Há 30 anos, chegava ao fim uma novela que tratou de incesto e misticismo

Publicado em 13/05/2018

Escrita por Dias Gomes e Marcílio Moraes, Mandala chegou ao fim em 13 de maio de 1988, após 185 capítulos. Dirigida por Ricardo Waddington, José Carlos Pieri e Fábio Sabag, estreou em 12 de outubro de 1987 e dividiu em duas fases uma transposição da tragédia grega Édipo Rei, de Sófocles, para a telenovela.

Os primeiros 16 capítulos compõem a primeira fase, passada em 1961. Num dos muitos momentos de convulsão da História do nosso País, com a renúncia de Jânio Quadros e as tentativas de impedir a posse do vice-presidente João Goulart, Jocasta (Giulia Gam) tem 18 anos, cursa Sociologia e é filiada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Ao lado do pai, Túlio Silveira (Gianfrancesco Guarnieri), esquerdista velho de guerra, a moça participa ativamente da campanha pela legalidade democrática.

Seu namorado Laio (Taumaturgo Ferreira) é um pouco mais velho e completamente alienado. Estudante de Psicologia, não tem muita firmeza nessa sua escolha de carreira e se apoia na mesada que recebe do pai, o rico Michel Lunardo (Walmor Chagas). Sua mãe, Glória (Suzana Faíni), vive há muitos anos numa clínica para doentes mentais, o que contribuiu para sua personalidade vacilante e seus hábitos místicos; ele não costumar tomar qualquer decisão sem consultar Argemiro (Marco Antônio Pâmio, depois Carlos Augusto Strazzer), seu guru particular e secretário.

Argemiro Marco Antônio Pâmio e Carlos Augusto Strazzer nas duas fases da história

Uma profecia de Argemiro faz com que Laio tema um filho que venha a ter, pois irá matá-lo – bem quando Jocasta revela estar grávida. Ele tenta convencê-la da necessidade de se livrar do filho, mas é claro que ela não concorda com aquilo. Quando o bebê nasce, é sequestrado e levado para longe da mãe. Mas não é afastando o filho de si que Laio conseguirá se livrar de seu destino.

Vinte e cinco anos se passam. O casamento de Jocasta (Vera Fischer) e Laio (Perry Salles) nunca se estabilizou e já terminou, diante do filho que ela perdera e que não consegue esquecer, tendo procurado por ele todo esse tempo. Laio multiplicou a fortuna de Michel após entrar no negócio de jogo clandestino, tendo ao lado o cunhado Creonte (Marcos Palmeira na primeira fase, Gracindo Júnior na segunda), ambicioso e de poucos escrúpulos. Desde a juventude a melhor amiga de Jocasta, Vera (Deborah Evelyn, depois Imara Reis) é apaixonada por Creonte.

O destino de Laio se cumpre quando ele encontra Édipo (Felipe Camargo) numa estrada após conseguir escapar de uma tocaia armada por concorrentes seus nos negócios. Os dois se desentendem, partem para a agressão e Laio acaba morrendo após despencar de uma ribanceira. Sem saber, Édipo mata o próprio pai.

O rapaz se muda para o Rio de Janeiro com a namorada Letícia (Lúcia Veríssimo) em meio a muitos conflitos com o dom de premunir que possui. Na nova cidade, ao conhecer a diretora da empresa onde Letícia vai trabalhar, ele se encanta à primeira vista: é Jocasta. Os dois se apaixonam, sem saberem que são mãe e filho, separados por Laio. Jocasta logo descobre que Édipo é o filho que não pôde criar, e tenta de todas as formas fazer com que ele a esqueça – mas não pode se afastar de todo, já que pretende protegê-lo de Creonte, que enxerga nele um obstáculo a seus planos de tomar posse dos negócios de Laio, e de Argemiro, que deseja ver morto o filho do amigo que nascera sob a sombra da tragédia.

https://www.youtube.com/watch?v=bjXbPciFKFo

Jocasta passa então a dividir suas atenções entre Tony Carrado (Nuno Leal Maia), um bicheiro grosseirão, de poucas letras e grande coração, que cunhava pérola atrás de pérola – seus “foras” eram marcados por um efeito da sonoplastia –, como “Depois da tempestade é que vem a ambulância”, “antena paranoica”, entre outros, e Pedro Bergman (Raul Cortez), o oposto de Tony. Mas o personagem de Nuno caiu nas graças do público e foi ele quem no final ficou para sempre com Jocasta, a quem chamava de “minha deusa”. O tema do casal, “O Amor e o Poder”, interpretado por Rosana, é um dos mais marcantes das trilhas de novela, eternizado pelo refrão: “Como uma deusa/Você me mantém/E as coisas que você me diz/Me levam além…”

https://www.youtube.com/watch?v=VK71Yn3f3UU

Apesar do fim do regime militar ter ocorrido em 1985, ainda havia Censura, e Mandala teve diversos problemas já com vetos à sinopse, antes da estreia, devido às temáticas de incesto – tanto no caso de Jocasta e Édipo quanto em relação a ela com o irmão Creonte, que sentia por Jocasta um ciúme incestuoso, uma paixão recolhida; homossexualismo/bissexualismo – através de Laio e Argemiro; o tom político, em especial da primeira fase. O beijo de Jocasta e Édipo só foi liberado após muitas articulações da emissora junto ao governo, e venceu o argumento de que os personagens desconheciam sua condição de mãe e filho.

Um personagem que merece destaque é Petronílio Silveira (Paulo Gracindo), o Vovô Pepê. Pai de Túlio, avô de Creonte, Jocasta e Gerson (Danton Mello, depois Osmar Prado), ele é um esquerdista das antigas, e na fase passada nos anos 1980 já está bastante senil e conta com uma cuidadora, Dona Conchita (Yara Cortes). Uma das primeiras aparições do personagem, na primeira fase, já dá mostras de sua personalidade: quando o filho Túlio é solto após mais uma de suas muitas prisões por questões políticas, ele o cumprimenta dizendo: “Ô, Túlio… Você fugiu da prisão?” “Não, pai, eles me soltaram.” “Que pena, já ia cumprimentá-lo.” Curioso é notar que aqui Paulo Gracindo interpretou o avô do personagem de seu filho na vida real, Gracindo Júnior.

Vovô Pepê (Paulo Gracindo) e Túlio (Gianfrancesco Guarnieri)
Vovô Pepê Paulo Gracindo e Túlio Gianfrancesco Guarnieri Reprodução

Além de Tony Carrado e suas pérolas, Mandala ficou para a história pelo romance entre Vera Fischer e Felipe Camargo, que saiu das telas e ganhou a vida real – na época, Vera era casada com Perry Salles. Os atores ficaram sete anos juntos e tiveram um filho. Mandala jamais foi reprisada pela Rede Globo, e nesses oito anos também não deu ainda as caras no Canal Viva. Fica a esperança de que isso ocorra e o canal fuja de opções menos óbvias e das reprises de reprises…

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