Biografia

Chico Buarque 80 anos: Por que o cantor nunca ganhou um musical biográfico?

Febre no Brasil, gênero já contou a vida de nomes como Elis Regina, Ayrton Senna, Silvio Santos e Renato Aragão

Publicado em 19/06/2024

Chico Buarque 80 Anos – Um dos gêneros mais presentes no teatro musical desde a virada de século, as biografias musicais se comprovaram tiro certeiro para produtores em busca de um sucesso fácil, que pode ser momentâneo ou perdurar por sucessivas temporadas. 

Nesta seara, não importa o tamanho, sejam grandes produções, médias ou pequenas, se propor a contar a história de uma figura importante da cultura nacional sempre gera uma boa impressão com o público, mesmo que nem sempre agrade à crítica especializada. 

Se o biografado for um astro da música popular então, tanto melhor pois, junto à biografia, já vem acoplado um repertório de canções conhecidas do público, o que já ajuda a pular algumas etapas no processo de relacionamento que a plateia estabelece com uma obra.

Entre os nomes já homenageados no gênero estão artistas como Cazuza (1958-1990), Elis Regina (1945-1982), Tim Maia (1942-1998), Rita Lee (1947-2023), Raul Seixas (1945-1989), Belchior (1946-2017), Renato Russo (1960-1996), Carmen Miranda (1909-1955), Itamar Assumpção (1949-2003), Dona Ivone Lara (1921-2018), Cartola (1908-1980), Gonzaguinha (1945-1991), Mamonas Assassinas, Alcione, Ney Matogrosso, Sidney Magal, Agnaldo Rayol, apenas para citar alguns na seara musical, isso sem contar figuras como Renato Aragão, Ayrton Senna (1960-1994), Silvio Santos e Hebe Camargo (1929-2012).

Assim sendo, chega a ser surpreendente pensar que um dos principais compositores da música popular brasileira nunca teve um musical biográfico para chamar de seu. E os motivos podem ser variados, entre eles o fato de Chico Buarque de Hollanda, nascido há 80 anos no Rio de Janeiro, nunca foi figura afeita a grandes exposições públicas de sua vida pessoal.

Uma das figuras centrais na luta contra a ditadura militar brasileira após o golpe de Estado que instaurou regime de repressão no país ao longo de 20 anos, Chico Buarque sempre foi figura mais eloquente com as letras que compôs tanto na seara de protesto quanto no campo amoroso. Narrando paixões fracassadas, términos dramáticos ou inícios conturbados, as letras do compositor sempre mostraram que a obra estava acima de seu autor. Se autobiográficas ou não, essa sempre foi questão menor.

O fato é que, mesmo que tivesse exposto sua vida pessoal, dentro daquilo que se sabe, o material dramatúrgico seria bastante limitado. Casado ao longo de mais de 30 anos com a atriz Marieta Severo, o cantor teve três filhas, viveu no exílio na Itália por um ano, e teve relação familiar – à primeira vista – harmoniosa com seus pais, a política e intelectual Maria Amélia Buarque de Hollanda (1910-2010) e o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), além das irmãs, as cantoras Cristina Buarque, Ana de Hollanda e Miúcha (1937-2018).

Mesmo a separação do casamento com a atriz Marieta Severo foi tratada publicamente com discrição e sem as clássicas histórias de alcova sobre brigas, tensões e dramas, como era comum em relacionamentos vividos por nomes como Elis Regina e Ayrton Senna, apenas para citar duas figuras que ganharam biografias que nem sempre se detiveram a histórias oficiais.

Outros pontos também são importantes para pensar em uma falta de interesse por uma biografia de Chico Buarque. Embora seja um dos maiores compositores da música popular capaz de esgotar ingressos de longas temporadas em casas de shows ao redor do Brasil, o músico não paira na memória nacional como um dos grandes cantores de sua geração, como é o caso de Ney Matogrosso, por exemplo.

Embora seja intérprete mais refinado do que lhe dão crédito – mérito comprovado, por exemplo, no excelente álbum Sinal Fechado, de 1974, no qual toma para si sambas como Sem Compromisso e Filosofia, ou o samba canção Você não Sabe Amar – Chico Buarque é figura mais mítica do que necessariamente representável. Isso é, é mais fácil que o público se estapeie por ingressos para ver o músico e não um ator lhe interpretando.

Não há em Chico Buarque de Hollanda qualquer cacoete ou mérito interpretativo que faça brilhar os olhos de um ator, por exemplo. Mas, por outro lado, há em sua obra uma vastidão de personagens que podem sempre surgir à cena. 

Seja a mulher pseudo submissa de Com Açúcar, Com Afeto, seja passional sofredora de Atrás da Porta, ou ainda o homem preocupado com a presença da polícia e grita pelo ladrão em Acorda Amor, todas as suas personagens sempre foram mais interessantes do que a própria persona do músico.

Há, sem dúvidas, um fascínio que envolve a figura de Chico Buarque de Hollanda pelo o que ele representa pela história democrática do Brasil e por suas canções, compostas como romances musicados por melodias elaboradas e harmonicamente ricas. Mas isso ainda não é – ou não deveria ser – o motor de uma peça dramatúrgica. 

Ainda que todos os tópicos anteriores também se adequem à vida do maestro soberano Antônio Carlos Jobim (1927-1994), e mesmo assim haverá um musical sobre sua vida, Tom Jobim Musical, mas essa é outra história.

O último motivo talvez seja o mais prosaico e do campo prático da vida cotidiana. Talvez um musical sobre Chico Buarque de Hollanda nunca tenha ganhado o tablado porque ele mesmo nunca permitiu. E, por hora, faz muito bem.