Entrevista

Joana Jabace, diretora de Diário de um Confinado, fala da série: “É uma crônica com humor, mas com melancolia”

Diretora artística fala sobre o processo criativo da série

Publicado em 24/06/2020

Nesta sexta-feira (26), o Globoplay estreia a série Diário de um Confinado, produção criada por Joana Jabace e Bruno Mazzeo, e de realização totalmente remota. A comédia foi toda feita à distância, gravada na casa do casal, e será exibida também no Multishow, GNT e na TV Globo em julho.

Joana Jabace é diretora artística de Diário de um Confinado. Na entrevista abaixo, a artista fala dos desafios da realização de um projeto tão ousado.

Diário de um Confinado é uma série produzida, do início ao fim, durante a quarentena. Quais são os principais desafios deste produto?

Acho que o maior desafio foi fazer da minha casa um set de gravação, equalizar essa dinâmica. Não estamos falando de uma locação, nem de um estúdio, nem de uma cidade cenográfica. Estamos falando da minha casa, numa situação onde meus filhos de três anos estavam 100% do tempo. Foi preciso respeitar o tempo das crianças, a nossa dinâmica interna como família, e as duas coisas tiveram que andar em paralelo.

Como surgiu a ideia desse projeto?

Eu estava em São Paulo gravando Segunda Chamada e o Bruno no Rio, gravando um outro projeto. Vim passar uns dias aqui com ele, e o mundo parou, não voltei mais. Nas três primeiras semanas, fiquei um pouco em estado de choque, assim como acho que todo mundo. Pensando “caramba, o que vai acontecer?”. Mas as fichas vão caindo aos poucos. Primeiro, achamos que fosse ser uma coisa rápida, mas depois a ficha foi caindo e acho que a gente não vai voltar a viver do jeito que vivia. No meu ofício, como diretora, parei de achar que tinha que ficar buscando algo igual ao que fazia antes. Pensei que a gente tem que parar de se lamentar por ter perdido um modo de fazer e pensar para frente. E, por acaso, a gente tem essa característica, essa especificidade de ter um autor que é ator, e eu que sou diretora, na mesma casa. Por que a gente não pensa num projeto? Não cria alguma coisa nova, um conteúdo inédito para oferecer para a Globo? Foi isso que pensei, no sentido de achar que o artista tem que se reinventar de acordo com as necessidades do tempo em que ele vive. E o tipo de humor que o Bruno faz é um tipo de humor que se encaixa com esse tipo de programa. Porque falar da quarentena, de um confinamento num drama, para mim era difícil, por ser um assunto pesado. O Bruno faz um tipo de humor que é engraçado, mas tem melancolia, tem realidade. Quando falei para ele para fazermos algo juntos, foi também porque me interessa falar do que estamos vivendo de um jeito leve mas também realista, doído.

Estamos vivendo um período de isolamento, mas a série conta com uma equipe trabalhando nesta produção. Como foram os encontros com o time e como foram feitas as gravações?

A gente tem uma equipe formada por profissionais dos Estúdios Globo como se estivéssemos fazendo um programa ao vivo. Temos um assistente de direção, arte, montador, pós-produção, efeito especial, só que todos os departamentos trabalhando remotamente, cada um de sua casa. Estamos todos muito animados porque é o primeiro projeto de série de dramaturgia que a Globo está fazendo nesse período de isolamento. Estamos todos imbuídos de fazer dar certo e buscando nos reinventarmos, pensar fora da caixinha. Os atores também estavam assim, com esse mesmo sentimento, todo mundo entendendo o novo jeito de fazer. É um mega desafio para todos os departamentos.

Como funcionaram, na prática, essas adaptações para a equipe trabalhar desse jeito remoto? Quais cuidados vocês tiveram que tomar e quais foram as soluções criativas que surgiram diante da limitação?

A área de Tecnologia da empresa deu um salto para permitir que a gente fizesse esse programa todo remoto. São inúmeras soluções, como os kits que os atores recebem cada um em sua casa, fáceis de ligar, com tutorial, mas com áudio, câmera, luz, que em dois minutos a pessoa monta. O próprio equipamento de câmera aqui de casa e a forma de enviarmos isso depois. Tudo foi remoto. A produção também encontrou várias soluções criativas. Tive que fotografar a minha casa toda e fizemos reunião com a diretora de arte para ela sugerir mudanças de objetos de lugares, mudanças de móveis.

Mesmo sendo um projeto feito em casa, tem todo esse know how (tecnológico e humano) da emissora. Como você avalia a união dessas duas realidades?

Minha expectativa era conseguir contar essa história de um jeito artesanal, mas não amador. A luz e o enquadramento foram pensados dentro dessas premissas. O projeto foi feito na minha casa, mas poderia ter sido feito num estúdio pequenininho. Tem um mood de dramaturgia, e nosso intuito é que o espectador embarque no universo do Murilo. As participações também engrandecem esse produto: Arlete Salles, Renata Sorrah, Fernanda Torres, Deborah Bloch, Lázaro Ramos. Nosso diferencial é a dramaturgia e o conceito de direção.

Apesar da pandemia, a cultura não para. E esse projeto comprova isso. Que avaliação você faz dos impactos deste momento para a produção audiovisual?

Essa pandemia está mudando o planeta, e o ofício do ator, do diretor, do roteirista vai mudar radicalmente. Quem tiver coragem e capacidade de se reinventar vai seguir, pois a arte não vai parar. Acredito que vá ser totalmente diferente. Vamos estar falando de um mundo, até a vacina chegar, mais restrito. A gente ainda não sabe quais serão as restrições, os protocolos de volta de gravação, o que vai poder fazer ou não. Não vamos ter tantos recursos quanto já tivemos, do ponto de vista financeiro, e também não vai ter tanta liberdade do ponto de vista de saúde, até que tenhamos uma vacina. Vai ser diferente, mas acho que vamos fazer muito bem, pois a gente sempre se reconstrói, e a Globo tem os grandes talentos do mercado. É um desafio para o diretor pensar jeitos de realizar, mas é um grande desafio para os roteiristas pensar histórias que se viabilizem nesses novos tempos. Eu sempre trabalhei muito, desde muito jovem, mas não me lembro de estar num período tão criativo quanto na quarentena. Tenho tido muitas ideias, desenvolvido projetos com muita gente diferente. Agora, por mais que eu trabalhe o dia inteiro, a minha cabeça tem tido mais tempo para refletir e trocar artisticamente. Tenho pensado em muitas coisas para fazer quando puder voltar ou durante a quarentena mesmo. É um período difícil, angustiante, mas também fértil.

Diário de um Confinado foi todo filmado na sua casa, dirigido por você, escrito pelo Bruno, seu marido, e com ele no papel do protagonista, Murilo. Essas múltiplas funções de vocês tornam o projeto mais motivador? Como foi a rotina das gravações?

O Bruno sempre me apoiou muito, me incentivou, vibra com as minhas conquistas, mas sempre se queixou que eu trabalhava muito. Continuo trabalhando muito, mas agora com ele. Nunca tínhamos trabalhado juntos assim. Mas, como estamos no mesmo ramo, a gente sempre trocou muito profissionalmente, temos muita interlocução artística e, nesse sentido, é ainda mais prazerosa essa parceria. Sobre a dinâmica da casa, tive momentos oscilando entre achar maravilhoso e não saber como íamos chegar até o final (risos). Sempre tive muita ajuda do meu pai e da minha mãe nessa nossa rotina maluca de gravação e agora não tenho. Os meninos, de fato, estiveram no meio da história. Mas nós somos a mãe e o pai que eles têm. Pra gente, isso é um registro de um momento muito específico das nossas vidas. Nossa geração nunca vai esquecer que ficamos confinados. E meus filhos vão ter esse registro por conta da série e isso também é muito simbólico. Vai ser interessante olhar isso daqui a alguns anos.

E como foi a escolha do restante do elenco?

Quando começamos a escalar, tivemos a premissa de fazer um projeto muito afetuoso, cercado de pessoas que ficariam entusiasmadas, felizes como nós. Quisemos nos cercar de pessoas com quem temos intimidade porque dirigir remotamente, não estar no ao vivo com a pessoa, é uma situação delicada. Também tive esse critério em relação à equipe: de escolher pessoas que sabia que iam curtir estar ali com a gente. Todo mundo que está no projeto quer estar nele.

No confinamento da história, todos os dias parecem ser os mesmos, é como se o personagem estivesse encapsulado no tempo, mesmo depois de tantos dias de isolamento. Quais recursos vocês utilizaram para que o espectador sinta isso? E como é a linguagem visual da série?

A sensação de todos os dias serem os mesmos dias vai estar muito no cenário. A sala da nossa casa foi transformada no loft do Murilo, como se o quarto fosse na sala. Ele está sempre ocupando o mesmo espaço, dando a sensação de que está enraizado, que não consegue sair do lugar. E, de fato, ele não consegue. No figurino, ele vai ter poucas trocas de roupa, e as próprias situações que a série aborda vão trazer essa sensação de aprisionamento, de que todos os dias são os mesmos. Tem no texto e eu quis levar para a direção essa sensação de solidão, de angústia, de estar fincado no espaço e no tempo, sem conseguir se movimentar. E, como linguagem de câmera, a gente fez um pensamento (de fotografia, direção de arte e figurino) de paleta mais âmbar, com a luz do dia entrando, com uma temperatura um pouco mais quente, para contrastar com a luz do computador, que é fria. E também para contrastar com a linguagem das lives e das selfies, que tem uma luz mais fria também. Do ponto de vista de fotografia a ideia foi que a gente saísse do digital e fosse para uma linguagem mais quentinha. Do ponto de vista de movimentação de câmera, é uma câmera vouyer: como se tivesse uma câmera em registro, num documentário sobre o confinado. Por isso ele faz depoimentos para a câmera.

Quais são, para você, as principais características de Diário de um Confinado?

Ser factual. A velocidade de estar fazendo uma crônica atual de um momento que a gente está vivendo. Acho que essa é a maior virtude do projeto. É a capacidade de a gente produzir uma dramaturgia sobre algo muito recente. É uma crônica com humor, mas com melancolia, com drama, com dor. O grande barato é a gente estar fazendo esse projeto tão rápido. Isso é o maior ativo do projeto: criar dramaturgia de uma realidade tão recente para a humanidade toda.

Quais têm sido os grandes aprendizados para vocês, como artistas e família, diante de tudo isso que a gente está vivendo com a pandemia?

A gente sempre teve muita ajuda em casa, sempre tivemos a casa muito cheia. Quando entramos em quarentena, foi a primeira vez que ficamos por muito tempo só nós quatro. Isso está sendo uma experiência muito boa, apesar de difícil. As crianças estão bem. Claro, eles sentem falta de correr ao ar livre, do sol. Mas estão abastecidos com a gente. O confinamento trouxe pra gente a individualidade da família. Pra mim, traz também uma reflexão do tempo presente, de estar presente e conseguir, realmente, fazer o que está fazendo. Na quarentena tenho aprendido muito a dar valor ao tempo presente.

O que, na sua opinião, o público pode esperar de Diário de um Confinado?

Se divertir com situações que são comuns a muita gente. É muito peculiar isso, muitas pessoas vivenciando as mesmas situações. O público também pode esperar leveza, a série traz um alento. É quase uma metalinguagem, porque traz divertimento e uma mensagem de que a gente não parou. Vamos sair dessa, não fechou a cortina, não se apagou a luz.

Diário de um Confinado é uma criação de Joana Jabace e Bruno Mazzeo. A obra é escrita por Bruno Mazzeo, com Rosana Ferrão, Leonardo Lanna e Veronica Debom, e tem direção artística de Joana Jabace.

A série multiplataforma será exibida primeiro no Globoplay, no dia 26, depois na TV Globo, aos sábados de julho, a partir do dia 04. Também em julho, estreia dia 06 no Multishow e ganha pílulas ao longo do mês no GNT.

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