REVOLUÇÃO

Há 25 anos, Ellen mudou a história da TV ao revelar personagem lésbica

Ellen DeGeneres assumiu homossexualidade junto com a personagem dela na série

Publicado em 30/04/2022

Em 30 de abril de 1997, o mundo das séries deixou de ser o mesmo. Pela primeira vez na TV americana, uma protagonista assumiu ser homossexual (e a atriz que a interpretava também). No mesmo dia, a comediante Ellen DeGeneres revelou ser lésbica para todo mundo, o mesmo feito pela personagem dela, a empresária Ellen Morgan. Tal acontecimento provocou boicotes, revolta, audiência espetacular e revolução em Hollywood.

O tema homossexualidade era muito tabu na TV há 25 anos. Antes disso, houve aqui e ali algumas menções do assunto nas séries, como o casamento de Carol (Jane Sibbett) e Susan (Jessica Hecht) em Friends, em 1996. Porém, nunca houve uma protagonista lésbica, integrante central de uma trama.

E justamente em 1996 começou a construção do The Puppy Episode, nome do capítulo que Ellen revelou ser lésbica. A atriz tinha a intenção de tornar pública a homossexualidade junto com a personagem. Isso seria o ideal para ela, que poderia tratar abertamente da sexualidade tanto na TV quanto longe dela.

Ellen (a personagem) ser lésbica faria sentido para a história, pois a dona de uma livraria nunca se dava bem com homens, faltava química –a série estava na quarta temporada, de cinco.

Nota-se que demorou um ano entre a concepção da ideia e a exibição do episódio. Não bastava ter o roteiro pronto e tudo acertado entre o pessoal da comédia. Uma ação desse tipo precisava da benção dos executivos da rede ABC, que exibia a série nos Estados Unidos. Aí a coisa ficou complicada.

Torcida de nariz

O pessoal da alta cúpula da ABC não digeriu bem a ideia de Ellen revelar a homossexualidade. Um executivo chegou a contrapor a proposta dizendo que a personagem deveria “arranjar um cãozinho [puppy]. Eis a origem do nome do episódio.

Apesar da torcida de nariz, a emissora acabou autorizando a produção do capítulo. Tudo acontecia no mais absoluto sigilo, para a história não vazar antes de ir ao ar. O roteiro, vejam só, foi escrito em um papel vermelho com o texto em preto, combinação ruim de ser replicada em um xerox (lembre-se, o cenário é os anos 1990, quando copiar documentos em uma máquina era praxe).

Além disso, os atores tinham de destruir o roteiro que recebiam após a leitura, jogando-o em um triturador de papel ou devolvê-lo aos produtores. 

Ellen DeGeneres (à esq.) com Laura Dern no The Puppy Episode, da série Ellen
Ellen DeGeneres (à esq.) com Laura Dern no The Puppy Episode, da série Ellen

Boicotes e repercussão

Ellen era uma série popular na época. Ou seja, atraia muita publicidade. Nesse caso específico, os anunciantes foram avisados de antemão sobre o conteúdo do episódio. Muitos desistiram dos comerciais, não querendo se associarem com uma história tida como escandalosa.

No dia de exibição do episódio, o jornal The New York Times publicou uma extensa reportagem falando só sobre os anunciantes da série (perceba como o assunto era polêmico e chamava a atenção). No texto, somente uma empresa deu às caras e falou abertamente sobre não fazer publicidade na comédia: a Chrysler, montadora de carros.

Uma porta-voz da empresa foi franca ao comentar o tema: “O clima acerca disso é tão intenso e raivoso que nós sentimos que vamos perder não importa o que façamos”. Ela falava sobre anunciar no episódio ou ficar de fora. 

E, sim, houve muita repercussão negativa, com parte do público atacando as empresas que surgiram nos comerciais do episódio (teve uma hora de duração). No dia seguinte, a revelação de Ellen causou ira em muita gente, principalmente de religiosos. Pat Robertson, um dos televangelistas mais proeminentes dos EUA, disse que aquilo era “uma descarada tentativa de promover a homossexualidade.”

Visto por 42 milhões de pessoas, The Puppy Episode ganhou o Emmy de melhor roteiro de série de comédia. Na quinta temporada, a série Ellen investiu mais na sexualidade da protagonista. A série foi cancelada em 1998. Executivos da ABC creditaram a queda de audiência pelo fato de a atração “ser sobre uma personagem que é lésbica toda semana.”

Ellen DeGeneres no programa The Ellen DeGeneres Show
Ellen DeGeneres no programa The Ellen DeGeneres Show

O legado positivo superou as adversidades. Ellen DeGeneres sofreu para se recolocar na indústria após o fim de Ellen. A volta aos holofotes ocorreu em 2003, na estreia do talk show The Ellen DeGeneres Show, que chegará ao fim no mês que vem, quase duas década no ar. Fora isso, emplacou diversos trabalhos como anfitriã de premiações, do Emmy ao Oscar.

O feito da série Ellen foi quebrar barreiras, de fato. Um ano depois do The Puppy Episode, a rede NBC estreou Will & Grace, comédia com dois homens abertamente gays no horário nobre, série premiada e sucesso de audiência. Ellen abriu as portas para outras tantas atrações sobre a comunidade LGBTQIA+.

Na edição da última quinta-feira do The Ellen DeGeneres Show, a comediante de 64 anos falou sobre o episódio transformador. “Há 25 anos foi ao ar o episódio em que eu saí do armário. E, hoje, a única hora em que eu entro no armário é quando brinco de esconde-esconde com Portia [de Rossi, mulher de Ellen], brincou. ⬩

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