Os 55 anos da telenovela diária no Brasil – Parte I

Publicado em 28/12/2018

Em 2018, completaram-se 55 anos da teledramaturgia diária no Brasil. Foi em 1963 que a TV Excelsior de São Paulo decidiu investir nesse regime de exibição, com sua novela das 19h 2-5499 Ocupado. O original do argentino Alberto Migré foi adaptado por Dulce Santucci e dirigido por um conterrâneo do autor, Tito Di Miglio. Glória Menezes vivia a presidiária que conhecia o advogado interpretado por Tarcísio Meira após uma linha cruzada. Os dois se apaixonavam, e além da condição de detenta dela tinham de lidar com a falsa amiga, papel de Lolita Rodrigues. Foi o pontapé de uma história de sucesso, com o gênero que ainda rende grande audiência na TV brasileira. Mesmo com sua morte sendo apontada para breve há muitos anos.

Década de 1960: o estouro da teledramaturgia diária

Entre 1951, quando estreou a pioneira Sua Vida me Pertence, até 1963, as novelas eram exibidas apenas duas ou três vezes por semana. Nos outros dias, seu horário era ocupado por vezes por atrações de outros gêneros até, como musicais ou humorísticos. Só quando a TV Excelsior trouxe de outros países latinos, especialmente da Argentina, a proposta da programação horizontal, com o mesmo programa exibido todos os dias no mesmo horário, isso começou a mudar. Durante o segundo semestre de 1963, apenas a emissora apostou em teledramaturgia diária. No entanto, a partir de 1964, todas as concorrentes correram atrás do prejuízo.

Wálter Forster e Vida Alves
Wálter Forster e Vida Alves em Sua Vida Me Pertence arquivo

TV Tupi, TV Paulista, TV Record, TV Globo, TV Bandeirantes; cada canal passou a apresentar pelo menos uma novela diária. Até produção “importada” de outros estados teve vez, quando a Band exibiu A Menina do Sobrado Grande, de Semíramis Alves Teixeira, em 1967. A novela era uma produção da TV Jornal do Comércio, de Pernambuco. No mesmo ano a emissora dos Saad apresentou sua primeira produção própria, Os Miseráveis, de Walther Negrão a partir da obra de Victor Hugo.

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TV Tupi e os sucessos artesanais da telenovela diária

Alma Cigana (1964), a saber, foi a pioneira da teledramaturgia diária da Tupi. Adaptada por Ivani Ribeiro do original de Manuel Muñoz Ricco, apresentou Ana Rosa no papel principal, a jovem que se divide entre duas personalidades, a cigana e a freira. Ao final do mesmo ano, estreou o grande sucesso O Direito de Nascer, da obra de Félix Caignet. Eram tempos heroicos, de menos recursos do que hoje. O modo de fazer novelas era bem mais próximo do artesanal, e as histórias tinham menos personagens. Outros originais adaptados, como O Cara Suja (1965), Somos Todos Irmãos (1966) e A Ré Misteriosa (1967), também marcaram a época. No final da década, um processo de renovação começou com o abrasileiramento dos temas, em Antônio Maria e Beto Rockfeller, ambas estreadas em 1968.

Luís Gustavo e Plínio Marcos em Beto Rockfeller (Divulgação)
Luís Gustavo e Plínio Marcos em Beto Rockfeller Divulgação

Mesmo com os musicais e humorísticos, a Record também se rendeu ao gênero nos anos 1960 em duas ocasiões, com títulos como Renúncia (1965) e A Última Testemunha (1968). Além de apresentar novelas humorísticas, como Quatro Homens Juntos e Quem Bate, ambas de 1965.

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Os dramalhões de Glória Magadan na TV Globo e as boas ideias de Ivani Ribeiro na TV Excelsior

Duas autoras foram muito produtivas na década de 1960 e consagraram-se como profissionais do gênero. A cubana Glória Magadan foi contratada pela TV Globo para conduzir seu departamento de teledramaturgia ao êxito. Ela, que era senhora do gênero em seu trabalho como curadora e adaptadora de textos a serem aproveitados pelas emissoras sob patrocínio de companhias como a Colgate e a Gessy. Novelas como O Sheik de Agadir (1966), A Rainha Louca (1967) e A Gata de Vison (1968) são mostras de um tempo no qual a preocupação com a realidade brasileira era zero. Ao menos, da parte de Glória Magadan. “Brasileiro não é povo para me sugerir histórias e personagens”, declarou ela.

Na TV Excelsior, enquanto os espectadores da Globo acompanhavam tramas passadas no Japão ou na Chicago dos anos 1920, o Brasil começava a ganhar espaço. Ivani Ribeiro escreveu para a emissora 13 novelas consecutivas entre 1965 e 1970. Exibida às 19h30, a série de histórias viajou por uma gama vasta de temas e períodos históricos. Seja a São Paulo do fim do século 19 em A Deusa Vencida (1965), a época da Inconfidência Mineira em Dez Vidas (1969) ou o tempo das bandeiras paulistas em A Muralha (1968), Ivani adaptou autores brasileiros e estrangeiros, bem como desenvolveu histórias por si. Redenção, de Raimundo Lopes, também merece ser lembrada: com seus 596 capítulos, ainda é a recordista em duração.

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Nos anos 1970, a Censura ironicamente contribui para um período áureo da telenovela diária

Conforme atingia cada vez maiores e mais estáveis índices de audiência, a telenovela chamava também mais atenção da Censura. Ainda, os temas nacionais enfim chegaram ao gênero, e com isso criaram-se problemas.

Na Globo, os três horários de novela mudaram de cara na virada para os anos 1970. Às 19h, os Estados Unidos da Guerra de Secessão em A Cabana do Pai Tomás davam lugar a Pigmalião 70. O protagonista era o mesmo, Sérgio Cardoso. Todavia, a história da transformação do feirante Nando em homem refinado e culto vinha revestida num clima atual. Às 20h, Janete Clair se livrava da ascendência de Glória Magadan e fazia Véu de Noiva, a “novela-verdade”. Nada a ver com a antecessora Rosa Rebelde, passada na Espanha das invasões napoleônicas. E no recém-criado horário das 22h, Dias Gomes falava de reforma agrária e questões étnicas, além do desquite, em Verão Vermelho, após de livrar da Veneza de 1500 tratada em A Ponte dos Suspiros.

Ao longo da década de 1970, a Record abandonou o gênero. Mas nos primeiros anos ainda investia nele e teve bons momentos com novelas de Lauro César Muniz. Entre 1970 e 1971 foram exibidas As Pupilas do Senhor Reitor e Os Deuses Estão Mortos. Com o fim da Excelsior em 1970, muitos de seus profissionais engrossaram as fileiras da Tupi. Esta tornou-se a grande concorrente da Globo. Apesar de alguns retrocessos na inovação temática do gênero que começou nela, a Tupi alcançou êxito com vários títulos na década. Entre eles, Mulheres de Areia, Os Inocentes, A Barba Azul, A Viagem e O Profeta, todas de Ivani Ribeiro. Além de Éramos Seis, de Silvio de Abreu e Rubens Ewald Filho, Gaivotas, de Jorge Andrade, e Ídolo de Pano, de Teixeira Filho.

Na Globo, a fórmula dos horários das 6, 7, 8 e 10 favorece a telenovela diária

No entanto, especialmente os anos 1970 foram mesmo da Globo. Foi a emissora dos maiores êxitos e de grandes propostas para o gênero, numa evolução do que começou em 1968. Janete Clair tornou-se “Nossa Senhora das Oito” com um sucesso atrás do outro no horário. Irmãos Coragem, Selva de Pedra, Pecado Capital, O Astro e Pai Herói são apenas cinco deles. O mesmo horário apresentou Lauro César Muniz com as inovadoras Escalada, O Casarão e Espelho Mágico.

Inovação foi o que não faltou às 22h, inclusive. Dias Gomes, Jorge Andrade, Bráulio Pedroso e Walter George Durst escreveram histórias que marcaram o gênero. Bandeira 2, O Bem-amado, O Espigão e Saramandaia expuseram mazelas políticas e sociais. Gabriela transpôs com felicidade e respeito o universo de Jorge Amado. O Bofe e O Rebu criticaram a alta sociedade. Os Ossos do Barão e O Grito alinhavaram a construção da sociedade brasileira a temas espinhosos como a senilidade.

Rubens de Falco e Lucélia Santos em Escrava Isaura, de 1976 (Reprodução/TV Globo)
Rubens de Falco e Lucélia Santos em Escrava Isaura de 1976 ReproduçãoTV Globo

A leveza, a sofisticação e os clássicos da literatura brasileira

Nos horários das 19h e, depois, das 18h (criado em 1975), histórias mais leves, com comédia e romance. Cassiano Gabus Mendes foi “a Janete das 19h” com seus êxitos em sequência iniciados em 1976, como Locomotivas. Mário Prata e Bráulio Pedroso também marcaram na faixa com Estúpido Cupido e Feijão Maravilha. Esta era uma homenagem às antigas chanchadas da Atlântida Cinematográfica, a saber. Com direito a Grande Otelo e José Lewgoy no elenco.

Às 18h, até 1982 foram exibidas apenas adaptações de clássicos literários ou teatrais. Senhora, A Moreninha e Escrava Isaura, entre outros, se reencontraram com o público (e o ampliaram) através da televisão.

O retorno da Bandeirantes ao gênero, já quase nos anos 1980

Ao final da década, a Bandeirantes voltou a investir na telenovela diária com Cara a Cara, de Vicente Sesso. Os investimentos foram altos, com a contratação de astros da Globo e da Tupi, esta já em decadência, aliás. Todavia, a Globo, com sua estratégica grade de programação ensanduichando jornalismo, novelas e shows, atravessou os anos 1970 hegemônica. A Censura aguçava a criatividade dos autores, embora nociva e condenável. Era necessário buscar formas novas para transmitir mensagens cortadas pelos censores.

Logotipo da novela Cara a Cara (Reprodução/Band)
Logotipo da novela Cara a Cara ReproduçãoBand

Década de 1980: o aumento da concorrência

Nos anos 1980, a Globo se viu em pouco tempo enfrentando a concorrência acirrada de três outras emissoras no setor de dramaturgia, inegavelmente. A Band investiu muito e obteve prestígio com Os Imigrantes e Ninho da Serpente. Além da Band, que produziu novelas e séries até 1984, a primeira metade da década viu surgirem o SBT e a Manchete. Em 1982 Silvio Santos iniciou uma série de novelas, a princípio adaptadas de originais mexicanos. Destino foi a primeira. A ela seguiram-se títulos como A Força do Amor, Anjo Maldito e Vida Roubada. Além de exibir novelas mexicanas dubladas em português. Destas, Os Ricos Também Choram, Chispita e Estranho Poder foram alguns dos sucessos, conforme se investiu mais no filão.

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A Manchete estreou em 1983 e iniciou sua produção de dramaturgia no ano seguinte, a saber. Embora as primeiras investidas foram minisséries, em 1985 veio a primeira novela, um remake de Antônio Maria. Até o fim da década, com ousadia e criatividade aliados a talento, as novelas da casa chamaram cada vez mais atenção. Posteriormente, Dona Beija, Corpo Santo e Kananga do Japão marcaram bons tentos na telenovela diária.

No entanto, a posição da Globo ainda era bastante cômoda. A novela das 22h acabou em 1979, ao término de Sinal de Alerta. Houve uma sobrevida em 1983 com Eu Prometo. Mas os outros horários seguiram imbatíveis. Vez por outra algum sobressalto, em virtude da maior concorrência, mas nada que abalasse muito. O horário das 18h incorporou características das antigas novelas das 19h e se atualizou. Novelas urbanas ou rurais, leves e românticas, tiveram bastante êxito. Algumas foram Paraíso, A Gata Comeu, Sinhá-Moça e Fera Radical.

Grandes êxitos nos horários das 19h e das 20h

Cassiano Gabus Mendes e Silvio de Abreu escreveram grandes sucessos para o horário das 19h. Plumas e Paetês, Elas por Elas, Guerra dos Sexos e Ti-ti-ti, entre outras, definiram um estilo seguido até hoje. Só para ilustrar, não raro a novela das 19h marcava a mesma audiência da novela das 20h – ou mais.

Beatriz Segall como Odete Roitman em Vale Tudo
Beatriz Segall como Odete Roitman em Vale Tudo

Mas a faixa mais nobre apresentou fenômenos de repercussão. Água Viva, de Gilberto Braga, marcou a geração 80. Louco Amor, também de Gilberto, embora o autor não goste dela, fez muito sucesso e deixou para a posteridade a vilã Renata Dumont (Tereza Rachel). Baila Comigo, de Manoel Carlos, atualmente em reprise no Viva, emocionou o Brasil com a história dos gêmeos Quinzinho e João Victor (Tony Ramos). Roque Santeiro, liberada em 1985 após dez anos censurada, se tornou o maior sucesso da telenovela diária na história. A trinca exibida entre 1988 e 1990 também foi coqueluche: Vale Tudo (há 30 anos o País se perguntava “Quem matou Odete Roitman?”, O Salvador da Pátria e Tieta.

Na Parte II, vamos fazer um panorama da teledramaturgia diária no Brasil dos anos 1990 até aqui.

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