Crítica de TV

Telespectador assume papel de voyeur em Na Cama com Pitanda

O espaço, como objeto de intimidade, funciona como um confessionário

Publicado em 17/06/2024

O cenário parece um daqueles microapartamentos de Hong Kong. Nos seus pouquíssimos metros quadrados, há uma cama de casal com edredom, travesseiros e almofadas coloridas. O excesso de cor passa pela abertura, chega até o logo do programa e termina nas paredes da atração. A câmera, como não poderia deixar de ser, faz malabarismo para não grudar no rosto das apresentadoras. Se os mais ácidos julgam que faltou investimento por ali, Na Cama com Pitanda, que está no ar desde semana passada no Multishow, canal pago do Grupo Globo, talvez se defenda com um suposto conceito de intimidade.

Apertadas na cama com um convidado por dia, as ex-BBBs Fernanda Bande e Pitel, que viraram amigas dentro do reality show, possuem uma conexão intensa, sendo o principal chamariz do Na Cama. Assim como qualquer boa parceria de opostos, uma completa a outra: enquanto a primeira tende a ser mais sarcástica e direta, a segunda geralmente é mais suave e comedida. O resultado parece bem promissor para os produtores: as duas movimentam a cama com risadas e muito papo do começo ao fim da atração.

Se o telespectador piscar os olhos, perde uma piada, um comentário. É que a coisa acontece rápido: em meia hora por dia, Fernanda, Pitel e o convidado da vez falam o que dão na telha, numa versão idealizada de si mesmos, sem nenhum pudor, entre jogos, quadros e até participação do público em vídeos gravados. Elas são rápidas, falam sobre qualquer coisa a ponto de se desprenderem do roteiro (o que deixa tudo mais natural) e têm uma velocidade que combina com o ritmo das trocas infindáveis e incessantes de mensagens de vários tipos pela rede, sobretudo do X (antigo Twitter), com o público elogiando ou destilando ódio.

No quartinho já foi discutido, como um bate-papo entre amigos numa noite de pijama, temas como bissexualidade, sexo, ghosting, masturbação, superação amorosa etc etc etc. O espaço, como objeto de intimidade, funciona como um confessionário que abrange diversas dimensões da experiência humana.

Criticamente, pode-se explorar essa ideia sob diferentes perspectivas: psicológica, social, cultural e até mesmo arquitetônica. Ainda que isso seja impossível de ser excluído, a roupagem da atração é construída sem análises profundas e sem interesse em pautas que transcendam opiniões pessoais. É como a maioria das conversas de boteco: mais rasas e mais efêmeras.

O telespectador, que julga do outro lado da câmera, funciona como um voyeur que observa a vida alheia, especialmente em situações privadas e íntimas até então desconhecidas de famosos. A ideia do programa, embora não seja novidade, chega num momento oportuno: a era do show do Eu, em que a autoexibição e a autopromoção se tornam predominantes e onde anônimos e celebridades se expõem, transformando a vida pessoal em um espetáculo público, com plateia e aplausos, abraçando o que se pode chamar de “instituição voyeurística”.

Trata-se de um prato cheio para o Na Cama, que vai sobreviver — até a audiência mandar e as temporadas não encherem o saco —, nesse tipo de negócio. 

As informações e opiniões expressas nesta crítica são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.