Reportagem de Domingo: A tormenta soteropolitana da Globo

Publicado em 10/12/2017

Na primeira Reportagem de Domingo desta nova seção do Observatório da Televisão, mostramos que a Globo tem uma pedra no sapato que se chama Balanço Geral em grande parte do Brasil.

É fato que o programa popular tem tido vitórias fortes pelo país, mas em uma cidade, as vitórias são tão fortes, e o impacto tão grande, que as coisas ficaram bem graves para a Globo: Salvador.

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Primeira capital do Brasil e terceira cidade mais populosa, Salvador tem uma importância muito grande para o chamado Painel Nacional de Televisão, o PNT, que mede a audiência das 15 principais metrópoles do país. É a quarta cidade de maior peso para a média, perdendo apenas para São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. E como é uma cidade chave, a briga é ferrenha de todos os lados.

Desde 2015, o número de televisores ligados em Salvador aumentou 15%, em média, segundo o Kantar Ibope: de 44% para 59%. Esse crescimento pode ser explicado pela crise econômica do Brasil que fez o número de desempregados crescer muito. Um estudo do IBGE divulgado em agosto, mostrou que 19,1% da população de Salvador está desempegada no 2º trimestre de 2017. É o segundo maior índice do Brasil, perdendo apenas para Recife (19,7%).

José Eduardo, o Bocão
José Eduardo, o Bocão, da Record TV Itapoan (Reprodução/Record TV Itapoan)

Lógico, menos gente trabalhando, mais gente em casa. Mas limitar o crescimento da audiência das concorrente e a grande crise que a Globo passa em Salvador a isso é ter uma visão errada da história. Hoje, o público se vê mais na RecordTV Itapoan, filial própria da emissora na Bahia, e na TV Aratu, afiliada do SBT no estado, e que nos anos 70 e 80, era retransmissora da Globo – deixou de ser numa história nebulosa que contaremos aqui.

O fato é que a TV Bahia, filial da Globo por lá, tem um problema grave, e só vai começar a resolver a partir de 2018. Nesta reportagem, você verá como a tormenta começou, o que a Globo planeja de soluções, quais são os programas populares da concorrência que fazem a dor de cabeça, e mais detalhes sobre as mudanças que já começaram a acontecer nesta última semana.

O dia em que Salvador teve duas emissoras Globo

A TV Bahia foi fundada em 10 de março de 1985. Foi mais uma das emissoras fundadas na chamada “farra das concessões”, acontecida nos anos 80, quando o Governo de Figueiredo e Sarney desandaram a distribuir concessões de comunicação para correligionários políticos. O motivo era simples: ter TV no local era, de certa forma, ter um pouco de poder e controlar as notícias que se eram dadas. Hoje, o pensamento é outro, mas na época, a mentalidade era o coronelismo.

Primeiramente, a TV Bahia virou afiliada da Rede Manchete, e assim ficou por dois anos. Mas em 1987, tudo mudou. De repente, a Globo notificou a TV Aratu dizendo que ela não seria mais sua parceria – as duas tinham contrato de filiação desde a fundação da Aratu, em 1969. Eram 18 anos de parceria, e a Aratu era considerada a melhor filiada Globo em termos de estrutura de redação e trabalho.

O motivo da desfiliação teria sido político e tendo envolvimento direto com o Caso NEC. Em 87, o político Antônio Carlos Magalhães (1927-2007) era ministro das comunicações e cancelou contratos que tinha com a NEC do Brasil. Como o Governo era sua principal fornecedora, a NEC teve problemas e a matriz japonesa teve de comprar a total das ações dela – antes, a NEC era uma sociedade do grupo Brasilinvest com NEC japonesa.

Interessado, Roberto Marinho comprou ações da NEC, tendo como ajudante o velho cacique, do qual era muto amigo. Para agradecer a ajuda, Marinho deu o direito de filiação para a TV Bahia, controlada pela família Magalhães. A data limite era o dia 20 de janeiro. A TV Aratu não se conformava com aquilo.

No dia 15 de janeiro de 1987, a emissora do Galinho, como é conhecida até hoje, conseguiu uma limitar na 9ª Vara Cível do Rio de Janeiro, concedida pelo juiz Luiz Fux – hoje presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Fux concedeu o direito da Aratu de continuar com a Globo. A emissora carioca só derrubou a liminar no dia 23 de janeiro, mas a Aratu só mudaria quando fosse notificada pelo então Dentel – ou seja, entre 23 e 25 de janeiro de 1987, Salvador teve duas emissoras Globo. Até hoje, o fato é inédito.

Em 31 de março, a Aratu conseguiria uma nova liminar para retransmitir a Globo, e a TV Bahia se recusaria a trocar. Mais uma vez, duas emissoras Globo. Também durou uma semana, com a Globo entrando com outro recurso no início de abril. A batalha durou até 6 de julho, quando o desembargador Nicolau Mary deu vitória à TV Bahia. A TV Aratu deixava, de uma vez por todas, de ser Globo. Até hoje, a história não é muito bem digerida por quem se envolveu nela, mas aconteceu.

Os tempos de hoje

Mesmo sendo o maior grupo de comunicação da Bahia atualmente, a Rede Bahia vive uma crise notória. Em 2016, por exemplo, o grupo aboliu a rádio CBN de Salvador por problemas financeiros, e a transformou em Jovem Pan, que tem uma programação predominantemente de rede nacional. Além disso, inúmeras demissões ocorreram – cerca de mais de 20 – apenas de profissionais da TV, entre 2015 e 2016.

Pesou nisso o investimento da concorrente, RecordTV Itapoan. Em 2014, para se digitalizar, a emissora gastou cerca de 20 milhões de reais em reforma de seus estúdios, que ficaram bem modernos. Atualmente, são 14 ilhas de edição, o maior número da Bahia. Hoje, o canal é a maior audiência nacional da RecordTV, com média na casa dos 8 pontos no Ibope das 24 horas, e lidera diariamente na média, das 7h às 16h.

A TV Aratu/SBT também investiu. No ano passado, foram adquiridas 13 novas ilhas de edição e houve modernização de seus estúdios. Mesmo sendo ainda terceira colocada na média, a TV Aratu conseguiu, em outubro, ser a melhor afiliada SBT do Brasil pela primeira vez, com 6,2 pontos de audiência. Além disso faz sucesso com atrações como o Que Venha o Povo, exibido entre 10h45 e 12h, e com atrações de entretenimento aos sábados, como o Se Liga no Pida, Dendê na Mochila e Chegue Mais.

O que mais vence a Globo na TV Aratu/SBT é o infantil Clube da Alegria. Desde junho, o programa vence a emissora de forma acachapante, com médias de até 9 pontos de Ibope nas manhãs de sábado, colocando o É de Casa em segundo lugar nos números. Neste último sábado, dia 9 de dezembro, o Clube da Alegria chegou a ganhar de 13,5 a 5 no tempo real.

Hoje, apenas o noturno BATV lidera com folga a audiência na TV Bahia/Globo, muito por ser exibido entre as atrações de horário nobre da Globo, até agora imbatíveis. O Jornal da Manhã, apresentado por Ricardo Ishmael e Jéssica Smetak chega a perder em vários momentos para Raimundo Varela, criador do Balanço Geral, que apresenta uma versão do programa das 6h15 às 7h30 – na média, o Jornal da Manhã ainda é líder, mas com menos gordura a cada dia.

Casemiro Neto, da TV Aratu: apresentador colocou Fátima Bernardes em segundo lugar
Casemiro Neto, da TV Aratu: apresentador colocou Fátima Bernardes em segundo lugar (Divulgação/TV Aratu)

No meio-dia, a situação tem sido muito grave. O Bahia Meio Dia, ancorado por Fernando Sodake e Silvana Freire, sofre com derrotas diárias no Ibope para o Balanço Geral BA, apresentado por José Eduardo, o Bocão. No início deste mês de dezembro, mais exatamente no dia 1, o BA Meio Dia chegou a tomar de 16,5 a 9 do concorrente na medição em tempo real.

A pior situação, no entanto, é no confronto com o Bahia no Ar, apresentado por Jéssica Senra, na faixa das 7h30 às 8h55. O programa matinal é líder de audiência desde janeiro de 2016 e coleciona premiações e elogios pelo Brasil. A média é na casa dos 12 pontos de Ibope, contra 8 da TV Bahia/Globo. Mas no tempo real, as derrotas são grandes. No dia 10 de novembro, por exemplo, o Bahia no Ar chegou a vencer por 16 a 6 em dado momento.

A má fase local da TV Bahia/Globo está prejudicando as atrações nacionais. Hoje, o caso mais notório é do badalado Encontro, apresentado por Fátima Bernardes, que chega a ficar em terceiro lugar na média em vários dias, perdendo com folga para o QVP, da TV Aratu/SBT, e também para o Hoje em Dia, nacional da RecordTV, mesmo que de forma mais apertada.

Clara (Bianca Bin) em O Outro Lado do Paraíso
Clara (Bianca Bin) em O Outro Lado do Paraíso (Divulgação/ TV Globo)

Até a novela das 21 horas tem sofrido. O Outro Lado do Paraíso, mesmo na semana de sua grande virada, marcou apenas 31,8 pontos na capital baiana. Apenas em Vitória, Manaus, Goiânia e Fortaleza o folhetim marcou menos. Até 2013, era uma certeza: novela das 21 horas em Salvador não teria menos que 40 pontos, devido a alta aceitação do público por lá.

O contra-ataque global

A Globo já começou a agir. Nesta semana, ordenou a troca de comando do jornalismo da TV Bahia. Roberto Appel, diretor de jornalismo da TV Bahia desde 2002, deixou a emissora. Um novo nome já está sendo definido. A ideia era que ele só fosse anunciando quando Appel deixasse o canal de fez, em janeiro de 2018, depois das festas de fim de ano, mas o anuncio deve ser antecipado por conta da alta repercussão da dispensa.

Esta é a primeira de uma série de medidas que a emissora deve tomar. Em meados de junho, Amauri Soares, diretor de programação de rede da Globo, foi em Salvador para analisar a situação. Intervenções foram prometidas para o segundo semestre, mas elas foram adiadas por uma falta de sincronia entre o jornalismo e a programação. Agora, as mudanças devem se intensificar em 2018, com um plano forte de retomada.

A primeira delas é ter uma novela ambientada na cidade. De Volta pra Casa, de João Emanuel Carneiro, substituta de O Outro Lado do Paraíso, terá Salvador como cenário. É bem verdade que a trama já sofre críticas – um grupo de atores de Salvador assinou um manifesto dizendo que tramas baianas deveriam ser feitas por atores baianos -, mas a aposta é que isso ajude a trazer o público de volta.

Jéssica Senra, apresentadora do Bahia no Ar: líder desde janeiro de 2016 e interessando a concorrente (Divulgação)

A segunda ideia é reforçar o jornalismo. Salvador tem a prioridade hoje para ser a primeira afiliada a estrear a nova identidade visual da Globo, que estreou em maio na cidade de São Paulo, e que nesta semana, deve estrear em outras praças próprias da Globo, como Belo Horizonte. Foi cogitado mudar a nomenclatura Bahia Meio Dia para BATV – 1ª Edição para se dar uma ideia de um novo produto quando isso acontecer – para muitos, a marca BA Meio Dia está bem desgastada.

Falando em reforços, até mesmo novas contratações estão sendo pensadas. O nome dos sonhos seria da RecordTV Itapoan. Jéssica Senra, do Bahia no Ar, é considerada o nome ideal para liderar esta nova fase, mas sua contratação é improvável, pelas limitações financeiras que a TV Bahia tem – hoje, a RecordTV é a que paga os melhores salários para seus apresentadores e repórteres.

O fato é que em 2018 a Globo está disposta a acabar com a sua tormenta soteropolitana. O canal é, sim, líder na média, mas nunca sofreu tanto com derrotas como sofreu no último mês de novembro – mais de 10 programas da concorrência foram líderes no Ibope pelo menos por um minuto em Salvador. Foi o estopim para a mudança. E 2018 promete muito, porque ou estanca a sangria ou estanca a sangria. A situação é grave. Mas enquanto a TV Bahia/Globo não muda, a concorrência agradece.

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