Crítica

Kiko Mascarenhas conduz público a todas as coisas maravilhosas do ofício do ator em solo

Espetáculo em cartaz no Tucarena adapta peça inglesa para universo brasileiro com graça e fluidez

Publicado em 19/03/2024

Quem for ao Tucarena assistir a Todas as Coisas Maravilhosas sem uma pesquisa prévia pode se surpreender ao descobrir que a história do homem que tem sua vida afetada pela depressão e sucessivas tentativas de suicídio da mãe não é a do ator Kiko Mascarenhas, que estrela do solo dirigido por Fernando Philbert e cumpre sua primeira temporada em São Paulo após cinco anos no Rio de Janeiro.

O texto dos dramaturgos ingleses Duncan McMillan e Joe Donahuer é justamente construído para dar ao público a primeira impressão de estar ouvindo um relato confessional sobre um período da vida de um ator. Promissora, a proposta, entretanto, guarda armadilhas capazes de fazer com que Todas as Coisas Maravilhosas passe de um experimento saboroso a uma experiência desagradável.

Isso porque a dramaturgia propõe que a história seja contada não só pelo ator, mas – e, muitas vezes, principalmente – pela plateia que o cerca. Um profissional com menor domínio de cena pode causar não só o desinteresse, como o constrangimento de um público que não esteja apto a embarcar no jogo de, por exemplo, enumerar todas as coisas maravilhosas que dão título à obra e ajudam a movimentar a encenação.

Fosse a dupla Kiko Mascarenhas e Fernando Philbert menos experiente, talvez a montagem resultasse em um espetáculo sem ritmo e sabor com um ator constantemente vendido em cena. Entretanto, Todas as Coisas Maravilhosas, que fica no Tucarena até abril, não só dribla as armadilhas como faz crescer texto e proposta original, fazendo desta possivelmente uma das montagens mais azeitadas da obra.

Sem cenários, troca de figurinos ou um jogo de luzes e trilha que ajudem a movimentar a história, o espetáculo se alicerça apenas na figura de Mascarenhas – em seu melhor momento. O ator constroi empatia imediata com o público e como cultiva uma confiança que faz com que a plateia se sinta parte do jogo teatral sem jamais ser desafiada a deixar o lugar de espectador.

É equação complicada de ser posta em prática sem tropeços, entretanto é essa cumplicidade alcançada por Mascarenhas que faz que Todas as Coisas Maravilhosas entre em ritmo próprio, no qual a história de uma personagem sem nome – o que aprofunda ainda mais a sensação de pertencimento que a plateia estabelece já de início – narra sua trajetória de altos e baixos pela vida.

A direção de Fernando Philbert é inteligente justamente por não interferir neste diálogo entre texto e plateia, conduzindo Mascarenhas a um jogo de interpretação que deixa o espectador confortável sem jamais esquecer do risco da parceria estabelecida com o ator.

Muito do encanto de Todas as Coisas Maravilhosas está mesmo na relação entre elenco e encenação, uma vez que o texto se permite a armadilhas dramatúrgicas que resvalam em registro mais melodramático do que melancólico. É senão pequeno frente aos acertos da proposta.

Acertos, inclusive, que têm início na excelente versão assinada por Diego Teza, que localiza a ação em um Brasil facilmente reconhecível e empático para a maioria do público e alivia características menos saborosas do texto original.

Celebrando quatro décadas de trajetória artística, Kiko Mascarenhas faz de Todas as Coisas Maravilhosas ótimo veículo de aproximação não só com o público, e do público com o ofício do ator, capaz de manipular emoções das mais prosaicas às mais íntimas sem jamais trair a confiança estabelecida em cena.

COTAÇÃO: * * * * * (EXCELENTE)

SERVIÇO

Todas as Coisas Maravilhosas

Data: 08 de março a 28 de abril

Horário: 21h (sex. e sáb.); 18h (dom.)

Local: Tucarena – São Paulo (SP)

Endereço: Rua Bartira esquina c/ R. Monte Alegre s/nº, Perdizes

Preço do ingresso: R$ 50 (meia) a R$ 100 (inteira)

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