Chico Buarque 80 anos: Eis 20 canções que foram sucessos compostos originalmente para o teatro

Publicado em 19/06/2024

Chico Buarque 80 anos – Poucos são os que fazem a relação temporal, mas foi o teatro o primeiro veículo a abrigar uma canção composta por Chico Buarque de Hollanda. Em 1964, então aos 20 anos de idade, o músico apresentou ao mundo Tem Mais Samba, canção composta para a trilha do musical Balanço de Orfeu, musical de Luiz Vergueiro (1920-1998) que deu pontapé inicial em obra autoral expandida ao longo dos anos seguintes.

Considerada marco inicial de sua trajetória como compositor, Tem Mais Samba chegou à cena antes de ganhar registro no primeiro álbum do compositor, Chico Buarque, de 1966, ainda que sua estreia em disco tenha acontecido um ano antes, em 1965, com a edição de compacto simples com as canções Pedro Pedreiro e Sonho de um Carnaval.

Foi neste mesmo ano de 65, em setembro, que o compositor deu novo passo rumo à construção de uma obra teatral ao compor as músicas que fizeram parte de Morte e Vida Severina, primeira adaptação musical do poema homônimo publicado em 1955 por João Cabral de Melo Neto (1920-1999).

Produzida por grupo de estudantes dentro do TUCA, o teatro da Pontifícia Universidade Católica (PUC), onde o próprio compositor cursava arquitetura, Morte e Vida Severina teve suas canções registradas em disco em 1966, mas sem a força poética que faria com que, no futuro, outros títulos entrassem para o cancioneiro popular brasileiro.

A única exceção talvez seja Funeral de um Lavrador, canção que compôs a seleção do primeiro disco do cantor e que teve sua vida útil alargada graças a interpretações de nomes como Tânia Alves e Elba Ramalho, mas nada que chegasse aos pés do sucesso massivo experimentado pelo artista no ano seguinte com o estouro de A Banda, a marchinha defendida pelo autor ao lado de Nara Leão (1942-1989) em edição do Festival da Canção.

O sucesso de A Banda foi tão acachapante que levou o compositor a questionar a validade da fama e da indústria cultural que massacra um cantor e compositor em busca de tirar tudo o que ele pode oferecer e depois descartá-lo. Assim surgiu Roda Viva, musical que deu início à briga incessante da censura federal com a obra de Chico Buarque de Hollanda.

A partir daí, entre ao final da década de 1960 e o início dos anos 2000, Chico Buarque mergulhou com mais profusão na seara teatral, compondo canções para musicais, peças, balés e, fora dessa seara, filmes e concertos, sempre com o apoio de parceiros valiosos como Francis Hime, Augusto Boal (1931-2009), Ruy Guerra e, claro, Edu Lobo, seu companheiro mais profícuo e presente em trilhas criadas a partir da década de 1980.

Confira abaixo uma seleção de 20 canções que se tornaram sucessos na voz do músico ou de outros intérpretes, mas foram compostas para o teatro.

★ Noite dos Mascarados (1966)

Marcha-rancho popularizada na voz do autor em dueto com Elis Regina (1945-1982) em 1967 como um hit de Carnaval, Noite dos Mascarados surgiu de uma encomenda do diretor Hugo Carvana (1937-2014) para o musical Meu Refrão, escrito em parceria com Antônio Carlos Fontoura. A canção surgiu da urgência, uma vez que a música tema do espetáculo Tamandaré, também do compositor, foi proibida pela censura e permaneceu inédita até 1991, quando ganhou registro na voz do Quarteto em Cy. Nomes como Nara Leão, Gilberto Gil e Margareth Menezes chegaram a gravar Noite dos Mascarados que nunca foi dissociada do harmonioso dueto original.

★ Roda Viva (1967)

Embora paire a impressão geral de que Roda Viva foi canção composta de oposição ao regime ditatorial militar brasileiro, o real alvo da música foi a indústria cultural brasileira. A canção traça retrato quase biográfico do cantor, triturado pelo mercado de então. A montagem foi dirigida José Celso Martinez Corrêa (1937-2023) sob a produção do Teatro Oficina e entrou para a história como um ato de resistência à Ditadura, inspirando um grupo autointitulado Comando de Caça aos Comunistas a invadir o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, e agredir os atores, entre eles Marília Pêra (1943-2015).

★ Tatuagem (1972)

Embora tenha ganhado gravações emblemáticas de nomes como Elis Regina e Maria Bethânia, além do próprio compositor, Tatuagem foi canção produzida originalmente para Calabar – Elogio à Traição, musical produzido em parceria com o cineasta e dramaturgo Ruy Guerra e censurado à época, ganhando montagem profissional apenas em 1980. A obra narrava a trajetória de um senhor de engenho, Domingos Fernandes Calabar (1609-1635), que viveu durante a ocupação holandesa no Brasil. Sua história é narrada pelo olhar de sua amante, Bárbara.

★ Não Existe Pecado ao Sul do Equador (1972)

A rumba popularizada na voz de Ney Matogrosso e presença constante em bloquinhos de Carnaval ao longo das décadas foi na verdade composta para o elenco de Calabar em cena que delineava as impressões dos holandeses ao chegar ao Brasil. A canção já ganhou interpretações de nomes como Emilinha Borba (1923-2009), Marlene (1922-2014), Simone, Maria Bethânia, entre outros.

★ Sonho Impossível (1972)

Menos relacionada ao cancioneiro de Chico Buarque, Sonho Impossível é na verdade uma versão de Impossible Dream, canção composta por Mitch Leigh (1928-2014) e Joe Darion (1911-2001) para o musical O Homem de La Mancha, adaptação do romance Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (1547-1616), que chegou à Broadway em 1965. Buarque e Ruy Guerra assinaram as versões da primeira montagem brasileira da obra, em 1972, e estrelada por Bibi Ferreira (1922-2019), Paulo Autran (1922-2007) e Grande Otelo (1915-1993). A canção fez sucesso ao ser gravada por Maria Bethânia e ficou para sempre associada à voz teatral da intérprete.

★ Gota D’Água (1976)

Escrita a quatro mãos, a dramaturgia de Gota D’Água, adaptação tropical da tragédia grega “Medeia”, de Eurípedes, assinada por Buarque ao lado de Paulo Pontes (1940-1976), deu a Bibi Ferreira uma das grandes personagens de sua trajetória, Joana. A canção-título do musical jamais saiu do repertório dos shows da cantora e atriz, que a considerava como uma das grandes músicas já compostas em língua portuguesa. Intérpretes do quilate de Simone, Fafá de Belém, Ângela Ro Ro, Beth Carvalho (1946-2019), além do próprio Chico já gravaram o tema que nunca deixou de ser associado ao canto dramático de Bibi.

★ Mulheres de Atenas (1976)

Composta para a trilha da peça Lisa, A Mulher Libertadora, adaptação do parceiro Augusto Boal para a comédia grega Lisístrata, de Aristófanes, Mulheres de Atenas é canção que enfoca o estoicismo da mulher que espera seu marido retornar da guerra. Na comédia original, uma revolução feminina buscava encerrar a guerra de Tróia. A canção ganhou gravação do próprio autor, mas se notabilizou pelos registros de nomes como Quarteto em Cy, Ney Matogrosso, Elis Regina e Fafá de Belém.

★ História de uma Gata (1977)

Uma das canções que mais penetrou no imaginário popular e permanece ainda hoje em um lugar de carinho da memória afetiva nacional, História de uma Gata foi composta para a trilha de Os Saltimbancos, espetáculo infantil adaptado da obra italiana de Sergio Bardotti (1939-2007) e Luis Enríquez Bacalov (1933-2017) sobre a história de luta de classes por meio de alegorias com animais como o jumento, a galinha, o cachorro, um barão e a gata, interpretada no teatro por Marieta Severo. A versão cinematográfica, Os Saltimbancos Trapalhões de 1981 trouxe a interpretação atemporal de Lucinha Lins para a canção, que foi lançada por Nara Leão e nos anos 2000 passou a integrar o repertório de Vanessa da Mata.

★ Folhetim (1978)

Talvez uma das canções mais populares do repertório do compositor, Folhetim entrou para a história associada definitivamente ao canto cristalino de Gal Costa (1945-2022), mas foi composta para uma das personagens de Ópera do Malandro, musical escrito pelo próprio Buarque tendo como base a Ópera dos Três Vinténs, de Kurt Weill (1900-1950) e Bertolt Brecht (1898-1956)  e a Ópera do Mendigo, de John Gray (1685-1732). A música ultrapassou barreiras se tornando não apenas um dos sucessos do compositor, mas canção indispensável no roteiro dos shows de Gal.

★ O Meu Amor (1978)

Composta também para a trilha de Ópera do Malandro, a canção – popularizada nas vozes de Maria Bethânia e Alcione em dueto gravado no disco da primeira em 1978, Álibi – foi apresentada ao público primeiramente nas vozes de Marieta Severo e Elba Ramalho, que compunham o elenco da montagem e que chegaram a registrar a canção junto ao autor no álbum com a trilha da montagem.

★ Teresinha (1978)

Outra canção que também faz parte da Ópera do Malandro, Teresinha já ganhou interpretações marcantes de nomes como Maria Bethânia, Oswaldo Montenegro, Zizi Possi e Fafá de Belém, mas foi na voz de Marieta Severo que o público primeiro ouviu a valsa. Ainda na década de 1970, a canção ganhou impulso popular ao ser interpretada como paródia cômica no programa Os Trapalhões, da TV Globo.

★ Geni e o Zepelim (1978)

Canção que ao longo dos anos ganhou novos contornos e interpretações, Geni e o Zepelim é música composta para a personagem Geni, um homossexual que anda em meio aos contrabandistas e malandros que intitulam a Ópera do Malandro. A personagem é apaixonada por Max Overseas, o anti-heroi com quem já manteve relações, mas sem jamais conseguir afeto. Além do próprio Chico, a canção já ganhou interpretações de nomes como Maria Bethânia, Cida Moreira, Oswaldo Montenegro e Letícia Sabatella, mas a principal versão é ainda de Buarque.

★ Pedaço de Mim (1978)

Canção de despedida entre o malandro Max Overseas e sua amante Lúcia, em Ópera do Malandro, Pedaço de Mim foi ouvida primeiramente na voz de Elba Ramalho, mas foi a gravação de Chico Buarque com Zizi Possi que popularizou o tema. Gal Costa e Francis Hime chegaram a gravar a canção para a trilha do musical, mas ela sempre esteve associada ao canto límpido de Zizi Possi, que a regravou em seus discos outras duas vezes.

★ Beatriz (1982)

Considerada uma das maiores canções da música popular brasileira, a parceria de Chico Buarque e Edu Lobo foi composta para a trilha do ballet O Grande Circo Místico, do Teatro Guaíra, em Curitiba. O espetáculo surgiu a partir de provocações do dramaturgo Naum Alves de Souza (1942-2016) a partir de um poema do alagoano Jorge de Lima (1893-1953). A canção é uma das mais regravadas da dupla, tendo sido lançada na voz de Milton Nascimento e recebido versões de nomes como Zizi Possi, Gal Costa, Mônica Salmaso, Cida Moreira, Ana Carolina, Jorge Vercillo, entre outros.

★ A História de Lily Braun (1982)

Outro título para sempre associado ao canto de Gal Costa, A História de Lily Braun guarda uma história curiosa. Embora tenha sido feita para a trilha de O Grande Circo Místico, a canção não conta com inspiração no poema de Jorge de Lima, que apenas cita o nome de Lily Braun sem mais detalhes. Toda a história foi pensada por Buarque, que ajudou a delinear a personagem. A canção é uma das mais populares da trilha, e ganhou gravações de nomes como Maria Rita, Maria Gadú, Mônica Salmaso, Teresa Cristina e até da atriz Susana Vieira.

★ Ciranda da Bailarina (1982)

Uma das canções preferidas do público infantil, Ciranda da Bailarina esteve na trilha de “O Grande Circo Místico” na voz de um coro de crianças, o que aumentou sua identificação com os pequenos. Gravada por nomes como Mônica Salmaso e a banda Penélope, a canção ficou para sempre associada à voz de Adriana Partimpim, o heterônimo infantil de Adriana Calcanhotto, que a gravou com fluência no álbum Partimpim, de 2004.

★ Choro Bandido (1985)

Uma das canções mais bonitas da parceria de Chico Buarque com Edu Lobo, Choro Bandido é obrigatória no repertório de Lobo desde que foi lançada na trilha do espetáculo O Corsário do Rei, de Augusto Boal, e já deu pinta em diferentes shows de Buarque. A canção consta na lista por ser considerada uma das mais refinadas do repertório da dupla e por ter sido gravada inclusive pelo maestro soberano Antônio Carlos Jobim (1927-1994), admirador do tema.

★ Valsa Brasileira (1988)

Composta em parceria com Edu Lobo para o repertório do balé Dança da Meia-Noite, do grupo Pau Brasil, Valsa Brasileira foi ouvida no espetáculo na voz de Edu Lobo, e é uma das poucas do álbum a ter ultrapassado barreiras para se firmar como título constante da música popular. A canção esteve no repertório do próprio Chico e recebeu gravações de nomes como Luiz Melodia (1951-2017), Leila Pinheiro, Tom Jobim, Djavan, além de dar título a um dos álbuns mais importantes da carreira de Zizi Possi.

★ Dura na Queda (1999)

Prestes a raiar o novo milênio, Chico Buarque foi convidado pela atriz e diretora Stella Miranda a compor uma canção para o musical Crioula – A Dama do Suingue, um tributo à trajetória da cantora Elza Soares (1930-2022) estrelado por Elisa Lucinda e Zezé Polessa. O compositor então deu à luz Dura na Queda, canção que anos mais tarde viria a compor seu repertório e o da própria Elza Soares. Apresentada como uma espécie de raio-x da vida da artista, Dura na Queda ganhou também gravação cool e intimista de Marina Lima.

★ A Moça do Sonho (2001)Talvez o título menos popular desta lista, A Moça do Sonho foi uma das canções mais importantes da trilha sonora de Cambaio, o musical de João e Adriana Falcão com músicas de Chico Buarque e Edu Lobo que parte do encontro de uma fã, um astro e um cambista em passagens de uma realidade onírica. Neste universo, A Moça do Sonho é a última grande canção composta pela dupla, e já recebeu gravações dos autores e uma versão definitiva, na voz de Maria Bethânia.

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