Adiamento

Benedito Ruy Barbosa e a Globo bateram de frente por causa de O Rei do Gado nos anos 1990: “Não vou modificar nada”

Novela seria a substituta de A Próxima Vítima, mas sofreu pelo menos duas protelações na "fila" da emissora

Publicado em 24/05/2023

Um dos grandes sucessos da teledramaturgia da TV Globo, que encerra mais uma passagem pelo Vale a Pena Ver de Novo na semana que vem, a novela O Rei do Gado foi exibida entre junho de 1996 e fevereiro de 1997 no horário nobre da casa – hoje, seria a novela das 21h. No entanto, a estreia estava programada para ocorrer bem antes disso, ainda em 1995.

O plano inicial era que O Rei do Gado substituísse A Próxima Vítima, de Silvio de Abreu, no segundo semestre de 1995. O diretor da produção já seria Luiz Fernando Carvalho, que vinha da condução do remake de Irmãos Coragem, de Janete Clair, exibido às 18h alguns meses antes.

A TV Globo encrencou com os personagens italianos de Benedito, já que a cúpula da emissora não estava muito satisfeita com os italianos da novela de Silvio. Temia-se que o público rejeitasse mais italianos logo na sequência, e a ideia foi solicitar a Benedito que eliminasse esses personagens.

O novelista não aceitou, também porque alegou muito justamente que os italianos se concentravam apenas nos primeiros capítulos de O Rei do Gado, que se passam na década de 1940, época da Segunda Guerra Mundial. Na visão de Benedito, era fundamental que houvesse os italianos da forma como imaginou, porque é da briga entre os Berdinazzi e os Mezenga que a novela surge.

Chegou-se a considerar o cancelamento do projeto e sua substituição por uma adaptação por Aguinaldo Silva de Mar Morto, romance de Jorge Amado, cogitada algumas vezes na época. De minissérie com 40 capítulos, o livro renderia uma novela tradicional, de sete ou oito meses. Em meio aos impasses entre Benedito e TV Globo, a emissora acabou cedendo. Para evitar a sequência de personagens italianos, ainda que durante poucos capítulos, O Rei do Gado foi adiada para 1996.

Além da questão com os italianos, a TV Globo também queria fazer determinados cenários em suas próprias instalações, ou em locações menos distantes do que o Rio Araguaia, por exemplo. Sobre isso, Benedito declarou ao Jornal do Brasil em agosto de 1995:

“Eu acho que é mais barato e verdadeiro gravar no próprio lugar em que a história se passa do que construir uma cidade cenográfica. Não dá, por exemplo, para fazer uma cidade cenográfica do Rio Araguaia, onde minha história se desenvolve, ou reproduzir um pôr do sol daquela região. No estúdio, o autor fica circunscrito aos limites da porta, da janela da casa cenográfica. A gente tem que mudar um pouco esse negócio e, ao invés de investir em cidade cenográfica, investir no país. Ou então a gente para”.

Ainda para o Jornal do Brasil, na mesma ocasião, o novelista falou, quando perguntado a respeito de ter feito modificações na história: “Não vou modificar nada, senão caio no ramerrão, na mesmice. E não tenho interesse nenhum em fazer um trabalho assim. Novela é um negócio em que você fica oito meses trabalhando direto, feito um desgraçado. Então tem que gostar do que se está fazendo”.

Para entrar na vaga que seria da história de Bruno Berdinazzi Mezenga (Antonio Fagundes), Mar Morto acabou deixada de lado e Glória Perez entrou em cena com Explode Coração, a história que foi enfim produzida e exibida, e na ocasião inaugurou os trabalhos nas instalações do Projeto Jacarepaguá (Projac), hoje Estúdios Globo.

Curiosamente, em 1993, outra novela de Benedito Ruy Barbosa acabou adiada e teve seu lugar ocupado por uma criação de Glória Perez: Renascer, que cedeu a vaga para De Corpo e Alma.

Houve outro problema em 1995 que atrapalhou os planos de Benedito Ruy Barbosa: Luiz Fernando Carvalho não se considerava em condições para dedicar-se à novela como gostaria, devido a outros compromissos, e pediu dispensa da tarefa de dirigi-la.

Chegou a sugerir Herval Rossano para conduzir a história em seu lugar, junto dos mesmos diretores que acabaram ajudando-o depois: Carlos Araújo, Emílio Di Biasi e José Luiz Villamarim, atual diretor de gênero de Teledramaturgia da TV Globo. Com o adiamento da novela, Luiz Fernando pôde dirigi-la.

Um novo adiamento de O Rei do Gado ocorreu, já em 1996. Desde fevereiro algumas locações no interior de São Paulo serviam de cenário para os conflitos de Antonio Mezenga (Antonio Fagundes) e Giuseppe Berdinazzi (Tarcísio Meira), que disputam terras na divisa de suas fazendas e cujos filhos, Enrico (Leonardo Brício) e Giovanna (Letícia Spiller), se apaixonam à la Romeu & Julieta.

Mas os primeiros capítulos, muito bem cuidados, não ficariam prontos a tempo de fazer com que a novela estreasse na data prevista, 6 de maio. A solução foi exibir depois de Explode Coração a “supernovela em 35 capítulos” O Fim do Mundo, de Dias Gomes, na verdade uma minissérie que ocuparia a faixa das 22h. O Rei do Gado enfim estreou em 17 de junho de 1996, e ficou marcada pelo sucesso.