Experiência

Julia Stockler, de Éramos Seis, fala sobre viver Justina: “Me ensinou a assumir nossa fragilidade”

Atriz destacou a chance de atuar ao lado de veteranas

Publicado em 17/02/2020

Pela primeira vez atuando na televisão, Julia Stockler, jovem atriz consagrada nos palcos, tem chamado a atenção por sua atuação em Éramos Seis, novela de Ângela Chaves, inspirada na obra homônima de Maria José Dupré.

Na trama das seis, a atriz vive Justina, a filha mais velha de Emília (Susana Vieira), uma jovem autista que enfrenta os dramas familiares especialmente nas relações com a mãe a irmã, Adelaide (Joana de Verona).

Em entrevista ao Observatório da TV, Julia falou sobre a repercussão da personagem e a relação com o elenco, avaliou sua estreia na TV e comentou, ainda, sobre sua passagem no cinema. Confira:

Como está sendo esse sucesso pra você?

“Está sendo novo. É minha primeira novela, não tinha ideia de como seria o processo, mas tô numa recepção muito amorosa em relação à Justina, muito afetiva. Ela foi uma personagem muito abraçada pelo público e isso me deixa muito encantada, por pensar que a diferença está sendo cada vez mais escutada”.

Como foi seu processo de inspiração para a personagem?

“A Globo me colocou em contato com um estúdio de aspergers de alta funcionalidade na Barra e eu tive encontros lindos com eles. A gente dançou, pintou, cantou, eles me contaram da vida, a maioria é formada, então tirou todo o véu que eu tinha em relação a esse espectro que é super amplo e individual. Mas em algum momento eu comecei a pensar que eu não queria mais saber desse externo, queria entender dentro de mim, onde morava minha sombra, minhas dificuldades, meus caminhos”.

Conte-nos sobre a experiência e a repercussão da cena que a Justina ‘voou’ com sua irmã na história.

“Essa cena foi uma cena que eu e a Joana ficamos muito emocionadas. Foi feita com muito carinho pela direção, uma cena que coloca a Justina no lugar que ela quer estar, que é a liberdade, essa relação com o céu, com o passarinho, com o infinito, com a possibilidade de voar, é o sonho lúcido que existe dentro dela. Então eu fiquei muito emocionada de fazer essa cena e foi um marco. Essa cena mexeu com muita gente, foi muito bem editada e as pessoas ficaram muito emocionadas. É como se cada um que visse aquilo fosse desgarrar alguma marca de segurança e jogar pro mundo. Então eu recebi muitas mensagens amorosas de pessoas que têm filhos autistas, que falaram que vão botar pra pintura e botar pra voar. Eu achei isso muito delicado assim. Acho que a novela abriu esse lugar”.

Quem faz os desenhos da Justina?

“Esses desenhos são feitos pelo André, um artista maravilhoso que pinta desde aquarela e lápis. É muito intuitivo, tem a ver com a Justina e comigo também”.

Como está sendo pra você este encontro em cena com duas veteranas como Susana Vieira (Emília) e Camila Amado (Tia Candoca)?

“Estou lidando com dois monstros da teledramaturgia e do teatro. A Susana foi muito generosa comigo, muito carinhosa. Quando soube que eu vim do teatro, ela abriu um leque de respeito em relação à minha profissão, que eu tinha medo desde o início, porque pensava: ‘nossa, ela não gosta de trabalhar com quem está começando na TV, meu Deus, lá vem ela, lá vem a Susana’. E foi o contrário. Comecei a ganhar nela um afeto no corpo e ela é uma mulher super engraçada, super carinhosa, não tive nenhum estresse. A Camila é maravilhosa, junto com Fernandona (Fernanda Montenegro) é uma bruxa do teatro. Ela tem 80 anos, então fazer cena com ela me emociona. Uma vez ela falou assim pra mim que era bom ter eu aqui porque ela sentia que tinha um pouco de teatro no Projac. Falei: ‘que bom, a gente vai levando o nosso trabalho com a gente né, no filme, na novela, na peça, a gente vai junto'”.

Spoilers da Justina?

“A Justina ainda vai passar por grandes coisas. Assim, eu não posso abrir muito, eu acho que a gente pode esperar um caminho de luz”.

Você acha que o ‘bichinho’ da telinha te pegou? Por que você demorou tanto pra fazer TV? Foi uma opção sua?

“Eu acho que as coisas aconteceram de uma forma natural. Eu fiquei muito tempo no Teatro e eu vi que fazer a Justina foi um presente mesmo, por isso que eu acho que o bichinho me pegou. Eu tô fazendo uma personagem gigante afetivamente. Eu não estou ali falando nada com nada. Fazer ela todo dia me interessa, ler as cenas dela me interessa, me interessa a força que ela tem com o público…então, fazer a Justina veio no momento ideal. Eu escolhi não fazer umas coisas, fazer outras, fui pro Cinema, aí surgiu a Justina e falei: ‘é com ela que eu vou'”.

O que mudou em você fazer a Justina?

“Eu acho que a Justina me ensina a assumir nossa fragilidade. Vai ter gente que vai acolher, como a Adelaide, o Zeca (Eduardo Sterblicht), mas você não precisa tentar vencer a força da mãe. Isso é uma coisa que ela me ensina”.

Você é uma atriz jovem atuando com atores experientes. Como é isso de dividir protagonismo?

“Com a Fernandona (Fernanda Montenegro, com quem atuou no filme A Vida Invisível) fiquei com muito medo, porque realmente é uma atriz que eu admiro profundamente. Mas aí, uma amiga me falou uma coisa: ‘somos duas atrizes vivas no mesmo espaço, dividindo o tempo que ama, o que faz, que se respeita’. E aí deu muito certo, porque ela é uma atriz que investiga. Com 90 anos ainda aprende, se mostra insegura, então foi uma grande paixão e com a Carolzinha Duarte, que não conhecia, também. Nossa recepção em Cannes foi incrível. A gente não imaginou que a gente ganharia, ganhamos vários prêmios, então você a força do Cinema brasileiro, por exemplo, a Petra (Costa), indicada ao Oscar de documentário (com Democracia em Vertigem), é a prova de que a gente está fazendo cinema e o mundo quer ver, só nosso povo que não está interessado. Isso é uma loucura. É uma sociedade caos, enfim…”

Como é a relação das pessoas com o trauma da Justina?

“Eu acho assim…existiu um trauma e eu, Julia, fui descobrir isso agora, porque novela você tem essa coisa bonita que você vai descobrindo ao longo da coisa. Ela teve um trauma, o que a gente vai entender é, se foi motivador ou se ela já tinha alguma coisa antes. Isso é uma coisa que a gente vai descobrir aos poucos, mas as pessoas estão loucas pra saber”.

A exposição fazendo novela é maior?

“Sim. Me dá uma assustada, não social, mas na rua. Outro dia uma mulher gritou com toda força do corpo dela: ‘Justiiiiiinaaaaaaa’. Cara, eu saí correndo, falei: ‘essa mulher vai me pegar’. Dá um certo medo, as pessoas te invadem, mas a Justina tem uma coisa, graças a Deus, que as pessoas têm medo pra falar comigo. As pessoas falam ‘oi’, bem devagar, por isso que essa mulher em específico foi um choque”.

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano

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