A CNN Brasil vive sua principal crise institucional desde a inauguração, em março de 2020, que culminou na saída de Daniela Lima nesta quinta-feira (22). Em meio a demissões e denúncias de violação do trabalho jornalístico, o canal de notícias perde sua maior grife para a GloboNews.
Veja também:
“Grife”, entenda-se, significa mais do que um rostinho bonito ou que passe credibilidade ao público. Antes do lançamento oficial, a filial da rede norte-americana seduziu figuras importantes do telejornalismo, como Monalisa Perrone, Reinaldo Gottino e William Waack. Em contrapartida, Daniela Lima representava para o canal mais do que a projeção que os âncoras citados conseguiram na TV aberta.
Ex-editora da prestigiada coluna Painel, da Folha de S.Paulo, e ex-apresentadora do Roda Viva, Daniela Lima respirava jornalismo durante todo o CNN 360, inicialmente ao lado de Gottino. Naturalmente, ela se sobressaía frente ao colega com apurações exclusivas e furos de reportagem. Sempre com os dedos no celular ou no teclado do computador, a apresentadora ditava as regras do programa.
Não demorou para Daniela se tornar a única titular do CNN 360, alterando constantemente o “espelho” (roteiro, no jargão televisivo) do telejornal com as notícias que obtinha enquanto apresentava. Por sua rede confiável de fontes e a qualidade na apuração das informações, ela pode ser considerada maior “grife” da emissora.
Nenhum profissional tomado da Globo, por exemplo, deixou sua marca na CNN Brasil como Daniela Lima. É natural, após o pedido de demissão da âncora, temer pelo futuro do canal pago.
A coluna apurou que o estopim para a saída de Daniela Lima foi a participação ao vivo de Jair Bolsonaro (PL) no CNN Arena da última quarta-feira (21), véspera do julgamento no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de uma ação que poderia torná-lo inelegível. O espaço livre para o ex-presidente disparar mentiras e teorias da conspiração incomodou a âncora do CNN 360, prestigiada também por colocar bolsonaristas no devido lugar.
Daniela deixa uma CNN envolvida em escândalos nos bastidores. Funcionários denunciaram ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo episódios de interferência empresarial no conteúdo jornalístico desde a chegada do magnata João Camargo à presidência do conselho da rede, no final de 2022.
Segundo a entidade, demissões teriam ocorrido logo após reportagens ou comentários que teriam desagradado membros dos Poderes da República. O caso mais grave ocorreu no CNN 360, programa de Daniela Lima, em 1º de junho, quando a Polícia Federal informou ter encontrado um cofre com R$ 4 milhões em dinheiro vivo na casa de um ex-assessor de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados.
A PF corrigiu a informação inicial, mas a direção da CNN Brasil passou a exigir a revelação da origem da notícia. Quebrar o sigilo da fonte, base do trabalho jornalístico, viola o artigo 5º, inciso XIV, da Constituição.
No dia 5, Arthur Lira esteve entre os convidados de um jantar promovido pela Esfera Brasil, que tem João Camargo como presidente do Conselho de Administração.
A mudança executiva na CNN Brasil prejudica a independência do canal e, com a saída de Daniela Lima, a qualidade do jornalismo. A apresentadora, por sua vez, tem espaço em qualquer emissora comprometida com o jornalismo sério, tanto que já foi anunciada pela concorrente, GloboNews.
Siga o colunista no Twitter e no Instagram.
As informações e opiniões expressas nesta crítica são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.