TV Cultura, 50 anos: uma dramaturgia de vanguarda sem elitismo

Publicado em 15/06/2019

Em seus 50 anos de atividades, completados neste 15 de junho de 2019, a TV Cultura sempre buscou primar por uma produção que aliasse entretenimento e educação, no sentido de instrução da palavra. E é claro que a dramaturgia, que através de seus enredos e personagens pode colaborar profundamente no aprendizado, além da pura e simples diversão que propicia. De tal forma que produções de dramaturgia integraram a programação da emissora em diversas ocasiões e em variados formatos.

Programas sobre teatro e arte dramática na grade da TV Cultura

Já em 1969 a TV Cultura exibiu O Ator na Arena, programa apresentado pelo ator e diretor Ziembinski no qual se falava de diversos aspectos do fazer teatral. Atualmente, a grade abriga o Persona Em Foco, no qual Atílio Bari comanda encontros com expoentes da dramaturgia brasileira. Em 1981, foi exibida a série A Aventura do Teatro Paulista, com depoimentos de quem modificou a atividade da classe no teatro de São Paulo nas décadas anteriores, como Tonia Carrero e Paulo Autran. Além de A História da Telenovela, produzida em 1979. A série criada por Carlos Queiroz Telles apresentou o desenvolvimento do gênero desde os primórdios até a atualidade da época. Só para ilustrar, bastidores de novelas como Cara a Cara (Bandeirantes) e Cabocla (Globo) foram mostrados na série.

Meu Pedacinho de Chão: uma novela na TV Cultura

Em 1971, a TV Cultura e a Rede Globo fizeram em regime de coprodução a novela Meu Pedacinho de Chão, que era exibida pelas duas em simultaneidade, mas não em cadeia. Escrita por Benedito Ruy Barbosa e Teixeira Filho e dirigida por Dionísio Azevedo, a história era exibida pela Cultura às 10h e às 22h e pela Globo às 13h e às 18h, inaugurando esse horário para o gênero na TV de Roberto Marinho. A parceria deu um fruto histórico no ano seguinte: o infantil Vila Sésamo, também coproduzido pelas duas emissoras.

A proposta de Meu Pedacinho de Chão era essencialmente pedagógica, valendo-se do ambiente rural para tratar de temas como alfabetização, higiene e os problemas da vida no campo. Duas crianças, Serelepe (Ayres Pinto) e Pituca (Patrícia Aires), vivem uma amizade tumultuada pelas atitudes do tirano Coronel Epaminondas (Castro Gonzaga), pai da menina. A professora Juliana (Renée de Vielmond) também tem destaque na história. Em 2014, Benedito retomou a proposta na Rede Globo apenas, mas com outra abordagem, mais fantasiosa e sem tom pedagógico. Além disso, em 1983 foi produzida Voltei pra Você, sequência de Meu Pedacinho de Chão com Serelepe (Paulo Castelli) e Pituca (Cristina Mullins) adultos.

Teatro 2: nos anos 1970, Nydia Lícia implanta o teleteatro de prestígio

Logo após a posse de Laudo Natel no governo do estado de São Paulo, dois assessores novos assumiram seus cargos na emissora: Nydia Lícia (Cultura) e Samuel Pfromm Netto (Educação). Eles chegaram junto com um novo presidente da Fundação Padre Anchieta, Raphael Noschese, substituto de José Bonifácio Coutinho Nogueira. Atriz do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e, posteriormente, de sua própria companhia teatral, que fundou com o marido e também ator Sérgio Cardoso, Nydia revelou-se escolha mais do que acertada. E o maior fruto de seu trabalho na TV Cultura, com toda a certeza, foi o estabelecimento do Teatro 2.

Entre 1974 e 1979, a emissora produziu e exibiu 122 teleteatros, sendo quase 90 deles de autores nacionais de variadas vertentes e ideologias. De Oduvaldo Vianna Filho a Jorge Andrade, de Guimarães Rosa a Lygia Fagundes Telles, de José Vicente a Consuelo de Castro. Entre os estrangeiros, só para ilustrar, Fiódor Dostoiévski, Luigi Pirandello, Agatha Christie e Henrik Ibsen. Posteriormente, diversos programas da série foram reprisados em várias ocasiões.

Antunes Filho e a marca de seu trabalho criativo na TV Cultura

O Teatro 2 teve em Antunes Filho, recentemente falecido, um de seus grandes expoentes. Textos como A Escada, de Jorge Andrade, e Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, tiveram adaptações elogiadas feitas pelo diretor. Kiko Jaess, Antonio Abujamra e Ademar Guerra também dirigiram peças do Teatro 2, além da própria Nydia Lícia.

Cabaret Literário: uma forma interessante e inteligente de apresentar escritores ao público

A série Cabaret Literário foi produzida no início dos anos 1980. Sua proposta era aproximar autores da literatura e o público. Para tanto, histórias que aliavam biografia e obras de grandes escritores eram apresentadas tendo um cabaré como cenário principal. Entre funcionários, frequentadores e presenças eventuais, as figuras humanas que transitavam pelo cabaré compunham o universo das obras e criadores em questão. Silvio de Abreu, Renata Pallottini e Lílio Alonso foram alguns dos roteiristas, e Ítalo Morelli respondia pela direção. Só para exemplificar, entre os temas dos episódios estiveram Mario Quintana, Machado de Assis e Mário de Andrade.

Entre os diversos atores que participaram do Cabaret Literário, podemos destacar Rubens de Falco, Esther Góes, Maria Isabel de Lizandra, Herson Capri, Cacilda Lanuza, Paulo Hesse, Selma Egrei, Amilton Monteiro, Ana Rosa e Chico Martins.

Teleconto e Telerromance: TV Cultura e a teledramaturgia em capítulos

Em 1981, a TV Cultura decidiu investir em produções de teledramaturgia exibidas em capítulos. No entanto, não eram novelas convencionais, de seis meses de duração em média. O Teleconto e o Telerromance apresentavam adaptações de obras literárias para a televisão. Cada adaptação do Teleconto era apresentada em cinco capítulos, ao passo que o Telerromance durava de 20 a 30. Embora na época o termo “minissérie” já não fosse novidade, uma vez que histórias nesse formato já eram exibidas nas TVs comerciais, as produções da TV Cultura não eram chamadas assim.

A primeira história do Teleconto foi uma adaptação de Jorge Andrade para O Velho Diplomata, de Josué Montello. A direção foi de Antonio Abujamra e o elenco teve entre seus integrantes Rodolfo Mayer, Beatriz Segall e Selma Egrei. No decorrer de 1981 foram exibidas cerca de 20 histórias. Contudo, nem todos os originais adaptados eram propriamente contos; textos para teatro e romances também originaram telecontos.

O contato com os clássicos brasileiros e a proposta da comparação com a versão televisiva

Já o Telerromance foi iniciado com O Vento do Mar Aberto, texto de Mário Prata a partir do romance de Geraldo dos Santos. Honório (Herson Capri) era um ex-presidiário, que cumpriu pena em virtude de ter assassinado a namorada Camila (Kate Hansen). O rapaz fazia parte de uma família de pescadores, os Ruano, liderados por Tonho (José Parisi) e Clara (Cleyde Yaconis). Dirigida por Edison Braga, essa foi a primeira de 17 mininovelas apresentadas no Telerromance, cujo sucesso de audiência levou a TV Cultura a apresentar duas histórias ao mesmo tempo a certa altura.

Dois dos telerromances, Iaiá Garcia e Música ao Longe, já em 1982, motivaram a promoção de concursos com a participação de estudantes, que eram estimulados a comparar o original literário e a versão escrita para a televisão. Outros romances adaptados na ocasião foram Partidas Dobradas, O Coronel e o Lobisomem, Floradas na Serra e Casa de Pensão. Além disso, Pensão Riso da Noite, de José Condé, que em 1984 deu origem à minissérie Rabo-de-saia na Rede Globo, anteriormente foi transposta pela TV Cultura com o título Seu Quequé. A fórmula de adaptações literárias para novela, sucesso comprovado, ganhou aqui cores de programa “instrutivo”. Sem com isso comprometer seu potencial enquanto narrativa seriada, a saber.

Senta que Lá Vem Comédia e Direções: projetos com o olhar dos novos tempos

Na década de 2000, duas iniciativas da dramaturgia da TV Cultura apresentaram bons trabalhos e representaram uma janela para o gênero na grade da emissora. Senta que Lá Vem Comédia consistiu em adaptações de textos teatrais clássicos e modernos nos quais o humor fosse a principal característica. Os espetáculos eram gravados em teatros, com plateia. Alguns dos programas foram Os Ossos do Barão, de Jorge Andrade, e Toda Donzela Tem Um Pai que É Uma Fera, de Gláucio Gil.

Direções apresentou pequenas minisséries, em geral com quatro episódios cada uma, inicialmente nas noites de domingo. Os profissionais responsáveis por elas nem sempre tinham muita experiência em televisão, no entanto, eram figuras de destaque no cinema e no teatro. Entre eles, Ivam Cabral, Rodolfo García Vázquez e Tata Amaral. Trago Comigo, Além do Horizonte, O Louco dos Viadutos e Unidos do Livramento foram alguns dos projetos. Sem o engessamento das produções comerciais, foi possível apostar em fórmulas de dramaturgia menos “digestíveis”, mais provocativas.

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