Após 50 anos de carreira, jornalista Tônico Ferreira deixa a Globo e se aposenta

Publicado em 05/04/2018

Um dos mais queridos e experientes jornalistas do Brasil, o repórter Tônico Ferreira está deixando a Globo. Tônico não está saindo da emissora demitido ou porque vai trocar de casa.

Depois de 50 anos de serviços prestados, Tônico decidiu aproveitar a vida e se aposentar. Ele trabalhava na Globo desde 1981 – com uma pequena interrupção numa rápida passagem no SBT em 1996.

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O anuncio da saída de Tônico foi feito por Ali Kamel, diretor responsável da Central Globo de Jornalismo, nesta quarta-feira (5). Numa carta aberta, Kamel prestou uma grande homenagem a Tônico, um dos mais premiados jornalistas do Brasil.

Relembrando sua carreira, Kamel afirmou que o jornalismo agradece a vida que Tônico deu a ele e que, agora, ele vai aproveitar a família, o sol, os livros e tudo o que a vida tem de melhor para oferecer.

Kamel também quis deixar bem claro que a intenção de romper o contrato, que só terminaria em 2020, foi de Tônico, que o procurou em meados de março para a conversa franca e aberta.

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Veja a carta na íntegra, publicada pela revista Veja:

“Há cerca de um mês, fui procurado pelo Tonico Ferreira. A conversa fluiu fácil, como todas com ele. Discutimos o jornalismo, o país, nossas vidas, projetos. Projetos. Foi quando ele me falou de alguns, muito especiais. Depois de mais de 50 anos de carreira, aos 70 anos de idade, quer ter mais tempo para estudar, ler, viajar e, mais importante, estar perto da família. Está onde sempre esteve há anos: no auge. Ele me disse que se sente feliz com o trabalho que realiza na Globo e que, depois de todos esses anos, se sente realizado, o que me deixou muito feliz.

Mas precisa de mais tempo para si, sem as obrigações do dia a dia. E me pediu para interromper o contrato, que só terminaria em dois anos e um pouco mais. Me digam: quem pode recusar um pedido do Tonico, um colega que todos ouvem, que a todos ajuda, uma palavra sempre de sensatez. Doeu, mas não pude dizer não. Ninguém resiste ao Tonico. Não é à toa que sempre há uma roda de colegas em volta dele, quando está na redação. E não apenas para ouvir sua análise sem paixões dos assuntos da política, do sobe e desce da economia e da vida brasileira. É também para escutar histórias de mais de seus anos de jornalismo, que fazem dele um dos mais experientes e importantes profissionais da imprensa brasileira.

Tonico era um jovem arquiteto quando começou a trabalhar em jornal, na década de 60. A experiência com linhas e curvas foi muito útil para diagramar os jornais do movimento estudantil, que eram a voz da oposição ao regime militar em plena ditadura. Logo ele estaria na Folha de S. Paulo e, em 1968, foi para a Folha da Tarde, quando o jornal ainda publicava temas ligados às causas de esquerda.

Os tempos eram de chumbo e a mudança na linha editorial do diário fez Tonico mergulhar de vez no jornalismo – mas longe do jornal. Nessa época, passou pelas revistas VEJA e Realidade e, em 1972, se envolveu no projeto que marcaria sua carreira de forma definitiva – surgia o jornal Opinião.

Como secretário de redação, Tonico foi um dos responsáveis pelo jornal, que reunia o pensamento da época na defesa das liberdades e contra a ditadura. Todos os intelectuais que importavam publicavam suas ideias no Opinião. No auge do regime militar, o jornal resistiu bravamente à censura por pouco mais de três anos.

O Opinião acabou, mas a resistência não. Tonico foi um dos fundadores do Movimento, outro ícone da imprensa alternativa, como se dizia à época. Por sua posição de diretor responsável, foi processado pela Lei de Segurança Nacional e, mais tarde, beneficiado pela Lei da Anistia.

Para um jornalista de sua geração, essa trajetória, marcada pela luta em favor das garantias democráticas e pela liberdade de expressão, já teria assegurado uma vaga de titular em qualquer time de campeões da imprensa nacional. Mas esse não seria o Tonico.

No começo dos anos 80, Tonico se reinventou – e veio trabalhar na televisão. Poucos meses na TV Bandeirantes e desde o final de 1981, na Globo. Meses depois, o primeiro furo na TV lhe rendeu o prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos: o Escândalo da Mandioca, tataravô de tantos outros casos de desvio de dinheiro público.

Tonico esteve em todas as grandes coberturas do Jornalismo da Globo nas últimas três décadas. A morte de Tancredo Neves, os planos econômicos que tentaram conter a inflação, o impeachment de Collor, as privatizações de FHC, as inúmeras viagens de Lula. Foi também correspondente da Globo em Londres e um dos repórteres que mais cobriu os impasses políticos e as desventuras das frágeis democracias latino-americanas. Cruzou o país atrás de histórias e personagens brasileiros. Jornal Nacional, Globo Repórter, Globo Natureza, nunca houve pauta ruim para o Tonico. Aliás, como ele mesmo diz, para divertimento dos seus colegas: “tudo o que acontece no mundo se resume em 60 pautas”. Ele sempre caprichou em todas elas. Tonico tem alma de repórter. Gosta de novidade, de conversar, do embate com o entrevistado, dos contrastes descobertos e dissecados em um texto. É um curioso sobre o mundo à sua volta e, celular na mão, atento aos assuntos que estão sendo debatidos nas redes, nos blogs, nas manchetes estrangeiras.

Quem conhece um pouco mais o Tonico sabe que atrás de uma aparente tranquilidade, vive um homem inquieto, que gosta de boas aventuras, de navegar, pedalar, viajar para lugares incomuns. Quando ele fala em se aposentar do dia a dia da redação para ter mais tempo para ele mesmo, a gente só pode ficar imaginando que ele quer liberdade para explorar suas outras inúmeras habilidades, viver novas descobertas e se reinventar, como sempre. Tonico, em nome da TV Globo, eu agradeço tantos anos de excelente jornalismo. E em meu nome, eu agradeço por todos os anos de companheirismo e peço para que mantenhamos o convívio. Quero continuar ouvindo suas análises, seus argumentos, suas opiniões. Nessa nova etapa, desejo tudo de bom. Boa sorte e muito obrigado.

Ali”

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