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Globoplay resgata Decadência, minissérie da Globo que foi acusada de retratar Edir Macedo

Edson Celulari interpreta o protagonista Mariel, que se torna pastor e enriquece por meios ilícitos

Publicado em 13/05/2024

Nesta segunda-feira (13), o Globoplay integrou a seu catálogo, como parte do Projeto Resgate, a polêmica minissérie Decadência, de Dias Gomes, produzida em 1995 e dirigida por Roberto Farias e Ignácio Coqueiro.

Dias adaptou para a TV um romance homônimo de sua autoria, lançado na mesma época, que contava a história de Mariel (Edson Celulari), um menino de rua que se torna agregado da rica família do jurista Albano Tavares Branco (Rubens Corrêa), de quem ao crescer se torna motorista e cuja herdeira, Carla (Adriana Esteves), termina sendo alvo de seu amor.

Atrelada à trajetória de Mariel, a minissérie expunha uma visão da explosão evangélica no Brasil, aliada a fatos históricos do período compreendido entre 1970 e 1992, como a luta pelas eleições diretas e o processo de impeachment do presidente Collor.

Expulso da mansão dos Tavares Branco após ser acusado de estupro por ousar se interessar pela jovem Carla, filha caçula de Albano Filho (Stênio Garcia) e Celeste (Ariclê Perez), Mariel reencontra após algum tempo a empregada Jandira (Zezé Polessa), que o criara e é apaixonada por ele, apesar de não ser correspondida.

Mariel e Jandira vão a um culto numa igreja evangélica e ele resolve fundar a sua própria igreja, que batiza de Templo da Divina Chama. Bastam cinco anos para que ele se torne muito rico, à custa do dízimo dos fiéis e de negócios nada cristãos, enquanto os Tavares Branco não são favorecidos pela conjuntura política e econômica do Brasil e entram numa decadência irreversível.

O título da minissérie tanto vem desse fato quanto da situação de Mariel, uma igualmente irreversível decadência moral motivada pela ganância e pelo desejo de vingança pela humilhação sofrida por parte da família que o acolhera.

Mas Mariel e Jandira encontram obstáculos em sua escalada de poder e dinheiro: Jovildo (Milton Gonçalves), um dos pastores da Divina Chama, desconfia de que esteja havendo irregularidades envolvendo o dinheiro dos fiéis, e o delegado Etevaldo Morsa (Paulo Gorgulho) investiga as atividades da igreja do ex-motorista.

Bem antes do filme Nada a Perder, dirigido por Alexandre Avancini, uma biografia autorizada do líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, teve início grande polêmica em torno da questão de que a forma como os evangélicos eram retratados era negativa e mentirosa, bem como o comportamento de Mariel.

Antes do lema “A caminho da liderança” e da acirrada disputa de audiência das duas emissoras, esses já eram tempos de conflito aberto entre Globo e Record.

Os debates do programa 25ª Hora, que então ia ao ar no final da noite, início da madrugada na TV de Edir Macedo, e artigos no jornal Folha Universal, que divulga a doutrina da igreja, criticavam duramente a Globo e aludiam a uma ação chamada de “perniciosa” da emissora carioca sobre o público e o país, bem como a sua relação com os governos militares.

Esse tipo de ação e o traçado de uma estratégia de ataque começaram quando os membros da Universal e da Record souberam da minissérie da Globo por meio de funcionários da TV dos Marinho que eram frequentadores dos cultos. A Igreja Universal do Reino de Deus entrou na Justiça com uma ação civil indenizatória por danos morais contra a Rede Globo.

A celeuma foi tanta que a Globo gravou uma mensagem a ser exibida no início de cada um dos capítulos, com Edson Celulari afirmando que aquela era uma obra de ficção, que prezava o respeito a todas as manifestações religiosas.

“A Rede Globo considera imprescindível renovar seu respeito a todas as religiões, e lembrar que em qualquer atividade podem existir pessoas bem ou mal intencionadas. Decadência, de Dias Gomes, não pretende fazer crítica a nenhuma religião em particular, ou mesmo a qualquer um de seus representantes”, dizia um trecho do texto.

Em reportagem publicada na edição de 9 de setembro de 1995, o jornal Folha de S. Paulo noticiou que frases inteiras de uma entrevista concedida por Edir Macedo à revista Veja em 1990 teriam sido usadas com poucas modificações em falas de Mariel, o pastor mau-caráter.

Isso teria ocorrido ainda no romance de Dias Gomes e não no roteiro da minissérie em sua adaptação para a televisão, de acordo com Alexandre Brasil Fonseca, cientista social então mestrando da UFRJ, que na ocasião desenvolvia uma dissertação sobre a Igreja Universal. Dias declarou à reportagem que teve acesso a diversos materiais a fim de compor sua obra, e que as frases apontadas pelo pesquisador eram chavões de pastores como Macedo, que falam “mais ou menos a mesma coisa”.

Ainda, na ficção o delegado Etevaldo investigava acusações de curandeirismo, charlatanismo e estelionato contra Mariel – enquanto na vida real Macedo sofrera acusações da mesma natureza. Mariel também expandia na ficção a Divina Chama para outros países e adquiria emissoras de rádio e TV, assim como Macedo.

Na edição de 10 de setembro de 1995 do mesmo jornal, consta a seguinte declaração do pastor Caio Fábio, então presidente da Associação Evangélica Brasileira – entidade da qual a Universal não fazia parte à época: “Macedo tenta transformar sua briga particular com a Globo numa disputa entre evangélicos e católicos. Mas é bobagem, porque a briga é só dele, só Edir Macedo vestiu a carapuça da minissérie”.

E como bem lembrou Esther Hamburger em texto especial escrito por ela para a mesma Folha publicado em 11 de setembro de 1995, o fanatismo religioso e suas implicações negativas não eram nenhuma novidade na obra do dramaturgo baiano que já havia escrito, entre outras obras, O Pagador de Promessas, O Santo Inquérito e Roque Santeiro, com duras críticas à Igreja Católica, o que torna incabível dizer que Dias, àquela altura da vida e da carreira, quisesse ou aceitasse posar de defensor do Vaticano.

Os 12 capítulos da minissérie foram exibidos originalmente de 5 a 22 de setembro de 1995. No elenco ainda as presenças de Luiz Fernando Guimarães, Maria Padilha, Betty Gofman, Maria Zilda Bethlem, Raul Gazolla, Ingra Liberato, Yolanda Cardoso, Norma Geraldy, Ricardo Blat, Oswaldo Loureiro, Virgínia Nowicki, Isadora Ribeiro, Cibele Larrama, Sílvia Bandeira e Patrícia Novaes, entre outros.