Desafio

“Só a cultura é capaz de juntar a diferença”, conclui o diretor artístico Luiz Henrique Rios sobre Bom Sucesso

Diretor avaliou inovações da trama e desempenho da equipe

Publicado em 16/01/2020

Na próxima sexta-feira (24), chega ao fim Bom Sucesso. A novela das 7, escrita por Rosane Svartman e Paulo Halm contou com a direção artística de Luiz Henrique Rios, em sua quarta parceria com a dupla de autores, com quem trabalhou também em Malhação: Intensa como a Vida (2012), Malhação Sonhos (2014) e Totalmente Demais (2015).

Em entrevista ao Observatório da Televisão, Luiz Henrique Rios falou sobre o sucesso da obra, os destaques do elenco e a mensagem transmitida pela trama protagonizada por Paloma (Grazi Massafera) e Alberto (Antônio Fagundes).

O diretor, que chamou a novela de maluca e intensa, mas verdadeira, confessou que está sendo difícil para ele terminar as gravações, uma vez que o folhetim fala sobre a vida. “Tem hora que eu misturo com coisas que a gente sente, porque não tem nada que valha tanto a pena quanto a vida e nada tem tanto valor quanto a isso”, disse Luiz Henrique, que afirmou que este trabalho foi um presente em sua vida.

A gente fez uma novela com o coração na frente e é muito emocionante ver toda a equipe modernizada, ver as pessoas querendo fazer um trabalho integro, verdadeiro”, avaliou o diretor, que alegou que seu maior trabalho foi fazer com que todas as pessoas estivessem juntas na emoção transmitida e pudessem controlar este sentimento.

Desafio com tabu

Para ele, a novela propôs um grande desafio, que é falar da morte, tabu em nossa sociedade ocidental. “Vivemos uma angústia profunda , porque não conseguimos lidar com limites. A morte nada mais é do que sua real sensação permanente de q você não pode ter tudo, de que o super-herói não é humano e que o humano é findo, falho e fraco e por isso se dispõe a ser capaz coletivo para juntar-se e adquirir mais forças”, declarou.

Luiz Henrique contou que desde o início das gravações, ficou decidido entre a equipe falar da morte para falar do sentido da vida com uma proposição que apresentou dois mundos totalmente distintos, que se encontram em sua finitude e se aproximam através da cultura, representada pela Literatura.

Só a cultura é capaz de juntar a diferença. A gente não pode imaginar que a cultura é algo que é perfumaria. A cultura é o serne da existência humana. E a cultura como a gente conhece é um processo de séculos e milênios de construção do valor humano”, ressaltou o diretor, que se disse imensamente grato aos autores por lhe permitir fazer esta história acontecer.

“O que a gente queria com essa história era dar um grande abraço nas pessoas e dizer ‘olha só, sempre conversar é melhor, pode não haver consenso, mas dá pra ter mais possibilidade de troca, dá pra gente negociar melhor essa história, não é eu contra você ou contra alguém, é tudo cinza. A gente tem que construir um grande mundo com bilhões de tons de cinza, não só cinquenta não, são bilhões, pra gente ser feliz, pra toda a felicidade poder acontecer”, disse.

O global falou também sobre a discussão de estereótipos levantada em diversos momentos no decorrer da trama. “Por que o amor tem que ter uma cara? Por que a família tem que ter um jeito? Por que a crença só pode ser uma? Não dá mais. A gente já andou muito no mundo pra voltar atrás e dizer que tudo é só de uma maneira”, analisou Luiz Henrique Rios, que destacou o diálogo como caminho para mudar esse hábito.

Funcionou porque o cara lá em casa ele também está querendo parar e conversar. O sujeito está querendo olhar pra cara do outro que ele não confia e falar que não confia, mas que eles podem ter uma troca, uma relação ou até mesmo construir uma nova confiança, mostrar que não precisa se aniquilar”, disse o diretor, que usou como referência a trama de Waguinho (Lucas Leto).

É o caso de olhar para adolescentes que se metem numa situação absurda que é fruto de relações complicadíssimas. Essas pessoas merecem fim? Como posso dizer que alguém que nem viveu já não merece viver? É óbvio que viver assim não é legal, mas também é óbvio que você tem que propor um outro caminho”.

Temas que mexeram com o público

O pai da atriz Ana Rios acabou se emocionando durante a entrevista ao falar sobre o tema do protagonista Alberto, que enquanto aguardava sua morte, aprendia a rever e repensar a vida.

Essa história pra mim é uma grande homenagem ao meu pai. Ele era um Alberto. Era um grande médico, uma pessoa que fez bem pra caramba, mas era dificílimo, só ficou mais fácil depois dos 60, o que não quer dizer que não houvesse um profundo amor e uma profunda capacidade de construir os seis filhos”, revelou Luiz Henrique Rios, que lembrou, ainda, que no mundo há dezenas e milhares de Albertos, assim como centenas de milhares de incríveis Palomas, segurando onda.

“A gente tentou com essa história humanizar, chegar num lugar em que a gente pudesse dar caráter de bom e mau em todos eles: forte e fraco, em todos eles que falham o tempo todo nas suas buscas de superação pessoal, porque isso somos nós. E eu acho que isso chegou pro público, eu acho que isso está falando e aí a literatura entrou no lugar da fantasia. A literatura entrou no lugar de eu dizer pro outro que a dor que ele sente foi pensada, narrada e politizada, que a dúvida que ele sente já foi posta como caminho, que a dor e a dúvida fazem parte da vida, assim como a felicidade e que não é porque você está sentindo dor que você vai deprimir, não é porque você está sentindo dúvida que você é um perdedor. Portanto ao colocar que a única certeza da vida é p fim, o resto tudo é possível”, detalhou o diretor.

Destaques no elenco da trama

Além da história e dos temas abordados na novela, alguns atores chamaram atenção pela boa atuação e capacidade de cativar o telespectador. Questionado sobre os talentos revelados na produção, Luiz Henrique Rios comentou sobre o elenco.

Eu acho que um dos trabalhos que a gente faz, é lançar pessoas e descobrir talentos que existem, ajudando-os a crescer e a se descobrir e acho que essa novela teve essa qualidade de colocar muitos novos atores fazendo belíssimos personagens e interagindo com grandes atores sem que isso parecesse uma discrepância, uma loucura, então acho que a gente conseguiu um lugar de trabalho e oportunidades que foi muito legal e eles responderam”, opinou o diretor, que assegurou que quando um ator se encaixa de verdade em seu personagem, a diferença entre ele e veteranos diminui, uma vez que o público interage com a personagem e se envolve com a história, criando identidade e empatia.

Tudo isso faz com que o público viaje e quando o público viaja, a história flui. Você pode até gostar mais ou menos de um ou outro, mas não tem quebra-mola na estrada, vai. Tem hora que acelera mais, outra hora menos, mas o carro segue e você está vendo aquela paisagem passar e ela te leva pra uma viagem sem fim e aí você conversa com você mesmo, com seu irmão, sua mulher, seu primo sobre isso, porque a história entra em você e você torce por ela”, refletiu o artista, que confessou que todo o elenco, de maneira geral, o surpreendeu.

Eu esperava muita coisa e eu recebi muito mais do que eu esperava. Eles (os atores) também puderam se desafiar”, completou Luiz Henrique, que pontuou que muitos nomes foram sugestões dos autores e outros grandes surpresas, como a atriz mirim Valentina Vieira e a adolescente Bruna Inocêncio, quem ele conheceu durante o teste para as personagens Sofia e Alice.

A Valentina é um caso absolutamente de uma conspiração de acaso. A chance daquela menina estar no Rio de Janeiro naquele momento que veio passar uns dias para fazer um curso e acabar sendo aprovada em um teste foi demais”, disse o diretor, que revelou que ao ler a personagem pela primeira vez pensou onde encontraria sua intérprete.

Em relação à Bruna, ele disse ter se encantando por seu sorriso durante os testes. “Eu falei: ‘Gente, é a cara da personagem’”, contou o global, que lembrou que mesmo plantando uma semente, é preciso esperar a hora certa da chuva para que a colheita seja boa.

“Uma novela contemporânea em um mundo de muita comunicação”

Luiz Henrique Rios classificou Bom Sucesso como uma novela contemporânea em um mundo de muita comunicação. O diretor ressaltou que o excesso de informação nos dias de hoje exige surpresa, que não é mais aquilo que nunca vimos.

A surpresa hoje tem que ser uma fagulha até se apagar a chama porque senão o sujeito vira de lado, porque é muita coisa acontecendo. O mundo está numa velocidade que o deixa muito vertiginoso, então pra você poder estar ali conversando com a pessoa em casa, você tem que estar inteiro, você tem que ter se emocionado. É disso que a gente está falando, de um lugar de emoção”, destacou o diretor, que lembrou que o processo de comunicação moderna independe do formato.

“Não importa se é uma série, novela, se é pra criança, pra velho, pro segmento A, B ou C. Quando você consegue comunicar neste processo, você amplia o seu leque, fazendo com quem passe por ali, pare e preste atenção por qualquer tempo que seja e que guarde pra si algo que é significativo positiva ou negativamente”, explicou Luiz Henrique, que disse que seu trabalho contribui para cumprir o caminho entre a ficção e a realidade.

A gente sai de um lugar que trabalha com o fake do mundo, mas o que trabalhamos nessa ficção é onde a gente diz pras pessoas que isso é mentira, mas é aqui que está uma dose de verdade que transita entre todos nós, porque a gente vive num mundo de pós-verdade e é aí que entra a ficção”, detalhou o diretor, que apostou que a ficção não vai morrer.

“Cada vez mais a ficção faz sentido, porque eu preciso de uma referência pra mim pra entender o meu eu e pra pensar o que eu quero pensar”, concluiu Luiz Henrique.

Reta final terá ação interativa com o público

Luiz Henrique Rios contou que na última semana da novela irá ao ar um clipe romântico referente ao casal Gabriela (Giovanna Coimbra) e Vicente (Gabriel Contente), que foi editado pelo público. A ideia foi criar uma ação para que o telespectador e o internauta pudessem interagir na trama.

Recebemos diversos vídeos, não sei quantos foram assistidos, mas sobraram pra nós cinco ou seis e escolhemos qual vai pro ar e com o fim da novela divulgaremos os cinco”, adiantou o diretor, que justificou a decisão de criar a ação.

Eu acho que a gente não está mais num lugar em que alguém fala. A gente só está num lugar em que a gente troca. O que mudou no processo da comunicação é que antes o processo da comunicação era tão difícil quanto o processo do poder: ‘Eu digo, você ouve’, mas o lugar de fala colocou pro planeta que o que você está dizendo não é inapropriado, mas que você vai ter que ouvir o que penso quando você diz de mim e aí seja na ficção, seja na realidade, a gente entra num lugar que se a gente conseguir potencializar vai ser maravilhoso, que é a troca, não a mentira, a imposição”, explicou Luiz Henrique, que novamente falou sobre a importância do diálogo.

“Então o que eu proponho quando eu penso na história é que a gente vá conversar com as pessoas. Eu não posso achar que quando elas conversam comigo isso é ruim, ao contrário, isso é profundamente positivo. Eu vou tentar ouvir o máximo possível e não é que eu vou ser influenciado com isso. Eu vou trocar com isso, porque quando a gente conversa não necessariamente a gente chega num mesmo lugar, mas a gente cresce”, detalhou o diretor.

Cenas finais foram gravadas há quase um ano

Nos últimos capítulos do folhetim está previsto para ir ao ar cenas gravadas durante os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2019. Luiz Henrique Rios contou que quando dirigiu a sequência nem ele e nem os autores sabiam quando ela iria para o ar.

A gente sabia que era uma novela que tinha uma temporariedade, seja ela começada em agosto ou não, passava um tempo pra outubro mais ou menos ali e ia até o Carnaval, porque a data é importante pra história. Então fizemos a primeira sequência com a Grazi rainha da bateria, a qual fizemos bem realista, porque não dava pra começar uma novela com uma cena em chroma (key) e aí promos gravar isso na avenida mesmo”, contou o diretor, que afirmou que as cenas foram escritas para acontecer ao longo da história, mas que com o decorrer da trama, a equipe foi percebendo que já aconteceria apenas no final.

“É uma sequência que ficou muito bonita, porque tinha aí uma energia que eu acho que só quem pisou no sambódromo pode entender o que é isso, além de uma urgência, porque tivemos que fazer uma sequência inteira e exatamente em cinco minutos, porque é o tempo que se tem entre uma escola e outra”, relatou Luiz Henrique, que espera fortes emoções com a cena no ar.

Livros foram referências ao longo da novela

Um dos elementos mais elogiados pela crítica e pelo público ao longo da novela foi a referência literária apresentada por Alberto à Paloma e, consequentemente, aos telespectadores. Além disso, as obras clássicas que eram citadas na história se correlacionavam com o que estava acontecendo nas vidas dos personagens na trama, com direito a encenações.

Luiz Henrique Rios esclareceu que a definição dos livros vieram dos autores, que pensaram em uma obra para cada personagem, tendo anunciado à equipe logo no início.

“Quando a gente começou a gente pediu pra saber quais eram pra gente poder entender e obviamente procurar ler os livros na medida do possível e ao longo da história eles iam pensando em inserir essas narrativas nas histórias da novela e isso foi constitutivo da narração. Acho que ficou muito legal e é um mérito profundo de uma equipe que trabalhou barbaramente. Os autores trabalharam como mouros porque é barra pesada ter que pensar não só na construção da história, mas também nas referências literárias dessa história e encontrar citações para serem adaptadas”, disse o diretor, que contou ter lido Guerra e Paz, de Liev Tolstói, ao longo dos últimos meses.

Ele classificou a ideia das referências como uma prática ousada em sua carreira enquanto diretor. “Pra mim o desafio de construir a ficção da ficção era muito complicado logo no início, pensei que pudesse criar um ‘mico’, então a primeira coisa que fiz foi decidir que seria teatral e em seguida esperar das cenas uma linguagem iconoclástica não realista perto de tudo porque na verdade cada um que lê um livro vê o que quer. Então, passamos a fazer uma super livre interpretação de situações propostas onde a gente tinha uma certa referência daquela situação, uma ambiência daquela situação e a gente lia e sempre num espaço muito curto para que isso pudesse causar o impacto sem entrar na Literatura, que é individual, e aí funcionou”.

Parceria com os autores

O diretor falou também sobre a consolidação de sua parceria com os autores Paulo Halm e Rosane Svartman. Ele contou que conhece a escritora há muitos anos, tendo conhecido a autora por meio de sua mulher, quando ainda recém-formada.

Já o escritor, que fez carreira também como cineasta, Luiz Henrique Rios alegou ter conhecido graças à Rosane. Ele chamou a dupla de seres maravilhosos e agradeceu a eles pela oportunidade de ser colocado por eles em um lugar de troca intenso.

“Não sei da vida. Se eu estiver vivo, gostaria de poder fazer outras coisas com eles, mas mais que tudo eu gostaria de pra sempre ser amigo deles, como eu sou hoje, porque isso é muito mais caro, e aí vamos ver o que o mundo trama e como a gente trama o mundo”, respondeu o diretor ao ser indagado sobre um próximo trabalho junto à dupla.

Luiz Henrique também agradeceu à TV Globo por ter lhe permitido dirigir a história e àqueles que acreditaram que uma novela das sete pode ser também uma novela filosófica. “Porque a gente pode fazer entretenimento e colocar coisas bacanas pra deixar as pessoas felizes”, completou o diretor, que espera que com o fim da novela, fique a todos a sensação que ele já consegue sentir.

A de que eu pude estar num lugar especial, por um tempo especial, com pessoas especiais, fazendo algo especial. Então isso é o que eu guardo pra mim nesse ano de trabalho e eu só tenho a agradecer”, finalizou Luiz Henrique Rios.

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano.

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