“Só nos veem no papel de escravos, porteiros ou domésticos”, David Junior fala sobre o bem-sucedido Dom de Pega Pega

Publicado em 06/11/2017

A atual trama das 19h da TV Globo, Pega Pega, traz, ainda que de forma desapercebida pelo grande público, temas sociais  que merecem destaque por conta dos seus personagens e tramas.

Em seu segundo papel de destaque na TV, David Junior interpreta Dom, filho adotivo de Sabine. No folhetim, o rapaz morou anos na França onde estudou nos melhores colégios e assimilou parte da cultura local.

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Sua origem na verdade está na periferia do Rio de Janeiro. Sua família é simples, assim como a maioria dos lares brasileiros. A adoção de Dom é um mistério devido às circunstâncias de como de fato ocorreu.

Levando em conta o contexto, Dom é um dos raros personagens negros bem sucedidos na TV. Culto, elegante e atraente. É um avanço. Em paralelo, o empresário retoma o contato com sua família biológica, que sente na pele o preconceito e as dificuldades do dia a dia.

Dom também passa por situações que há anos são condenadas, entre elas, a abordagem das autoridades em relação a população negra. Em uma das cenas levadas ao ar, Dom e Dílson, seu irmão, são presos numa clara situação de abuso de poder.

Em entrevista ao Observatório da Televisão, David Júnior fala sobre a personagem e o quanto ela ajuda a combater a intolerância e o preconceito. Em Liberdade Liberdade, David foi um dos escravos da personagem de Maitê Proença.

“Já fui parado três vezes no mesmo dia, por blitz diferentes, só no trajeto trabalho/casa.O Dom representa tantos negros que permeiam nossa sociedade e não são representados dramaturgicamente, só se veem no papel de escravos, porteiros ou domésticos”, analisa o ator.

Confira:

Como foi gravar com o Milton Gonçalves a cena em que o seu personagem revela ser o filho desaparecido dele? 

Bem difícil! Não só dramaturgicamente, mas o ambiente também não ajudou muito. Estávamos congelando de frio, o que gerava uma dificuldade de concentração muito grande, propícia para o que a cena exigia. Mas aproveitamos esse desconforto real e jogamos para o emocional, a diretora colocou uma música de fundo antes e no final deu tudo certo.

O Milton ou outros atores são uma referência para você? 

Não só pra mim, mas para todos atores desse Brasil. Atores como Milton, Irene Ravache, Reginaldo Farias, Elizabeth Savala e Nicete Bruno são patrimônios históricos da televisão Brasileira. É um privilégio poder contracenar com cada um deles.

Como analisa o espaço dado aos atores negros hoje em dia? Geralmente, eles são pobres, não estudaram, entre outros… 

Sim. Geralmente sim, mas o empoderamento tem mudado esse quadro, de maneira que a sociedade tem visto negros conquistando espaços nunca antes vistos. O que reflete diretamente em nossa dramaturgia.

O fato de Dom ser negro, bem sucedido, estudado é um avanço, não? 

E se faz necessário. O Dom representa tantos negros que permeiam nossa sociedade e não são representados dramaturgicamente, só se veem no papel de escravos, porteiros ou domésticos.

Há poucos dias o seu personagem foi preso numa operação da PM. Sabemos que todos os dias algo semelhante, ou pior, acontece. Como foi gravar essa cena? Já passou por algum tipo de situação parecida, ou alguém próximo já passou por isso? 

É mais difícil enumerar quantas vezes passei por isso, risos. Já fui abordado em blitz policial, estando no banco de trás do carro, isso porque quem estava dirigindo era meu irmão, (negro), meu amigo Caio estava no banco da frente no carona, (branco) e minha esposa estava do meu lado no banco de trás, (branca). Desconfiaram que era um sequestro ou algo do tipo. Eu sei que ao saltarmos do carro, o primeiro a ser abordado, tendo os documentos solicitados fui eu, que estava no banco de trás do carro. Enfim, dentre outras muitas vezes que aconteceu comigo dirigindo. Já fui parado três vezes no mesmo dia, por blitz diferentes, só no trajeto trabalho/ casa. Fazer uma cena como essa me permite tirar um nó da garganta e gritar pra sociedade acordar e tirar esse estereótipo de ser inferior, das costas do negro, como se a escravidão tivesse acabado ontem e ainda necessitássemos das migalhas “deles”.

E o que o público pode esperar do romance entre Dom e Tânia?

Tomará que ele acorde, né? Tânia é mau-caráter, se aproveita da bondade do rapaz e arma tudo pra se dar bem, não dá pra ele continuar sendo enrolado assim.

Como analisa a relação entre Dom e Sabine e as circunstâncias da sua adoção? 

As circunstâncias são desconhecidas, mas a relação mãe e filho é legítima. Sabine ama incondicionalmente o Dom e ele a ela, isso é inegável.

Como analisa a situação de milhares de crianças que estão na fila de adoção? 

Difícil dizer. Só quem vive uma situação como essa sabe definir em palavras o que é ser uma criança adotada ou estar em um lar de adoção. Acho lindo quem se doa para dar amor a essas crianças, que desde muito cedo, aprendem na pele o que é o abandono.

A tão falada cena de Liberdade Liberdade ainda repercute para você, ou o público já embarcou na trama de Dom?

Acho que eles nem associam o David Júnior ao Saviano hoje em dia. É um personagem tão distante do outro, que até agora ninguém me parou pra dizer que lembra do Saviano. Pelo menos isso é sinal de que estão curtindo esse novo personagem, ou o outro que foi muito ruim! (Risos).

David Junior é um bem-sucedido Dom de Pega Pega (Divulgação)

Novos projetos? 

Sempre! Mas é bom ficar quietinho, pra não criar expectativas antes do tempo.

 

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