Parintins fora da TV

Acordo para transmissão nacional de Festival não vai adiante

Após anunciado, Globo cancela o festival para o Brasil e o mundo

Publicado em 28/06/2024

A ambição e a falta de habilidade nas negociações deixarão fora da TV nacional o maior espetáculo folclórico do mundo, o Festival de Parintins. Estava tudo certo para que a Rede Globo transmitisse não só para o Brasil, mas para o mundo. A atração chegou a ser noticiada.

No entanto, de última hora, azedou o acordo entre a TV regional A Crítica e o conglomerado da família Marinho. Assim, a disputa entre os bois Caprichoso e Garantido será mostrada apenas regionalmente e pelo YouTube. A grandiosidade do evento chama atenção, atraindo milhares de pessoas e dividindo a cidade e a população entre as cores vermelho e azul.

Contudo, não resta a menor dúvida de que a transmissão ampliada e com a relevância da Globo elevaria a dimensão do evento a potencialidades inimagináveis. Ou seja, mesmo que o acordo inicial não fosse imediatamente tão vantajoso, ele funcionaria como uma espécie de investimento futuro do próprio evento, gerando frutos para todos: os bois em disputa, para a economia da cidade e até para a emissora regional A Crítica. Festival de Parintins

Início das transmissões de Carnaval

Os desfiles das escolas de samba da elite do Rio de Janeiro começou a ser um produto televisivo nos anos 60. O interesse do público impulsionava as emissoras pioneiras Tupi, Rio e Excelsior a burlarem a falta de estrutura tecnológica e levarem pesados equipamentos para a antiga Avenida Presidente Vargas.

De início as agremiações nem recebiam o “direito de arena”, que é o valor em troca do televisionamento. No entanto, imediatamente um valor intangível foi sendo agregado as agremiações com contrapartidas em publicidade, merchandising, na procura por fantasias e na atração de público e turistas para os eventos em suas quadras e ensaios. Gerou investimentos e projeção até fora do Brasil.

Com o passar do tempo, o valor dos contratos foram sendo proporcionalmente aumentados, estando hoje o direito de transmissão exclusivo da Globo como uma das principais arrecadações das escolas cariocas. O modelo do Rio deu tão certo que abriu espaço para transmissões dos grupos de acesso e desfiles de outras cidades do país.

Carnaval de Salvador

A folia da capital baiana também começou devagar, devagarinho… Hoje atrai milhares de turistas e uma fila de empresas disputando espaço para atrelarem suas marcas ao evento. Porém, surgiu midiaticamente como uma opção a exclusividade que a Globo passou a impor. A extinta TV Manchete para não ficar fora da festa como opção começou a mostrar, de forma despretensiosa, o agito soteropolitano, movimento que foi seguido pela Band, SBT e até a Globo, que se rendeu aumentando os flashs baianos.

Junto com a visibilidade televisiva, cantores e trios locais ganharam projeção nacional e criou-se uma poderosa indústria cultural sediada em Salvador gerando divisas e quebrando o monopólio do Rio, hoje atraindo grandes investimentos das redes de televisão, de anunciantes e foliões. Fica difícil imaginarmos como seriam as carreiras de Ivete Sangalo, Cláudia Leite, Margareth Menezes... sem a projeção televisiva do carnaval baiano.

Carnaval de rua carioca na telinha

Os blocos e bandas do Rio de Janeiro ressurgiram recebendo o impulso das iniciais coberturas despretensiosas da Globonews, que em fevereiro esquece a sisudez de seus noticiários majoritariamente políticos para desengravatar a equipe e a programação, caindo na folia. Por alguns dias tiram as crises da pauta principal e enchem sua transmissão de irreverência, cores e música.

O fenômeno acabou sendo irradiado para outros estados, que também passaram a desenvolver seus carnavais de rua. A audiência é tanto que a Rede Globo, que sempre negligenciava esses movimentos espontâneos, passou a abrir espaço na sua grade vespertina para as folias.

Festas Juninas na TV

Caminho parecido está sendo trilhado pelas festas juninas do Nordeste. O movimento grandioso deixa de ser restrito a região e começa a ter seus arraiás gigantescos mostrados pela TV Brasil através de acordos com emissoras públicas afiliadas dessas regiões. O interessante é deixar a transmissão por conta dos próprios profissionais locais garantindo seus conhecimentos e sotaques tão pouco vistos nacionalmente.

Essa experiência em nacionalizar e centralizar as transmissões, que já ocorriam localmente tendem a impulsionar ainda mais a força folclórica desses eventos. As Festas Juninas tem ocupado com grande repercussão como atração das noites dos finais de semana e dos feriados de junho daquela região.

Fim os bailes na TV

Por sua vez, desapareceram da grade de programação das TVs os bailes de Carnaval e dos Desfiles de Fantasia de Luxo que tanto repercutiam e davam audiência para Band, Manchete e SBT nos anos 80 e 90, num circuito off Globo que já focava nos desfiles das escolas. Saíram da telinha justamente pela falta de entrosamento entre os organizadores e os produtores televisivos.

Numa época pré-internet era justamente nesses bailes que se reuniam as celebridades e subcelebridades da época em busca de um segundo de fama diante dos holofotes dos canais ao vivo. O poder midiático nos salões era tão forte que desafiavam a censura da ditadura militar que tentou, mas não conseguiu controlar a irreverência desses eventos.

A decisão de não levar o Festival de Parintins para uma transmissão global revela uma falta de visão estratégica por parte dos envolvidos. Não que os produtores culturais devam “baixar a cabeça” e se submeterem aos caprichos do grupo líder em comunicação no país. Mas um pouco mais de flexibilidade ou um passo atrás pode representar um investimento com os louros colhidos a curto prazo.

Este evento folclórico, com seu potencial de atrair atenção global e gerar significativos benefícios econômicos e culturais, foi subestimado. Perde-se assim uma oportunidade única de ampliar a visibilidade e o prestígio do festival, além de promover a cultura regional em um cenário global. A falta de investimento a curto prazo em uma parceria com uma grande emissora como a Globo pode resultar em consequências negativas a longo prazo, tanto para os organizadores quanto para os participantes e a comunidade local.