Projeto Resgate

Lançamento do Globoplay, O Espigão incomodou poderoso do mercado imobiliário e até Roberto Marinho entrou no meio

Milton Moraes, Cláudio Marzo, Betty Faria, Débora Duarte e Ary Fontoura têm papéis de destaque na história

Publicado em 08/04/2024

Em 1º de abril de 1974, foi ao ar pela TV Globo em seu horário das 22h o primeiro capítulo de O Espigão, mais uma novela de Dias Gomes, que nesta segunda-feira (8) chega ao catálogo do Globoplay, 50 anos depois.

Dirigida por Régis Cardoso com supervisão de Daniel Filho, era na opinião do próprio autor sua novela mais bem produzida até então – era a terceira produção em cores da emissora, após O Bem-amado (1973), do mesmo Dias, e de Os Ossos do Barão (1973/74), de Jorge Andrade.

Sérgio Dourado era um empresário do ramo imobiliário que inaugurava empreendimento atrás de empreendimento por todo o Rio de Janeiro na década de 1970. Dourado sentiu-se retratado pela novela que estava para estrear, conforme já podia ver pelas chamadas, e se queixou ao jornalista Roberto Marinho, que determinou a Boni, o superintendente de operações da emissora, que o projeto fosse cancelado.

Diante disso, conforme contado por Dias Gomes em sua autobiografia ‘Apenas um Subversivo’, ele fora chamado à sede da emissora para uma reunião emergencial sobre a questão. “Sérgio Dourado era o dono de uma empresa imobiliária que estava destruindo o Rio de Janeiro, derrubando casas e mais casas para construir horrendos prédios de apartamentos. (…) Sérgio Dourado enfiara a carapuça porque eu mandara pesquisar o dia a dia do comércio imobiliário para poder escrever com segurança.”

Na época da novela, em entrevista ao repórter Felipe Adaime, da revista Amiga, declarou Dias: “Há uma identidade natural com diversas pessoas porque a novela fala de coisas que existem na realidade e que todos estão acostumados a ver diariamente. Porém, não houve nenhuma intenção da minha parte em fazer biografia de quem quer que fosse.”

Tamanha era a quantidade de placas de obras cuja construtora era a Sérgio Dourado Empreendimentos Imobiliários que os telespectadores identificaram sem muito esforço a figura dele no empreendedor em Lauro Fontana (Milton Moraes), em seu desejo de colocar a qualquer custo a casa da família Camará abaixo.

A residência dos irmãos Urânia (Vanda Lacerda), Baltazar (Ary Fontoura), Marcito (Carlos Eduardo Dolabella) e Tina (Susana Vieira) ficava num ponto privilegiado do bairro carioca de Botafogo, e Lauro cismou com aquele local para que nele fosse erguido o “Fontana Sky”, maior empreendimento de toda a sua vida: um hotel de 50 andares, com tudo de mais moderno, cinco cinemas, três boates, dois teatros e um circo, além de lojas dos mais variados produtos para compras durante o dia ou à noite.

O próprio Lauro, antigo menino pobre, hoje casado com a rica herdeira do patrão, Cordélia (Suely Franco), era apreciador de tudo quanto fosse novidade tecnológica. O corredor que levava à sua sala possuía uma esteira rolante, e a cama em que dormia com Cordélia trepidava a um simples toque de botão. Além dos óculos especiais para determinadas situações: um par com para-brisas, para ser acionado dentro de uma sauna, por exemplo, e outro com holofotes, a serem acesos em locais de pouca iluminação.

Além da oposição da família Camará, havia a atividade de Léo (Cláudio Marzo), que se coloca contra a construção do prédio em defesa do terreno, de 5 mil metros quadrados de área verde, e numa atitude de protesto diante da desumanização e das muitas obras semelhantes em todas as grandes cidades, a devastação da natureza em prol “do progresso”, da especulação imobiliária. Ele vivia um romance com a jovem Dora (Débora Duarte), cujo filho nasce no primeiro capítulo em pleno Túnel Rebouças, ocasião em que o casal se conhece.

No final da novela, os Camarás vendem a propriedade e a casa é demolida. “As grandes obras custam sacrifícios humanos. É o preço do progresso”, declara Lauro à sua antiga amante Helka (Rosamaria Murtinho) no último capítulo, quando ele sai vitorioso na disputa e iniciam-se as obras do “Fontana Sky”.

Por causa da novela, termos como “espigão” para se referir aos grandes prédios e “ecologia” se tornaram populares e foram incorporados ao vernáculo. Ainda, O Espigão influenciou determinantemente a discussão de temas ambientais, novidade para a época. No elenco ainda as presenças de Mauro Mendonça, Mário Lago, Milton Gonçalves, Rui Rezende, Lutero Luiz, Dorinha Duval, Jardel Mello, Maria Pompeu, Ibañez Filho e Luiz Magnelli, entre outros.

Em 1982, quando enfrentou problemas com a Censura por conta da minissérie Bandidos da Falange, de Aguinaldo Silva e Doc Comparato, que estrearia em 9 de agosto, a Globo resolveu reprisar O Espigão em compacto para tapar o buraco, mas as pressões do setor imobiliário foram bastante fortes, com direito a ameaças de boicote aos anúncios nos classificados do jornal O Globo no caso da novela voltar aos vídeos, segundo apontou Cidinha Campos em sua coluna na edição de 15 de agosto de 1982 do Jornal do Brasil.

Na época não era mais Sérgio Dourado quem pressionava; conhecedores da tônica da novela e de sua crítica ao negócio, os empresários do ramo não quiseram que mais algum deles fosse apedrejado durante um de seus lançamentos, como aconteceu ao próprio Dourado na zona sul carioca.

A minissérie foi liberada após negociações e cortes e exibida no início de 1983, já O Espigão só se reencontrou com o público agora, cinco décadas depois do lançamento. Sua integração ao catálogo do Globoplay serve também como homenagem a Dias Gomes, no ano em que se completam 25 anos do falecimento do dramaturgo – ocorrido em 1999, após um acidente automobilístico.

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