Análise

BBB 23: Bissexual ou birromântico, Gabriel Santana e Chiquititas rompem “cultura do macho”

Ator, confinado em reality show, foi criticado por gays e héteros pela forma de manifestar amor

Publicado em 19/01/2023

Em menos de 72 horas no BBB 23, Gabriel Santana conseguiu sofrer ataques de héteros e gays nas redes sociais. O motivo: ele se declarou bissexual, mas depois disse ser mais “birromântico”. Ou seja: sente atração física por homens e mulheres, mas quase sempre transa com pessoas do sexo feminino.

O ódio hétero, sem dúvida, é mais violento, inclusive rendendo ao Brasil o posto de país que mais mata LGBTs no mundo, de acordo com dados de 2022 do Grupo Gay da Bahia (GGB) e do relatório produzido pelo Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+. Quando Gabriel se apresentou aos competidores se oferecendo a “meninos e meninas”, xingamentos e ofensas eclodiram em meio às mensagens de apoio.

Na primeira festa, o ator beijou Fred Nicácio. Contudo, o carinho da comunidade LGBTQIAP+ mudou de cara quando ele declarou: “É muito doido porque eu me identifico como bissexual sim, mas eu acho que eu sou birromântico. Eu me interesso romanticamente por homens e mulheres, mas por homens a atração sexual é muito rara. A atração sexual é muito mais por mulher”.

A torcida por Gabriel transformou-se em deboche, sarcasmo e ironia, o que também são formas de ataque. Embora não sejam violentos como os dos héteros, machucam por vir dos únicos que poderiam acolhê-lo. Mais do que a orientação sexual, o artista rompe com a heteronormatividade, termo que Chiquititas, em que ele interpretou mosca, também ajudou a combater.

Antes de tudo, leitor hétero: Chiquititas, que fez parte da sua infância, não é uma “novela gay”. Heteronormatividade, em bom português, pode ser traduzido como “cultura do macho”. Estabelece como homens e mulheres devem se comportar e, principalmente, como não devem. Por isso, é uma forma de opressão de corpos, sentimentos e desejos.

A discussão sobre heteronormatividade se sobrepõe à da orientação sexual porque atinge qualquer pessoa no seu modo de agir e falar, como se um pênis ou uma vagina definissem o comportamento humano.

Chiquititas provocou o tema sem qualquer intenção, simplesmente por trazer meninos para o hábito de ver novela. A geração atual pode estranhar, mas o público-alvo dos folhetins era o feminino. Produções idealizavam galãs para atrair telespectadoras. Homens heterossexuais só se interessavam quando alguma atriz posava nua para “revistas masculinas”.

Em suma: mulheres amam; homens transam. Mulheres querem sentimento; homens querem o corpo. é a heteronormatividade agindo contra os corpos e gerando violência (estupros e feminicídios decorrem da “cultura do macho”).

Não à toa, meninos que assistiam a Chiquititas eram vítimas de gozações e preconceito nas escolas. Eram chamados de “gays” como sinônimo de “homem que não é homem”, mesmo sem saberem o que é transar com alguém do mesmo sexo. Muitos viam escondido e até mentiam dizendo que a irmã ou a mãe eram as reais espectadoras. Pior: não podiam saber os nomes dos personagens nem dançar as coreografias dos clipes.

Pode soar inofensivo, mas este é um exemplo de como a heteronormatividade, ou a “cultura do macho”, oprime desde a infância.

Gabriel Santana, ao se deixar “sentir”, não deixa que a heteronormatividade defina o que ele é ou o que ele deve fazer. O eterno Mosca se sente livre para voar, para amar e ser amado e para praticar seus afetos e seus desejos. Enfim, pratica o que a própria Chiquititas ensinou (mais uma vez sem intenções sexuais) na música Liberdade:

“Não fiques mais amarrado
Nunca há nada que perder
Tudo o que havias ganhado
É um peso para ser
As cordas do prisioneiro
Tão difíceis de se ver
São teias que emaranham
Que não nos deixam crescer
Liberdade (liberdade, liberdade)
Te deixa ir (liberdade, liberdade)
O vento sabe o caminho (liberdade, liberdade)
Sem medo podes partir (liberdade, liberdade)
Liberdade (liberdade, liberdade)
Já é hora de voar (liberdade, liberdade)
Liberdade (sem medo)
Se livre, tu és do ar (liberdade, liberdade)”

Siga o colunista no Twitter e no Instagram.

As informações e opiniões expressas nesta crítica são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

© 2024 Observatório da TV | Powered by Grupo Observatório
Site parceiro UOL
Publicidade