“Quando eu acabava o concerto, via sangue nas teclas”, diz João Carlos Martins no Conversa com Bial

Publicado em 04/08/2017

João Carlos Martins pode ser considerado um fenômeno. Começou a estudar piano ainda menino e com oito anos venceu um concurso executando obras de Bach — na época, dizia que piano era “fácil ou impossível”. Estudou com o maior professor de piano da época e venceu então o concurso da Sociedade Brito de São Petersburgo. Aos 11 anos, estudava seis hora por dia. Aos 18, chegava a treinar 14 horas diárias e estreava internacionalmente nas maiores orquestras norte-americanas, com outros troféus mundiais no bolso. Nesse momento, já havia gravado toda a obra de Bach para piano e se apresentado pessoalmente para o compositor Villa-Lobos. Foi aí que começou a sentir um desconforto físico, resultado de uma distonia seguida de lesão por esforço repetitivo. “Eu destruí a minha mão à procura do perfeccionismo”, diz João Carlos no ‘Conversa com Bial’ desta sexta-feira, dia 4. “Ao todo, chegava a fazer 22 notas por segundo”, conta.

Um bom pianista, segundo João Carlos, costuma fazer da primeira à última nota em nove segundos. Sua habilidade e seu sonho foram maiores que a dor, fazendo com que continuasse na carreira. Uma outra má notícia, contudo, veio aos 26 anos, quando o maestro se acidentou durante uma partida de futebol em Nova York e teve o nervo ulnar do braço esquerdo perfurado por uma pedra. A ocasião, que custou-lhe a atrofia de dois dedos, foi retratada no longa “João, O Maestro”, que estreia este mês nos cinemas. “Chorei umas três vezes com essa cena quando assisti ao filme. Me lembro perfeitamente do momento, tive a intuição de que minha vida acabava ali”, conta ele, que precisou parar de tocar por um ano e tocou com dificuldade até os 30. “Fiz operações e aí comecei a tocar com dedeiras de aço. Quando eu acabava o concerto, via sangue nas teclas. Mas eu acabava porque aquela era minha ambição”. Todos esses momentos foram retratados no longametragem. “Pensei em me matar e, no filme, assisti à perfeição que a direção conseguiu dar a isso”.

Intérprete do maestro nas telonas, Alexandre Nero diz que está feliz em fazer o personagem e que o trabalho foi importante para aproximá-los. “A gente criou uma intimidade. Com isso, percebi que esse cara que o Brasil inteiro admira tem um humor muito sagaz. É uma pessoa real, engraçada e emocionante”, elogia o ator. Segundo ele, foi preciso muito ensaio de “balé das mãos” no piano para representar “a maneira de tocar visceral de João”. “Até para brincar de fazer era muito rápido, então tomamos um cuidado especial para eu não parecer um cara que não sabia o que estava fazendo”, diz. O amigo brinca: “Você fez melhor do que eu!”.

João Carlos ainda relembra o assalto que sofreu na Bulgária, em que recebeu um golpe na cabeça e, assim, adquiriu uma sequela neurológica que comprometeu o braço direito. O acontecimento prejudicou o ato de fala do maestro, que tinha que escolher entre falar e mexer a mão para atender às consequências geradas no cérebro. Até agora, já são 23 cirurgias entre as duas mãos, sendo que a direita não possui mais nenhum músculo. Aos 77 anos, o maestro continua tocando e se emociona ao se apresentar no palco de Pedro Bial: “Nunca abandonei meu velho companheiro, o piano. A única coisa que posso falar para ele é obrigado, porque foi isso o que me deu forças para continuar”.

Exibido após o ‘Jornal da Globo’, ‘Conversa com Bial’ tem direção artística de Monica Almeida e direção de conteúdo de Ingo Ostrovsky.

© 2024 Observatório da TV | Powered by Grupo Observatório
Site parceiro UOL
Publicidade