O Rei do Gado: 22 anos do sucesso com história de rixa no interior do Brasil e sem-terra

Publicado em 18/06/2018

Em 17 de junho de 1996, a Rede Globo estreou um de seus maiores sucessos na década de 1990, O Rei do Gado. Novela de autoria de Benedito Ruy Barbosa, com direção geral de Luiz Fernando Carvalho.

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A primeira fase é um dos mais belos momentos da história da teledramaturgia. Ela se passa no interior de São Paulo, na primeira metade da década de 1940. Nessa época as famílias Berdinazzi e Mezenga entram em conflito por um pedaço de terra, disputado pelos patriarcas Giuseppe (Tarcísio Meira) e Antonio (Antonio Fagundes), na fronteira entre as propriedades. O filho único de Antonio e Nena (Vera Fischer), Enrico (Leonardo Brício), se apaixona pela filha mais nova de Giuseppe, Giovanna (Letícia Spiller). Então, o romance desperta a ira de Berdinazzi e dos filhos Geremias (Caco Ciocler) e Giacomo (Manoel Boucinhas). Mas não de Bruno (Marcello Antony), que incentiva a irmã e, pouco depois, parte para lutar na Segunda Guerra Mundial na Itália, onde morre.

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Enrico e Giovanna fogem juntos e se casam. Os velhos Giuseppe e Antonio morrem. O tempo passa e o fruto da união de seus filhos, Bruno (Antonio Fagundes), enriquece tanto com a criação de bois que ganha a alcunha de “Rei do Gado”. Ele renega o ramo Berdinazzi de sua família, devido a tudo que os pais sofreram. E também ao golpe dado pelos tios na avó materna Marieta (Eva Wilma), que ficou sem nada após a venda das terras. Por isso, apresenta-se apenas como Bruno Mezenga, ou “Bruno Bê Ponto Mezenga”.

O Rei do Gado é casado com Leia (Sílvia Pfeifer), de vivência completamente diferente da sua e que não o compreende. Ela o trai com o motorista Ralf (Oscar Magrini). Os filhos do casal são Marcos (Fábio Assunção), jovem inconsequente, que só se ocupa em gastar o dinheiro do pai, e Lia (Lavínia Vlasak), mais ajuizada.

A vida de Bruno começa a sofrer uma guinada quando ele descobre que é traído por Leia. Nessa mesma época enfrenta a invasão de uma de suas fazendas, em Pereira Barreto (SP), por um grupo de trabalhadores sem-terra liderados por Regino (Jackson Antunes). Ao ir para a fazenda negociar a liberação das terras, Bruno conhece a boia-fria Luana (Patrícia Pillar), por quem se apaixona. Ele sequer imagina que ela na verdade se chama Marieta Berdinazzi, como a avó materna de ambos – é sua prima, filha do tio Giacomo.

Patrícia Pillar como Luana em O Rei do Gado
Patrícia Pillar como Luana em O Rei do Gado Divulgação

Longe dali, em Guaxupé, Minas Gerais, Geremias (Raul Cortez), velho e adoecido, convive com a falta de herdeiros e com o remorso por ter aplicado um golpe na mãe ao lado de Giacomo e depois neste, ficando com todo o patrimônio da família para si. É bem verdade que ele multiplicou o obtido e hoje é um dos maiores produtores de leite do País. Mas é também verdade que vive infeliz tendo apenas a companhia da fiel empregada Judite (Walderez de Barros). Mas eis que surge na fazenda a jovem Marieta (Glória Pires), dizendo ser sobrinha de Geremias, filha de Giacomo.

Desejosa de se apossar da herança do tio, a moça se envolve com Otávio (Guilherme Fontes). Ele é filho de um homem de confiança de Geremias, Olegário (Rogério Márcico), eventual beneficiado pela herança assassinado por Fausto (Jairo Mattos), advogado de Geremias, de olho num naco maior para si. Mas uma paixão mesmo surge entre Marieta e Marcos, que troca a namorada Liliana (Mariana Lima) por ela, em constantes idas e vindas entre Ribeirão Preto e o interior de Minas. Na verdade, a jovem mente quando diz ser herdeira de Geremias por ser filha de Giacomo. Mas não se considerado o real parentesco: ela na verdade se chama Rafaela e é neta de Bruno. O fruto de um romance que o rapaz vivera na Itália com uma jovem de nome Gemma (Luiza Fiori/Sônia Tozzi).

Glória Pires e Raul Cortez como Rafaela e Geremias em O Rei do Gado
Rafaela Glória Pires e Jeremias Berdinazzi Raul Cortez Divulgação

Outro personagem de grande destaque na história é o senador da República Roberto Caxias (Carlos Vereza). Honestíssimo, incorruptível, sendo por isso tido por bobo pela esposa Maria Rosa (Ana Rosa). Os dois são pais de Lia e o senador é grande amigo de Bruno, com quem conversa muito sobre política e a situação dos sem-terra. Questão com a qual Caxias se envolve pessoalmente. A falta de apoio da mulher para sua conduta ilibada leva-o a corresponder ao amor da jovem e bonita empregada Chiquita (Arietha Correa). Ela o serve no apartamento funcional em Brasília. Mas Caxias não tem um final feliz: acaba assassinado a mando de fazendeiros que combatem sem-terras e não gostam das atitudes do político a favor deles.

Carlos Vereza como Senador Caxias em O Rei do Gado (Memória Globo)
Carlos Vereza como Senador Caxias em O Rei do Gado Memória Globo Divulgação

A discussão sobre os sem-terra extrapolou a ficção e enfim tornou-se nacional. Com políticos e sociedade civil mobilizados em torno do assunto e reforçando-se uma abordagem já iniciada algumas semanas antes da estreia. Sobretudo após a morte de 19 trabalhadores sem-terra na cidade paraense de Eldorado dos Carajás. Após anos com a Censura impedindo o tratamento do assunto a contento, uma novela conseguia expor aos telespectadores a vida e os problemas dos trabalhadores rurais que desejavam um pedaço de terra para produzir e viver, diante de tantas concentrações de propriedade improdutiva.

A história de amor de Bruno e Luana tem muitos obstáculos. Tanto pela oposição ao romance – especialmente da parte de Leia, que vê ameaçada a parte que caberia a ela e aos filhos na herança do fazendeiro – quanto pelas diferenças entre os dois, que se amam, mas têm ambos cabeça dura e personalidade forte. Mas é através de Luana/Marieta e do filho que ela dá a Bruno, Felipe, que as famílias Berdinazzi e Mezenga enfim se reconciliarão, com as pazes feitas entre Bruno e o tio Geremias. Ou não, como deixa transparecer a cena final, com os dois bêbados em meio ao cafezal, discutindo como não poderia ser diferente com descendentes dessas famílias.

Entre os muitos destaques do elenco estão grandes nomes. A inesquecível atuação de Tarcísio Meira na primeira fase, como Giuseppe Berdinazzi, especialmente após ser traído pela filha, que foge com Enrico, e ao saber da morte do filho Bruno na guerra, quando ao invés de recebê-lo de volta o que ganha é uma simbólica medalha, que depois chega até a “plantar”, enlouquecido, acreditando que o filho nasceria novamente.

Também merecem citação os trabalhos de Raul Cortez, Carlos Vereza, Stênio Garcia (como Zé do Araguaia, mais do que empregado, um grande amigo de Bruno Mezenga), Bete Mendes, Jackson Antunes e Ana Beatriz Nogueira. No elenco ainda as presenças de Almir Sater, Sérgio Reis, Iara Jamra, Maria Helena Pader, Paulo Coronato, Liana Duval, Mara Carvalho, Ilva Niño, Cyria Coentro, Chica Xavier, Antonio Pompeo, Cosme dos Santos, Francisco Carvalho, Carlos Takeshi, Luciana Vendramini, Leila Lopes, Luiz Parreiras e Cláudio Corrêa e Castro, entre outros.

O “sumiço” de Fagundes em O Rei do Gado

Na época, Antonio Fagundes ficou quase um mês afastado das gravações da novela. Período durante o qual internou-se num SPA a fim de perder peso. Ele havia engordado muito para viver o papel de avô paterno de si mesmo na primeira fase da história e não conseguira emagrecer o suficiente para o trabalho na segunda. A ausência do protagonista – acertada previamente entre Fagundes e Benedito – foi explicada com um acidente de avião que Bruno Mezenga sofrera ao sobrevoar suas muitas fazendas. O capítulo da volta do Rei do Gado à cena, vivo e tendo que comer até larvas para não morrer de fome, foi um dos mais vistos da novela.

A trilha sonora

A trilha foi dividida em dois discos nacionais. O primeiro, com Patrícia Pillar na capa, tornou-se um dos mais vendidos do gênero: com 1,5 milhão de cópias vendidas, é o campeão da Som Livre. Entre os sucessos da trilha, estiveram “Correnteza”, com Djavan, tema romântico de Bruno e Luana; “À Primeira Vista”, com Daniela Mercury, tema de Marcos e Liliana; “Coração Sertanejo”, com Chitãozinho e Xororó, tema de Bruno; “Vaqueiro de Profissão”, com Jair Rodrigues, tema de Zé do Araguaia; “Admirável Gado Novo”, com Zé Ramalho, o tema inesquecível dos sem-terra; e “Mia Gioconda”, com Chrystian e Ralf e Agnaldo Rayol, tema de Geremias.

O Rei do Gado teve 209 capítulos. Terminou em fevereiro de 1997 e foi reapresentada no Vale a Pena Ver de Novo de março a agosto de 1999. O Canal Viva a resgatou entre fevereiro e novembro de 2011, às 16h30. Em janeiro de 2015, como parte das comemorações de seus 50 anos, a Globo mais uma vez reprisou a novela, e conquistou com ela índices fora do comum para o Vale a Pena nos últimos anos.

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