Entrevista exclusiva

ABC da Notícia: Maria Cristina Poli se aventura em projeto de jornalismo educativo

A jornalista relembra sua trajetória e avalia o papel da imprensa hoje

Publicado em 05/07/2022

Amigos da Coluna Por Trás da Tela, hoje eu converso com uma jornalista que sempre foi exemplo de versatilidade: Maria Cristina Poli.

Ela trabalhou em importantes emissoras de TV (como Globo, Band e Cultura) e fez “um pouco de tudo” – apresentação, reportagem, trabalhou em editoria, inclusive como editora-chefe.

Hoje, ela comanda o programa ABC da Notícia, em parceria com a BandNews FM, que também está nas redes sociais.

CHRISTIANO BLOTA — Cris, além da admiração pelo seu trabalho, é sempre bom conversar contigo. Eu aproveito e pergunto: como você definiria hoje o jornalismo no Brasil e a função do jornalista?

MARIA CRISTINA POLI — Olha, Chris, o jornalismo sempre teve uma importância muito grande no nosso país, como tem em toda democracia. Mas, hoje, o jornalismo ganha uma importância enorme na medida em que ele está fazendo a diferença na nossa vida como cidadão. Ou seja, se não é o jornalismo, a gente não sabe muitas coisas que se passam nessa República. Se não é o jornalismo, a gente não consegue revelar muitos casos de corrupção. Quer dizer, isso sempre foi uma marca do jornalismo no Brasil, mas agora ele ganha uma importância tão grande, ainda mais nesse momento que uma das frentes do bom jornalismo é lutar contra as fake news, as notícias mentirosas – porque a fake news não é só a notícia falsa. O pior disso, desse mundo, é a notícia disfarçada de verdade, essa que engana mais.

Então, o jornalismo entra com uma reserva técnica em cena muito maior do que no passado, porque ele tem essa função. E quando você pergunta “o jornalismo no Brasil é função do jornalista?”, é isso. O jornalista é uma pessoa que tem essa tarefa diária de batalhar pelo bom jornalismo. Que traz a informação correta, que revela o que não pode ser revelado… Quer dizer, a gente vê muitas portas se fechando, mas você tem que tentar ir por trás e trazer a informação. Muito a gente vê avançando com a Lei de Acesso à Informação, porque qualquer cidadão pode exigir dados, e o jornalismo investigativo tem isso muito a favor. Essa é uma ferramenta que ajuda muito o jornalismo no dia a dia, mas a gente percebe que ainda existem bloqueios, formas de tentar que isso não seja possível. Então, olha, é uma canseira, viu? Mas o jornalismo hoje no Brasil tem um protagonismo muito grande e uma missão muito importante para garantir principalmente a nossa democracia, que tem como atores as instituições. Esse é o grande papel do jornalismo hoje – e, claro, por consequência, a função do jornalista. 

CB Cris, você começou no programa da Hebe Camargo, certo?

MCP Eu comecei no programa da Hebe e tenho o maior orgulho disso. Eu era ainda estudante de jornalismo e fui procurar emprego na Rádio Mulher, que era um lugar onde a Hebe tinha programa ao mesmo tempo que ela tinha um programa na TV Bandeirantes. Não consegui o programa na rádio, mas surgiu uma oportunidade na TV, como assistente de produção. Lá fui eu! Foi ótimo, eu aprendi bastante com ela que, imagina, uma deusa, uma mestra… Acho que o principal traço da Hebe era a espontaneidade como comunicadora e isso a gente não esquece. Tinha uma jornalista que trabalhava lá, a Vera Artaxo, que era muito experiente, estava vindo da Editora Abril e eu aprendi muito com ela. Minha grande função era ver a Vera trabalhar, preparar um rol de perguntas e eu corria para um cabeleireiro que tinha na avenida Cidade Jardim, que chamava “Colonial”; lá, eu encontrava a Hebe e entregava os scripts, os roteiros, enfim… (risos).

CB Eu me lembro muito de você na Globo. Alguma matéria de que você tenha orgulho como repórter?

MCPOlha, eu trabalhei muitos anos. Depois, quando eu saí da Band, já formada, fui trabalhar na Globo. E assim, tem algumas matérias que marcaram a minha vida. Sei lá, uma entrevista que eu fiz com o (Alfredo) Volpi, o artista plástico, um pouco antes dele morrer, e foi uma entrevista linda, que foi até premiada e tudo, mas me marcou não por isso. Ela me marcou porque era um italiano meio bravo e rabugento dando uma entrevista e fazendo algumas revelações sobre como ele trabalhava. Eu lembro que ele encerra a entrevista falando “Para mim, tudo é uma questão de luz, a arte é uma questão de luz”. Mas no geral, tem várias matérias que vêm, experiências e tudo, tenho muito orgulho da minha trajetória.

Nesses anos de TV Globo, eu tive chefes maravilhosos, então ali aprendi muito sobre apuração, sobre exatidão da informação, como se manter equilibrada em uma cobertura, mesmo que a sua opinião seja uma, mas a sua função não é de dar opinião, é de fazer uma reportagem e isso ajudar a informar, a dar acesso às pessoas, a entender como as coisas funcionam. Tenho um orgulho mesmo desses tempos de TV Globo, de ter aprendido… Acho que me formei ali, na verdade. E depois, claro, tem outros lugares que eu tenho orgulho de ter passado, como a TV Cultura, a própria Band, tudo do ponto de vista de criação, de poder fazer coisas, inventar e tudo mais. Mas os conceitos básicos do jornalismo eu aprendi nos anos de TV Globo, onde eu tenho o maior orgulho de ter passado.

CB — Eu acompanhei sua trajetória e você sempre mostrou versatilidade na profissão. O que você mais gostou ou gosta de fazer nessa área de comunicação, incluindo jornalismo?

MCPOlha, para mim, a matéria-prima do jornalismo é o trabalho da reportagem, eu adoro ser repórter. Embora não faça mais no dia a dia, eu me comporto como uma repórter em qualquer coisa que faço. Então, se estou pensando em um projeto novo, sempre nessa área de jornalismo, eu me comporto como uma repórter, com olhar de repórter. É impressionante isso, como é forte. Acho que, no fundo, nunca vou deixar de ser repórter. Todo o meu dia a dia, quando vou para a rua, para o cabeleireiro, para viagem, quando eu vou fazer compras no sacolão ou supermercado, é até engraçado, é sempre um olhar, uma prontidão, um olhar de repórter. É a coisa que eu mais gosto. Claro, você faz outras coisas que te dão prestígio e tudo mais, mas eu adoro ser repórter. 

A jornalista Maria Cristina Poli
A jornalista Maria Cristina Poli

CB — Cris, me conta um pouco do seu novo projeto, em parceria com a BandNews FM, que se chama ABC da Notícia. Como surgiu a ideia, quando e onde seus admiradores podem te acompanhar?

MCP — Esse projeto, ABC da Notícia, nasce como consequência, inclusive, desses meus anos de reportagem – e, mesmo como âncora de programas, de receber mensagens de ouvintes, de telespectadores e tudo mais, mas muito, de novo, com o meu trabalho de repórter no contato direto com as pessoas. Por quê? Porque eu sempre notei que as pessoas não sabem… Elas ouvem a informação, hoje ainda mais nesses tempos que a gente vive, que a informação está em todo o lugar. Mas eu sinto, muitas vezes, Chris, que as pessoas não entendem o que está sendo dito. Você vê a notícia em telejornal, ouve na rádio e é o STF, é a inflação, mas se você para e pergunta para as pessoas o que é um abuso sexual, o que é uma agência reguladora, o que é a inflação, o que é o STF, muitas vezes as pessoas não sabem. Eu percebia isso no meu trabalho na rua, quando você conversa muito com as pessoas. Então, o ABC da Notícia nasceu para ser isso. O ABC da Notícia é a tradução da notícia. É a notícia em letra de forma. E a gente conseguiu levar esse programa para o rádio, para a BandNews FM toda semana, aos sábados, e começamos a alimentar as redes sociais do ABC, sempre traduzindo. Tanto é que o slogan do ABC é “se complica, a gente explica”. E assim a gente percebe que muito do trabalho que o ABC tem feito tem servido como material, como ferramenta para o professor trabalhar em sala de aula, porque é uma tradução da notícia, do dia a dia. Eu falo também que o ABC é o jornalismo a serviço da educação. Porque cada vez que você abre uma janela para explicar alguma coisa, você dá acesso às pessoas. De novo, você educa, leva compreensão para as pessoas entenderem como as coisas funcionam. Então é isso. Agora, com a proximidade da eleição, a gente vai explicar quais são os cargos eletivos, o que que cada um faz, e tudo isso, olha, é um exercício. Porque você fala “Ah, que bom, que fácil, que simples”, mas para a gente, que está muito acostumado a escrever de um outro jeito, escrever simples, ser cristalino, não é fácil, viu? É trabalhoso, mas é um prazer. A ideia surgiu desse contato com o público, como eu disse. 

CB — O fato do ABC da notícia explicar de maneira simples assuntos complexos mostra o futuro do jornalismo, ou esse é mais um dos seus segmentos?

MCP É isso mesmo! Eu acho que é a tendência de muitos veículos ou de muitas pessoas que estão trabalhando, lidando hoje com a informação – que já não é só um privilégio de poucos veículos, todo mundo está lidando com isso. Acho que é o futuro! Você traduzir, dar acesso, porque a gente tem uma grande camada da população que quer e precisa entender o que se passa e o que se diz. Então esse é o papel do ABC da Notícia, e muitos outros veículos hoje têm o “economês” em bom português, ainda mais nas plataformas digitais. A gente está no rádio, que é um veículo super legal, porque é muito acessível.

CB — Mais algum projeto para o futuro? Ou já está bom demais?

MCPMeu projeto para o futuro é ampliar os braços do ABC da Notícia e ele crescer como uma plataforma que está no rádio, nas redes sociais, que está indo para as escolas, para os sindicatos, enfim, para os ambientes onde as pessoas querem ter um produto que seja acessível e compreensível. Esse é o papel do ABC, esse é meu sonho: fazer com que ele cresça e que vire realmente uma plataforma com vários tentáculos.

CB — Cris, você passou pela Globo, Band, Cultura e agora está na rádio. Com a experiência consolidada, qual o recado para os jovens jornalistas?

MCP Acho que o rádio é o veículo mais criativo que tem, porque enquanto fala, você tem que inspirar as pessoas a imaginarem o que a gente está dizendo. Então, quando eu digo que o rádio é um veículo muito desafiador do ponto de vista criativo, é que você tem que, com a sua fala, desenhar cenários, situações para as pessoas conseguirem enxergar aquilo que você está dizendo com imagem. Para mim, está sendo um aprendizado. É desafiador. Do ponto de vista geral, com toda essa experiência que eu tenho, o que quero dizer para o jovem jornalista é: preste atenção em tudo! Bisbilhote em tudo, vá bisbilhotar, no bom sentido, seja curioso. Não despreze nenhuma informação, nem cartão de embarque de avião, presta atenção em tudo, tenha curiosidade, leia, não acredite em uma única versão sobre um fato, tenha a consideração de imaginar que aquela notícia que você recebeu pode ter uma outra versão, um outro olhar, um outro dado. Por exemplo, vamos imaginar uma explosão, a imagem da explosão é só um dado, ela não é a notícia por inteiro. A notícia por inteiro é você pegar aquela informação, aquela imagem e ouvir o entorno. Ouvir versões sobre aquela imagem da explosão. É muito importante que você tenha isso na cabeça. Que a notícia é só o primeiro passo. Ela é só o primeiro dado. Ela pode ter muito mais daquilo que você está vendo. 

CB — A coluna se chama “Por Trás da Tela” e eu faço sempre uma pergunta tradicional. Quando você não está na tela de TV, celular, tablet, câmera que focaliza o radialista e afins, o que você gosta de fazer? O que te deixa feliz?

MCPEu adoro estar com a minha família, com os meus filhos, com o meu marido. Gosto de viajar e gosto muito de cozinhar. A gente gosta muito de fazer isso junto, é muito gostoso. E assistir séries comendo pipoca, quer coisa melhor?

Uma coisa melhor é conversar – e aprender! – contigo, Maria Cristina Poli. Muitíssimo obrigado pela visita na minha sala de visitas virtual. Até a próxima!

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