Opinião

Análise: Casagrande é o homem mais autêntico da mídia esportiva (e o inferno são os outros)

Sem demônios nem medos, comentarista incomoda o status quo do futebol e do jornalismo

Publicado em 08/12/2022

Quem não deve não teme. Walter Casagrande Jr., ex-jogador e comentarista, mostra em seu trabalho na Copa do Mundo que vive a fase mais corajosa e autêntica de sua carreira na mídia esportiva. Sem medo nem demônios, atinge o poder com suas ideias e incomoda o status quo do futebol, do jornalismo e da sociedade.

Casagrande não deve nada a ninguém. Sem relações promíscuas com atletas e dirigentes, consegue manter sua neutralidade crítica, princípio básico do trabalho como comentarista. Nada do que escreve tem interesses escusos, não serve para agradar nem para desagradar. É apenas o que ele pensa. E, parafraseando Paulo Freire, o sistema teme quem sabe pensar.

Casagrande não tem mais feridas. Para quem esteve entre a vida e a morte, tocar em seu calcanhar de Aquiles provoca cócegas, não dores. Este é o prazer da liberdade defendida com fervor pelo comentarista. Por isso, ele se sente livre para cutucar os intocáveis, no caso os pentacampeões que se acomodaram ao lado do presidente da Fifa.

O lugar cômodo dos ex-jogadores brasileiros intrigou Casão, que exerceu seu trabalho e opinou. O pensamento gerou uma reação infantil. Kaká e Cafu compartilharam montagens do comentarista atrás deles na tribuna de honra, no lugar de um funcionário, como se ele sentisse inveja ou ciúme de não fazer parte daquele grupo de “heróis da nação”.

Entre os incomodados, também estavam pentacampeões que não assistiram aos jogos no estádio, mas debocharam de Casagrande nas redes sociais. Tiago Leifert gargalhou e aplaudiu a provocação babaca de Marcos, goleiro apoiador de Jair Bolsonaro, notório detrator do comentarista esportivo, que perderá o foro privilegiado em 1° de janeiro de 2023, quando deixar a Presidência pelo poder do voto popular.

Nas últimas horas, o público acompanha a troca de declarações entre Leifert e Casagrande. O ex-líder da Democracia Corinthiana revelou que o apresentador pediu sua cabeça na revista onde ambos escreviam, e Casão rebateu o texto infeliz de Tiago contra a “mistura entre esporte e política”.

Leifert optou por desmentir acusando Casagrande de saber que estava mentindo. Com empáfia, disse ter ótimas relações com a Globo (sugerindo que Casão não tem) e que foi eleito “Homem do Ano” pela mesma revista onde tentou despolitizar o esporte (sugerindo que Casão jamais receberia tal homenagem).

Casagrande, ao contrário do que Tiago deduz, nunca quis chegar a este patamar. E mais: para ele, tantas “ótimas relações” e tantos prêmios são um saco. São parte do sistema que ele sempre driblou.

A tréplica veio imediatamente. Casão, em sua última declaração sobre o ex-colega, finalmente expôs tudo o que Tiago fez contra ele na Globo e nos bastidores, com episódios de humilhação e isolamento.

Tiago é, sem dúvida, o maior comunicador da TV brasileira neste século (ao lado de Marcos Mion). Sua capacidade de falar para todos os públicos e se encaixar em todos os formatos alçaram-lhe ao topo do principal veículo de comunicação do país (a televisão) e o que está em ascensão contínua (a internet). Leifert é o presente e o futuro.

Contudo, pessoalmente, ele representa o retrocesso. A resposta a Casagrande, como foi a Ícaro Silva, e a amizade com gente mau-caráter que diz dar a “cara a tapa” destroem grande parte do que Tiago construiu na profissão. Um derretimento recorde, e a culpa é só dele.

Já Casagrande é quem realmente dá a cara a tapa. Sua vida é um livro aberto (não à toa escreveu três), abriu o jogo sobre a luta contra a dependência química (uma doença) e se tornou um exemplo contra as drogas e a defesa de um Brasil justo, livre e sem preconceitos. Ele experimenta sua primeira Copa longe do vício e da Globo, e tem aproveitado como ninguém sua liberdade.

Casão está no paraíso e, como diz sua banda nacional preferida (Titãs), o inferno são os outros.

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