Tony Goes vive no melhor terreno da minha memória afetiva

Publicado em 28/03/2024

Fui assaltada pela má notícia da partida de Tony Goes, meu companheiro de tantas coletivas, entrevistas, lançamentos, premièrs e afins no segmento do audiovisual. Ansíavamos por nos encontrar nessas ocasiões, sob o risco, sempre consumado, de tornar a diversão maior que a obrigação. Nossas conversas de bastidores, quase sempre impublicáveis, desviavam nosso foco da cena que nos levava àqueles encontros.

Quando um chegava e o outro já estava no local, o comentário era sempre algo na linha: “Achei mesmo que ia te encontrar, que bom.” E quando a ocasião não valia a pena por si só, a gente se consultava previamente: “Você  vai?” A convivência muitas vezes se estendia a uma carona, ora oferecida por mim, ora por ele, morador de pedaço quase vizinho ao que me cabe.

Dono de uma inteligência e vasto repertório pop, fazia bom uso do sarcasmo em qualquer ocasião.

Bem relacionado, conhecia várias histórias secretas de figuras célebres, material que trocávamos apenas e tão somente para o nosso consumo pessoal. Nossa meta no ofício sempre foi compartilhar com o leitor ou espectador o conteúdo de cada cena. A fofoca embutida nos bastidores, capital que infelizmente se tornou o mais valioso no noticiário que se ocupa do entretenimento, era diversão restrita ao nosso conhecimento privado.

É claro que confidências e sigilos sobre os outros sempre geram alguma adrenalina ao organismo. Quem não gosta de uma boa fofoca? A diferença está no uso que se faz dela. Nosso prazer nessa atividade sempre se restringiu ao nosso campo de confiança. E também era útil ao expediente para saber onde pisávamos e com quem lidávamos, sem resvalar na tentação de atirar segredos de liquidificador à esfera pública.

Tony, lá atrás, após votação da APCA: Cristina Padiglione, Telé Cardim, José Armando Vanucci, Tony Goes, Edianez Paerente, Fábio Costa, Leão Lobo e Fábio Maksymczuk

 

Assíduo frequentador da página de Mônica Bergamo na Folha, também assinava coluna no F5 e matérias para a Ilustrada. Nos últimos cinco anos, trafegamos por esse mesmo circuito e CNPJ, até minha saída do jornal, em julho passado. Depois disso, seguimos nos frequentando em lançamentos e outros eventos. E trocando figurinhas indecorosas pelo WhatsApp.

Soube do câncer enfrentado por ele em junho de 2022, quando fizemos juntos a última edição do Troféu Imprensa, ainda sob o comando de Silvio Santos. As sessões de quimioterapia exigiram dedicação extra dos maquiadores do SBT para neutralizar os efeitos da medicação na pele do rosto. Os cabelos, embora ligeiramente rareados pelo tratamento, nunca abandonaram seu lay out, invariavelmente belo e bem-humorado.

Ao longo do tratamento, a aparência alternava altos e baixos, sem que o sorriso jamais perdesse a vez.

Há duas semanas, estivemos juntos na votação dos melhores de 2023 em TV, pela APCA, Associação Paulista dos Críticos de Artes, no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Nas nossas trocas de mensagem pelo WhatsApp, a última cobrava a presença dele no local para alinharmos os vencedores da vez. “Tu não vens?”, perguntei eu, às 19h58 do dia 29 de janeiro. “Estou chegando”, respondeu. “Na Consolação”.

Dois dias depois, nos encontramos na entrevista coletiva seguida de coquetel de lançamento da terceira e última temporada da série “Bom dia Verônica”, da Netflix, com Tainá Müller, Rodrigo Santoro, Reynaldo Gianecchini, Klara Castanho e Maitê Proença, sob direção de José Henrique Fonseca. Conversamos, como sempre, rimos e tricotamos, entre boas comidinhas e drinks. Pareceu-me mais abatido, mas como a alternância em função da medicação era comum, não me surpreendeu. Por um instante, parei para refletir que o tratamento já durava mais de dois anos, entre idas e vindas. Mas logo afastei qualquer suspeita de um desfecho ruim. E ele contou que tinha viagem marcada para Paris em duas semanas, e celebramos por isso.

Daí meu abalo absoluto ao receber a notícia de sua partida, nesta manhã. Soube pela Folha que ele tomou conhecimento nas últimas semanas da metástase que levou o maldito tumor da região do intestino ao fígado e peritônio, causando falência hepática.

Roteirista, Tony assinou vários trabalhos para a TV e lançou sua primeira peça teatral ainda no mês passado, “Quem Tem Medo de Olga Del Volga”, no Rio de Janeiro. Na ocasião, desejei-lhe “Merda!”, como rezam os votos de sucesso no métier do showbiz. Ele celebrou, contando que as sessões vinham lotando e já planejando a vinda do espetáculo para São Paulo.

Ao Tony, com afeto, só posso agradecer pela sempre excelente companhia, por tantas risadas, pelo repertório raro. E aplaudir muito a sua existência.

Que o riso dele me acompanhe até meus últimos dias.

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