçada por programas de TV. Autora de um dos crimes de maior repercussão na mídia, a ex-mulher do empresário Marcos Matsunaga recebeu dezenas de pedidos de entrevista para contar por que matou o marido de forma cruel, em maio de 2012. Alinhada com sua defesa, a bacharel em direito sempre disse não às emissoras, até finalmente decidir quebrar o silêncio, mas para um documentário da Netflix.

A série documental Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime, dividida em quatro episódios de 50 minutos cada, teve seu primeiro trailer divulgado na última terça-feira (15) pela plataforma de streaming, com depoimentos de Elize, familiares e colegas dela e da vítima, além de especialistas que acompanharam as investigações (incluindo jornalistas, advogados de defesa e acusação e peritos criminais).

A produtora Boutique Filmes, responsável pelo documentário da Netflix, começou a negociar a primeira entrevista com Elize Matsunaga em 2018, quando ela ainda cumpria regime fechado na Penitenciária de Tremembé (SP). Ré confessa do assassinato do marido, foi condenada a 19 anos e 11 meses de prisão após uma semana de julgamento no Fórum Criminal da Barra Funda (um dos mais longos da Justiça de São Paulo).

Em 2019, a pena foi reduzida para 16 anos e transferida para o regime semiaberto. Neste período, Elize gravou o documentário. Até falar sim para o serviço de streaming, a assassina de Marcos Matsunaga recebeu na prisão sucessivas visitas de seu advogado, Luciano Santoro, que transmitia à cliente as ideias da produtora.

“Até um ano depois do júri, toda semana recebíamos pedidos de entrevista. Conversamos com os donos da Boutique e pareceram pessoas muito honestas. A única coisa que a gente pediu foi que fosse retratada a versão dela. Foi o nosso único pedido, porque é uma história para mostrar para a filha dela. Que o lado pessoal dela pudesse ser colocado no documentário”, explica o advogado de Elize em entrevista à coluna.

Luciano Santoro, que aparece na série, acompanhou a filmagem com sua cliente no prédio onde foi realizada, mas a distância (por um monitor em outro andar). A proposta do documentário também agradou à acusação, apesar da surpresa com a decisão da ex-mulher de Marcos Matsunaga de conceder a entrevista.

“Eu nem sabia que ela iria dar entrevista. Achei que seria muito difícil, mas eles conseguiram”, afirma o promotor José Cosenzo. “Só participei porque eles se comprometeram a ouvir o outro lado. Ouviram a defesa, o Ministério Público, os peritos, delegados, fizeram um trabalho em todos os segmentos. Não sei se há interesse jurídico, mas há interesse jornalístico”, avalia.

Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime | Trailer oficial | Netflix Brasil

Por que, afinal, Elize se manteve em silêncio desde o homicídio e rejeitou propostas de emissoras de TV para topar falar apenas para a Netflix? Foi uma tática da defesa com o objetivo de guardar o depoimento da investigada para o julgamento.

“Assumo com propriedade porque estou no caso desde 2012. A primeira definição nossa foi não dar entrevistas à imprensa. Ela não queria. Não por causa da imprensa, mas para não antecipar nenhuma estratégia de defesa. Eu contava muito no júri com o elemento surpresa”, diz o advogado. Também pesou para a decisão a repercussão de entrevistas de “vizinhas” de Elize na Penitenciária de Tremembé: Suzane von Richthofen, mandante do assassinato dos pais, em 2002, e Anna Carolina Jatobá, condenada pela morte da enteada Isabella Nardoni, em 2008.

“Qual benefício essas pessoas tiveram? A Suzane, o que ela ganhou de benefício? No caso dela, algum benefício pessoal, para ficar em evidência… não sei, não conheço ela. A não ser que o réu queira ter essa visibilidade, não ganha nada. Para o júri é péssimo. Eu também entendia que, nos outros casos de grande repercussão, nenhuma das entrevistas dadas tinha tido qualquer efeito positivo no julgamento. Em um caso midiático como esse, o júri não começa quando o juiz instala a sessão, mas quando começa a aparecer na mídia, porque não consigo abstrair dos jurados as opiniões e os fatos”, declara Santoro.

No caso de Suzane, a entrevista ao Fantástico, em abril de 2006, foi determinante para seu retorno à prisão. A jovem, que havia obtido liberdade provisória, havia sido flagrada pela Globo recebendo orientações da defesa para chorar e fingir sentimentos. Em 2015, na prisão, Suzane gravou com Gugu Liberato (1959-2019) para a Record.

Entre os programas que tentaram entrevistar Elize, estão Fantástico (Globo), Conexão Repórter (SBT), Gugu (Record) e Domingo Show (Record). O advogado ressalta que sempre teve bom relacionamento com a imprensa, exceto um jornalístico: “O Domingo Espetacular por duas vezes pisou na bola com o lado da defesa. Na véspera do júri, eu não tinha um segundo disponível e perdi uma tarde filmando aqui com eles, e na reportagem não passam nem 30 segundos da entrevista, enquanto a acusação teve 20, 30 minutos. Foi um canal que acabamos não tendo muita possibilidade de continuar a conversa”.

Thaís Nunes, jornalista investigativa responsável pela série documental Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime (Reprodução/Netflix)

Curiosamente, o documentário da Netflix foi idealizado por uma jornalista de TV: Thaís Nunes, repórter investigativa do SBT. Com 15 anos de carreira, foi a primeira profissional de imprensa do país a apostar em investigações jornalísticas em plataformas internacionais de streaming. Ela ainda participa do desenvolvimento de outras séries e roteiro de filmes de ficção e concorre ao Prêmio Comunique-se na categoria Repórter Mídia Falada.

“Acredito que o documentário vai reproduzir a história de vida dela, não apenas o crime. É a única forma de ela ter minimamente a esperança de a filha conhecer a verdade ou ter conhecimento dos fatos de uma forma que seja possível ver os dois lados da moeda, o da defesa e também o da acusação. A única forma imparcial seria em um documentário. Eu acreditava, e conversei com ela, que uma entrevista na TV, por mais longa que fosse, não conseguiria reproduzir fielmente o que um documentário faz. Foi um desejo dela de contar a história dela para a filha fez ela participar do documentário”, conclui Santoro. A filha de Elize com Marcos Matsunaga está sob guarda de seus avós paternos.

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