Beto Rockfeller: 50 anos do divisor de águas da telenovela brasileira

Publicado em 04/11/2018

No dia 4 de novembro de 1968, há exatos 50 anos, a TV Tupi de São Paulo estreou uma das mais importantes novelas de sua trajetória e da TV brasileira. Trata-se de Beto Rockfeller, escrita pelo dramaturgo Bráulio Pedroso. A concepção foi de Cassiano Gabus Mendes, que na ocasião voltava à emissora após uma breve passagem pela TV Excelsior. Sua principal tarefa era trazer de volta a audiência perdida pela emissora para a concorrência.

#TBTdaTelevisão: Os 50 anos de Beto Rockfeller e a necessidade de um novo gás às novelas

A história de Beto Rockfeller

Alberto (Luís Gustavo) é um jovem pobre, que trabalha numa loja de sapatos na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Ele deseja ascender socialmente e ter uma vida diferente da de seus pais, Pedro (Jofre Soares) e Dirce (Eleonor Bruno). Para tanto, Beto se passa por integrante da milionária família norte-americana Rockfeller, e se infiltra na alta sociedade paulistana. Sua intenção é arrumar um bom casamento, e enquanto isso não acontece Beto curte as festas e a boa vida, escondendo a verdadeira origem. Divide-se entre a Teodoro Sampaio e a Rua Augusta, distante poucas quadras. No entanto, o mundo da Augusta é bem distante de sua vida humilde. À época, a região era ícone de sofisticação.

O rapaz é namorado da humilde Cida (Ana Rosa), que vive no bairro pobre. Mas arrasta a asa para Lu (Débora Duarte), filha dos ricos Otávio (Walter Forster) e Maitê (Maria Della Costa). Beto vai se dividindo entre os dois mundos, com segredos de um lado e de outro, sempre se safando graças à sua imensa lábia e à ajuda do grande amigo Vitório (Plínio Marcos). Mecânico de automóveis, Vitório é apaixonado por Cida.

Todavia, segredo nenhum é guardado por muito tempo, ainda mais quando se tem rabo de palha. Beto é descoberto em sua mentira por Renata (Bete Mendes), filha de uma família tradicional, porém decadente. E se divide no decorrer da história entre Cida, Lu e Renata. Sem falar em Manoela (Marília Pêra), “pantera” com quem também se envolve. Mila (Marilda Pedroso), mulher casada, também tem seus momentos com o bicão.

Ao final, com sua farsa desmascarada por Otávio e o golpe do baú indo por água abaixo, Beto resolve dar um tempo de São Paulo e ir tentar a sorte no Rio de Janeiro.

Outros personagens de destaque em Beto Rockfeller

Irene Ravache e Walter Forster em Beto Rockfeller (Divulgação)
Irene Ravache e Walter Forster em Beto Rockfeller Divulgação

Neide (Irene Ravache) merece menção. Irmã de Beto, é uma jovem diferente das demais de sua faixa etária. Desprovida de vaidade, descuidada da aparência, Neide desperta a atenção de Otávio, pai de Lu.

Carlucho (Rodrigo Santiago) é o noivo de Renata no início da novela. Saldanha (Rui Rezende) é outro amigo que ajuda Beto em suas investidas na alta roda. Ao passo que Lavito (Vladimir Nikolaieff), noivo preterido de Lu, torna-se a pedra em seu sapato. Mercedes (Walderez de Barros), a ciumenta namorada de Vitório, a princípio seria apenas uma participação, mas agradou e foi ficando. Madame Waleska (Etty Fraser) era uma cartomante de origem russa, muito procurada pelas colunáveis da história. Ainda, Lima Duarte dividindo-se em vários papéis no decorrer da novela, conforme a necessidade, seja aparecendo em cena, seja emprestando apenas sua voz. Lima foi tanto Domingos, patrão de Vitório na oficina, quanto um conde russo amigo de Otávio. Foi também Seu Duarte, patrão de Beto na sapataria, e Secundino, mordomo dos milionários.

Mas o que, afinal, fez de Beto Rockfeller um marco tão importante?

Acima de tudo, Beto Rockfeller era diferente de tudo que se fazia em matéria de novelas no Brasil até ali. Anteriormente houve uma tentativa de Lauro César Muniz de fazer algo menos amarrado aos dramalhões mexicanos, com texto coloquial, linguagem comum, como a do espectador. Todavia, Ninguém Crê em Mim (TV Excelsior, 1966) não deu certo. A própria Tupi estreara em julho de 1968 às 19h Antônio Maria, de Geraldo Vietri e Walther Negrão, semente do que teria seu auge em Beto.

A direção de Lima Duarte e o próprio texto incentivavam e deixavam os atores à vontade para criarem, “brincarem” com seus personagens e tramas. Abriu-se a perspectiva de um trabalho artístico de valor também na televisão, o que ajudou a quebrar mais preconceitos de profissionais que evitavam a telenovela. Totalmente diferente das novelas de Glória Magadan na Globo, com sua fórmula importada de romances impossíveis passados em cenários longínquos, Beto Rockfeller acertou em cheio com um anti-herói à frente da história, cheio de qualidades e defeitos. Humano e real, enfim. Ao contrário dos mocinhos da época, de moral inabalável, Beto usava de trapaças e esperteza para atingir seus objetivos.

Os atores não atuavam com marcações muito rígidas no estúdio ou nas locações, o que ampliava sua liberdade em cena. A sintonia com os acontecimentos reais da época também conquistou o público. Só para ilustrar, enquanto o capítulo se iniciava no ar e era exibido o primeiro bloco, por vezes atores estavam na rua gravando cenas a serem exibidas dali a pouco, no terceiro bloco do capítulo da mesma noite, em locais da moda citados e mostrados na novela. Praticamente ao vivo.

A trilha sonora de Beto Rockfeller: um festival de sucessos do momento

Na época, o usual em novelas era que as cenas fossem acompanhadas por músicas executadas por orquestras, a exemplo dos temas de filmes. Beto Rockfeller inovou nesse sentido, tocando canções de sucesso da época. “F… Comme Femme”, com Adamo e Gilbert, “Here, There and Everywhere”, dos Beatles, e “I Started a Joke”, dos Bee Gees, foram algumas. No entanto, não há o registro da trilha sonora da novela em LP ou CD, já que Beto Rockfeller não teve trilha lançada nas lojas.

Retornos de Beto Rockfeller às telas

Cartaz do filme Beto Rockefeller, dirigido por Olivier Perroy (Reprodução/Acervo Cinemateca Brasileira)
Cartaz do filme Beto Rockefeller dirigido por Olivier Perroy ReproduçãoAcervo Cinemateca Brasileira

Pouco depois do final da novela, o diretor Olivier Perroy lançou um filme com o bicão. Beto Rockefeller (com um “E” a mais) chegou aos cinemas em 1970. No elenco, Cleyde Yaconis, Plínio Marcos, Raul Cortez, Lélia Abramo e Odete Lara.

Posteriormente, em novembro de 1973, a mesma Tupi resgatou o bicão numa nova novela, também escrita por Bráulio Pedroso. A Volta de Beto Rockfeller foi dirigida por Oswaldo Loureiro, que também integrou o elenco. Luís Gustavo foi mais uma vez o protagonista. Com ele também ressurgiram Plínio Marcos, Irene Ravache, Jofre Soares, Eleonor Bruno e Bete Mendes com seus personagens. O sucesso não foi o mesmo da novela anterior. No entanto, essa “volta” também não comprometeu o personagem nem o autor.

Uma curiosidade é que o mesmo Cassiano Gabus Mendes resgatou o espírito de Beto numa novela sua mais de 20 anos depois. Meu Bem, Meu Mal (1990/91) trouxe entre seus personagens principais o pobretão Doca (Cássio Gabus Mendes). Infiltrado entre os ricos, ele seduz a herdeira do rico Dom Lázaro Venturini (Lima Duarte): Victória (Lizandra Souto). Seu nome “artístico” é Eduardo Costabrava.

Globo escala Irene Ravache e Nicette Bruno para o remake de Éramos Seis

Por que Beto Rockfeller nunca foi refeita?

Esta é uma pergunta que os pesquisadores e noveleiros em geral costumam se fazer quando tratam de remakes. O que podemos concluir, a partir de uma contextualização das fases do gênero telenovela no Brasil, é que não se quis reaproveitar Beto Rockfeller por uma série de motivos. Possivelmente, o maior deles é o aproveitamento que as novelas em geral fizeram dos elementos básicos da história do bicão. E, mais ainda, de características da narrativa, que modernizou a maneira de se fazer novelas.

Ainda, a morte precoce de Bráulio Pedroso em 1990 pode ter ajudado a sepultar eventuais intenções. Na ocasião, recém-contratado pelo SBT, Bráulio desenvolvia uma novela para implantar o horário das 19h para o gênero na emissora. E desde o ano anterior ele desenvolvia Beto Rockfeller – 20 Anos Depois, para a qual desejava contar com o mesmo Luís Gustavo.

Ainda em 1969, a Rede Globo seguiu a mesma trilha. Após a demissão de Glória Magadan, transformou seus três horários de novelas da noite para o dia. A Cabana do Pai Tomás, Rosa Rebelde e A Ponte dos Suspiros, todas passadas em outros países e épocas, foram substituídas por histórias modernas de temas brasileiros. A saber, Pigmalião 70, Véu de Noiva e Verão Vermelho.

Reprises, infelizmente, nem pensar. Na própria época a TV Tupi reaproveitava as fitas com os capítulos de Beto Rockfeller para gravar outras coisas por cima. Poucos registros que ainda resistem são reprisados à exaustão.

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