OLHAR PERIFÉRICO

Isso o jornal não mostra: Sintonia dá aula honesta sobre pancadões

Produção nacional da Netflix apresenta os mais variados pontos de vista dos fluxos

Publicado em 29/10/2021

Intervenção controversa na rotina de uma comunidade periférica, os pancadões de funk nas madrugadas de sexta, sábado e noites de domingo são recorrentemente debatidos em telejornais, sites e outros veículos de mídia. Porém, na maioria das vezes, quem opina ou dita o ritmo da conversa está de fora da questão. Sintonia, com o ponto de vista da favela, corrige isso.

A segunda temporada da série nacional da Netflix estreou na última quarta-feira (27) e coloca os pancadões em destaque em episódios como o segundo e o quarto. Intimista e honesta, Sintonia dá uma aula sobre os impactos positivos e negativos dessas festas regadas a muito funk e bebidas. É uma exposição que não se encontra em nenhum outro lugar, seja no entretenimento ou no jornalismo.

Perspectivas

Quando se fala da periferia na mídia, se esquece de destacar os sujeitos centrais do debate. Mudo aqui o estilo do texto para narrar uma perspectiva em primeira pessoa, de quem há 28 anos mora em Itaquera, zona leste da cidade de São Paulo.

Estou a minutos de distância do estádio do Corinthians. Lembro da época quando ele estava sendo erguido. O então SPTV, o jornal da Globo local na hora do almoço, fez uma reportagem exibindo o quanto a arena estava distante do centro da cidade. A pregação era de que o local era longe. Mas longe de quem? 

No caso dos rolezinhos, em 2013, aconteceu algo semelhante, sobre não dar espaço às pessoas certas. O estopim foi justamente no Shopping Itaquera. Coincidentemente, no dia D, eu passei pelo local e presenciei aquela multidão de jovens reunidos.

Foi risível ver a repercussão daquilo na mídia. O único acerto foi condenar a violência e a desordem. Porém, quando partiram para tentar entender o porquê do movimento, surgiram teses esdrúxulas com sotaque acadêmico tentando entender a visão dos jovens sem falar com eles. Alguns dias depois, a Folha de S.Paulo foi a primeira a dar voz aos garotos e garotas da quebrada. Daí puderam entender o que de fato estava acontecendo.

Imagem de pancadão na série Sintonia
Imagem de pancadão na série Sintonia ReproduçãoNetflix

A aula de Sintonia

Na trama de Sintonia, a comunidade de Vila Áurea está com um problema. Os pancadões varam a madrugada, deixam a área suja prejudicando os comerciantes e tiram o sono dos trabalhadores que só querem descansar -como bem mostrado nos passos de Rita (Bruna Mascarenhas).

Esse é um lado da questão, que tende a ser o mais explorado pela mídia. Sintonia vem com o outro ponto, o das pessoas da própria comunidade dependentes dos pancadões para ganhar dinheiro e sustentar a família. Além de ser, de fato, uma diversão disponível aos jovens adeptos a esse estilo de farra.

O mediador da contenda é Nando (Christian Malheiros), chefe do crime na quebrada, disposto a atender satisfatoriamente a todos, a turma do sossego e o grupo festeiro.

Só o fato de dispor os dois pontos de vista na mesa em destaque já é um serviço público de Sintonia. Quem é de fora percebe como as coisas funcionam à luz do dia. E quem é de dentro se identifica, pois vive essa dicotomia na pele. 

O retrato pintado por Sintonia sobre os pancadões é o melhor e mais honesto que se tem por aí.


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