Exclusivo

Os Cavaleiros do Zodíaco: Nova voz de Shun defende mudança de gênero de personagem

Anime reestreia na TV nesta segunda-feira (6); leia entrevista com a dubladora Mari Guedes

Publicado em 06/11/2023

De volta à TV a partir desta segunda-feira (6), no Warner Channel, Os Cavaleiros do Zodíaco foi retratado em anime, live-action e, mais recentemente, reboot em 3D, em que Shun de Andrômeda, o mais sensível dos cavaleiros de bronze, é uma mulher. Na dublagem, Ulisses Bezerra deu lugar à irmã, Úrsula Bezerra, nos primeiros episódios. A sequência conta com Mari Guedes, que a coluna apresenta neste texto, após divulgar as novas vozes de Seiya de Pégaso, Shiryu de Dragão e Hyoga de Cisne.

Acostumada a dublar meninos, Mari Guedes encarou o desafio de interpretar uma mulher que, durante três décadas, ficou conhecida como um homem, e também de lidar com as críticas dos fãs, que reprovaram a mudança de gênero de Shun de Andrômeda e a saída das vozes clássicas.

Em entrevista exclusiva à coluna, Mari Guedes fala sobre seu início na dublagem, seus principais personagens e os testes para Os Cavaleiros do Zodíaco. Confira abaixo:

Início na dublagem

Eu me formei atriz em 2015. Desde criança eu falava pros meus pais que queria ser artista, mas de uma forma muito ampla. Não sabia o que era a dublagem nem a arte que eu ia seguir, até eu chegar à minha primeira aula de dublagem e acontecer de uma forma extremamente natural. Eu simplesmente fiz. Dublar é uma coisa que você tem que pensar em muitas coisas ao mesmo tempo. A gente tá escutando o original, escutando nossa voz, lendo o texto, vendo a cena. No próprio curso, muita gente tinha dificuldade em fazer. Meu professor, Tiaggo Guimarães, achou minha performance boa e me indicou para algumas casas, foi me dando pequenas oportunidades. A grande reviravolta foi a pandemia, porque o pessoal precisava de dubladores que tivessem home studio imediatamente e fiz o meu correndo. Foi quando começaram a me conhecer um pouco mais. Foi nessa que eu conheci a Kate Kelly, que me indicou o Fábio Campos para fazer uma pequena pontinha de uma série, entre outras indicações.

Voz de menino

Minha voz de menino é uma das coisas que me ajudam muito a ser indicada, por precisarem do meu trabalho. Quando comecei, eu fazia mas não sabia como. Nunca sabia onde eu jogava essa voz, como que era. Ficava até meio nervosa. Aí eu recebi uma dica da dubladora Bruna Nogueira: fazer um biquinho toda vez que eu fosse fazer um menininho, porque isso iria me ajudar a chegar na voz. Fiz isso durante um bom tempo, até que encontrei o local e nem precisei mais fazer biquinho. Sei exatamente onde é que é a voz. Hoje, escalas para menininho são as que eu adoro, porque acho que fica legal o resultado. Eu fico feliz com isso e gosto muito de fazer.

Em My Hero Academia, o Fábio Campos faz o Shigaraki e me colocou para fazer o Shigaraki criança. Foi um trabalho bem grande, mas não fazia a menor ideia do que era. Começaram a me marcar em coisas, Shigaraki isso, Shigaraki aquilo. Aí fui ver o que era o personagem… meu Deus do céu, que loucura!

O cuidado com a voz vem da aula de canto. É a minha academia semanal da voz, uma musculação. O dublador não tem muito tempo de preparo, porque não sabemos o que vamos fazer. Chegamos, recebemos um briefing muito rápido do personagem, assistimos à cena e temos que dublar. A interpretação tem muito mais a ver com o momento do que com a história do personagem, porque a gente não tem como absorver tudo isso para transmitir, sabe? É um trabalho muito imediato.

Os Cavaleiros do Zodíaco

Em relação a Cavaleiros, o companheirismo na série também existe entre os dubladores. Sou do conhecimento básico. Quando me chamaram para o teste eu fiquei meio… ‘caramba, que loucura!’, porque sabia que era muito grande. Com a Shun foi isso, fiz o teste com toda a calma, dias depois a DuBrasil me avisou que eu tinha passado. Falei: ‘Meu Deus, que loucura!’ E fui com tudo! Pesquisei os personagens, que realmente não conhecia, sabia que tinha a ver com signos, sabia que era por Atena, que eles batalhavam, mas nada especificamente da característica dos personagens.

Fui pesquisar, vi a mudança de gênero e as polêmicas, e já pensei: “O pessoal vai chegar matando!”. Particularmente achei legal, li os motivos para a troca e que não havia uma protagonista feminina dentro dos cavaleiros de bronze, e tinha lido que o Shun era um personagem um pouco mais sensível, até afeminado, na hora de lutar dava uma segurada. Fiz o melhor que podia fazer. Embora um pessoal está contra a nova dublagem, querendo ou não a Shun mudou de gênero e não tinha como ser o Ulisses Bezerra. Tinha que mudar para uma mulher. Graças a Deus, sobre a voz da Shun, eu não vi comentário negativo algum da minha dublagem. Procurei, mas não encontrei. Realmente fiz com muita calma, sem medo da repercussão.

As mulheres japonesas nos animes costumam ter um timbre muito agudo, só que para nós soa delicado demais. E a personagem é uma amazona. Ela não é delicada. O diretor, Fábio Campos, me falou para tentar fugir dessa voz convencional de anime. A Shun tem quase a minha voz, não jogo nem para cima nem para baixo. Eu mantenho uma voz muito parecida com a minha para trazer essa serenidade que ela tem, de ter uma calma maior do que os outros, mas sem tirar a força da personagem jogando a voz ali para cima. Não peguei as referências do Ulisses Bezerra e da Úrsula Bezerra, porque poderia perder a minha originalidade. Já que tudo era novo para mim, eu não via muito sentido ir atrás do antigo, que eu não conhecia, para ver o que eu fazia agora. Escolheram a interpretação que eu dei para a personagem sem saber que eu ia fazê-la.

Representatividade

Eu, como mulher, vejo muita importância quando em algum lugar que não tenha uma figura feminina, essa figura seja inserida, para que as mulheres ou as meninas que assistam se vejam também naquela posição, e não só vejam homens naquela posição. Ter transformado Shun em uma mulher foi uma mudança positiva como sociedade, independentemente da parte saudosista, que realmente é uma grandíssima mudança. Entendo a frustração de muitas pessoas em relação a isso.

Outro comentário que vi foi que se queriam transformar em mulher transformassem outro, mas transformaram justamente quem era mais afeminado e continuaram deixando a figura feminina em uma posição de delicadeza. Cabe a nós não colocarmos desta forma. Em nenhum momento vi a Shun delicada, mas com serenidade para conversar, o que não deixa de ser uma característica feminina, dialogar antes de ir para a porrada. Acho que ela se encaixa muito bem em uma figura feminina. A mudança foi feita, é questão de aceitar. Acho importante colocarmos no mundo atual a figura feminina ou LGBTQIA+ em lugares comuns.

Tenho amigos maravilhosos e nunca fui uma vítima de preconceito nesse sentido, nunca sofri algum tipo de ataque em relação a isso por muita sorte, porque acontece muito, a luta está aí, eu só nunca presenciei um momento desse para ter que rebater de volta.

Acho que a Shun representa a minha luta em relação à carreira. Fui muitas vezes a São Paulo e Campinas para fazer escalas. Eram cinco horas, ida e volta, para fazer uma coisinha de cinco minutos no estúdio, e nunca achei ruim, só levava como processo, e hoje, finalmente, estou em um lugar, vendo as coisas que estão acontecendo para mim, os personagens que estão aparecendo, as pessoas que eu conheço, que já confiam no meu trabalho. Eu caminhei mesmo. Não foi de uma hora para outra, faço há um tempo e estão confiando em mim agora. Foi uma coisa que eu batalhei. Não foi sorte.

Siga o colunista no Twitter e no Instagram.

© 2024 Observatório da TV | Powered by Grupo Observatório
Site parceiro UOL
Publicidade