A novela que Walcyr Carrasco assinou com pseudônimo

Publicado em 26/02/2018

Após escrever uma novela, Cortina de Vidro (SBT, 1989/90), e as minisséries Rosa dos Rumos (com Rita Buzzar), Filhos do Sol (com Eloy Santos) e O Guarani, exibidas entre 1990 e 1991 pela Rede Manchete, Walcyr Carrasco propôs à emissora de Adolpho Bloch a produção de uma história um pouco mais extensa, que denominou à época de “maxissérie”. Queria contar a história de Xica da Silva, escrava que enlouqueceu de amor um contratador de diamantes e tornou-se senhora nas Minas Gerais do século 18, já levada às telas de cinema pelo diretor Cacá Diegues em 1976 com Zezé Motta e Walmor Chagas nos papéis principais. Mas na época o projeto acabou deixado de lado, em meio a uma crise que culminou inclusive numa venda da Manchete ao grupo IBF. Pouco tempo depois “Seu Adolpho” retomaria a empresa, mas Walcyr havia voltado a trabalhar como jornalista.

Durante alguns anos ele manteve uma página na Contigo!, revista da qual chegou a ser diretor, na qual dava notícias do mundo da TV e fazia algumas críticas breves. Em 1993, escreveu alguns episódios da série Retrato de Mulher, com Regina Duarte, mas Walcyr queria mesmo escrever novelas. E a oportunidade surgiu pouco depois, em razão de seu trabalho da época, na imprensa especializada em televisão: o SBT o contratou para a função de assessor de dramaturgia da emissora, cuja função era ler, analisar e assistir a novelas, em especial as de origem mexicana, que já eram tradição no canal de Silvio Santos há mais de dez anos na ocasião.

Mas a Rede Manchete, com seu departamento de teledramaturgia reerguido havia alguns meses – estava no ar Tocaia Grande, de Walter George Durst, baseada no romance de Jorge Amado –, contatou Walcyr para tratar do antigo projeto de fazer Xica da Silva, que seria agora uma novela, às 21h30. Contratado do SBT, embora não como novelista, ele não podia assumir a tarefa. Ao menos não assinando-a com o próprio nome. Assim, foi criado o pseudônimo Adamo Angel, para apresentar à imprensa e ao público a identidade do autor da próxima novela da emissora carioca.

Xica (Taís Araújo) enlouquecia de amor o contratador João Fernandes (Victor Wagner) e despertava com isso a ira da noiva renegada por ele, Violante (Drica Moraes), filha de Thomaz Cabral (Carlos Alberto), o Sargento-mor, uma das autoridades do Arraial do Tijuco, hoje Diamantina, onde a história se passava. Assumida pelo contratador como esposa, Xica toma ares de senhora, “imperatriz do Tijuco” como diz Jorge Ben Jor em sua música sobre a personagem, e escandaliza toda a sociedade. Em paralelo diversas tramas, dentre as quais ganham força os romances de Das Dores (Carla Regina) e Martim (Murilo Rosa), e de Micaela (Teresa Sequerra), a jovem segunda esposa do Sargento-mor Cabral, com o filho deste, Luís Felipe (Fernando Eiras); as bruxarias de Benvinda (Mirian Pires); seu neto homossexual Zé Maria (Guilherme Piva); e as atrocidades cometidas por Jacobino (Altair Lima), o asqueroso capitão-do-mato.

Em declaração ao jornal Folha de São Paulo, o diretor de Xica da Silva, Walter Avancini, apresentou Adamo como “um historiador especializado na época de Xica da Silva” que havia procurado uma produtora independente a fim de desenvolver o projeto, que chegou à Manchete e interessou à emissora, que o contratou. Avancini disse ainda que Adamo era “muito reservado” e que “não queria aparecer”. Em entrevista a André Bernardo e Cíntia Lopes para o livro A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo (Panda Books, 2009), Walcyr declarou que o pseudônimo surgiu do seu gosto pelo nome quando ouviu-o e também da vontade de ser chamado por algum tempo de “Anjo”, contraponto de seu sobrenome, que é realmente Carrasco. “Sabe o que é passar a vida toda sendo carrasco?”

Após meses de suspense em torno da identidade de Adamo Angel, com diversas especulações que levantavam suspeitas até quanto a contratados da Globo, Walcyr foi descoberto. “Você está escrevendo Xica da Silva para a Manchete”, disse Silvio Santos a ele, que não negou e declarou que o fizera por não ter tido até ali a oportunidade de escrever novelas no SBT. Após uma negociação na qual Walcyr pediu o dobro do salário que ganhava como assessor de teledramaturgia (e foi atendido), acertou-se que ele escreveria uma novela para o SBT, que viria a ser Fascinação (1998), que teve Regiane Alves, Marcos Damigo, Glauce Graieb e Heitor Martinez nos papéis principais e revelou Mariana Ximenes, com direção de Henrique Martins. Em 2000, Walcyr Carrasco estreou na Globo por indicação de Walter Avancini, com um grande sucesso das 18h: O Cravo e a Rosa, em coautoria com Mário Teixeira.

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Ironicamente, em 2005 a mesma Xica da Silva, já com a Manchete fora do ar, serviu ao SBT como arma na luta pela audiência, ao ser reprisada pela emissora de Silvio Santos em confronto direto com a novela das 21h da Globo – na época, América, de Glória Perez.

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