Surpreendente

Simone Spoladore fala sobre Clotilde de Éramos Seis: “Não imaginei que fosse chegar perto das pessoas desse jeito”

Atriz confessou ter se surpreendido com com a personagem

Publicado em 04/03/2020

Em sua reta final, Éramos Seis contou, ao longo de seus capítulos, com diversas personagens que discutiram os dramas femininos, principalmente enfrentados no início do século XX.

Clotilde Amaral, irmã da protagonista Lola (Glória Pires) foi uma dessas mulheres da novela de Ângela Chaves, inspirada na obra de Maria José Dupré, que levaram uma mensagem e acabaram conquistando e emocionando o público.

Em entrevista ao Observatório da TV, a intérprete de Clotilde, Simone Spoladore, que voltou à Globo após 12 anos, falou sobre a composição da personagem, bem como o rumo que ela tem tomado na história. Confira:

Comente sobre fase que atual da Clotilde na novela.

“Bom, agora ela tá num momento que assim: ela entregou a filha pra Olga (Maria Eduarda de Carvalho) e pro Zeca (Eduardo Sterblitch) e aquilo me deixou mortificada, fiquei muito triste e aí eu fui entender do que se tratava. Na verdade, pra mim, ela não dá o filho de jeito nenhum, ela só dá um discurso né. Ela fala pra sociedade: ‘a gente vai batizar e o nome fica filho da Olga e do Zeca’, mas dentro dela, ela não entregou o filho e eu acho que a gente conseguiu mostrar isso na cena. Ela diz que entregou, mas não entregou. Ela já se conectou com ele desde o primeiro momento e é isso. Imagina, na minha cabeça, como que a Clotilde ia abrir mão da única coisa que ela tinha na vida? Porque ela disse ‘não’ para aquele amor, ficou 10 anos sem vê-lo e aí reencontra, passa por cima de toda a moral e costumes da época, tem uma relação com essa pessoa e aí engravida dele. Como que ela ia entregar a única coisa que ela tem na vida se ele naquele momento ela não pode ter mais, né?”

Como você descreve a cena em que ela foi à Itapetininga e simplesmente desmaiou, entregando o filho nas mãos dele?

“Foi tão lindo. O Karnewale (Antônio, produtor de elenco) ajudou muito na cena, porque ela entregava o filho e desmaiava, era como se ela entregasse o filho porque ela ia desmaiar, sabe? Só que aí ele falou que achava que ia ficar mais forte mostrar que ela entrega o filho pra ele né, porque aí tem aquela emoção de ela ver os dois juntos e isso fazer com que ela tivesse aquele desmaio. E aí depois do desmaio, dei risada né e foi uma coisa que me surpreendeu, porque nunca imaginei que eu ia fazer um desmaio e dar risada depois , mas faz todo o sentido porque a Clotilde já sofreu tanto que eu acho que quando ela tem o filho sozinha naquela estação de trem, é como se ela transcendesse né, é como se ela desse nascimento a ela mesma. Ela enfrenta a vida, enfrenta o mistério da vida, fala ‘eu tô aqui, eu tô dando nascimento para o meu filho’, então ela se incorpora dela mesma e depois daquilo, acho que ela nunca mais vai ser a mesma. Então, eu tentei construir assim: que ela se transforma, a dor dentro dela se transforma, sabe? Quando você passa por uma dor muito profunda na vida e você vai transcendendo, acho que você vai descobrindo isso, que a dor que passou vai fortalecendo a vida e ela chega nesse momento. Aí comecei a trazer mais um vigor vital pra ela, sabe? A vida dói, mas a gente continua vivo. Ela viveu a dor do amor, de não confiar em si mesma, escutar todas as opiniões que estão em volta de você, mas não escutar você e assim, eu acho que a única maneira que a gente tem pra ser feliz, se é que existe felicidade, porque não é uma coisa constante, mas momentos de alegria, a gente tem que estar conectado com a gente mesmo: aquilo que você pensa e não expressa no mundo. É claro que isso parece muito simples de falar e não é, exige muito trabalho e acho que depende muito das vidas que a gente têm. Se a gente pensar numa pessoa que vive com pouco, como que ela vai fazer tudo isso? Ela tem necessidades básicas que ainda não foram supridas, então como que ela vai chegar nesse ponto ‘eu quero viver e sentir’, não, ela vai pensar na comida que ela tem que por na mesa. É claro que são muitos níveis né, eu tenho pensado muito sobre isso, qualquer estereótipo limita, mas eu acho que a gente tem que ir pra dentro da gente e se ouvir.”

O que você mais ouviu sobre a Clotilde? A personagem é um divisor de águas para sua carreira?

“Engraçado, eu acho que na carreira do ator, a gente pensa muito nisso de divisor de águas, mas assim, tudo isso é fruto de muito trabalho. Acho que não é uma coisa que acontece do dia pro outro. ‘Nossa, a Clotilde apareceu na minha vida e foi um divisor de águas’. A gente sabe que não é assim. Nossa, eu trabalho há muitos anos, sabe, são 35 filmes, novelas, séries, sabe, muita coisa com linguagens diferentes, com atores diferentes, dos mais variados, então, é uma coisa que você vai construindo ao longo da vida. Então, não acredito nisso que seja um divisor de águas, acredito que é fruto de um trabalho, na frente da câmera e fora da câmera, em cena, com meus colegas em exercício de atuação, fora da câmera no trabalho que faço comigo mesma, que é uma coisa que eu descobri que é muito importante. Em qualquer trabalho, você vai lá e executa bem o seu trabalho, mas pra isso você tem que estar com sua alma, com você. Agora,sobre a Clotilde, tem uma coisa muito legal, que me surpreendeu muito, porque no começo quando me falaram que eu ia fazer uma solteirona, uma mulher que ficou pra titia, bom é estereótipo, e eu tenho pavor de estereótipos, pensei ‘será que eu quero fazer isso?’ mas vamos lá, vamos trabalhar e aí a gente foi construindo a Clotilde e eu fiquei muito surpresa porque a gente foi indo nuns lugares com ela e tocou muito as pessoas e não só mulheres, mas homens também, e assim mulheres que tiveram relações com filhos muito parecidas com a Clotilde. Esses dias mesmo uma mulher veio me contar a história dela falando que teve que abrir mão do seu filho pros pais e perdeu a relação com ele, esse tipo que tá muito colado com a história da Clotilde, homens que deixaram de viver amores na sua vida, os homens vinham falar isso pra mim no mercado e eu via assim que estavam emocionados com a Clotilde e que deixaram de viver alguma coisa por alguma outra coisa, pela opinião de alguém, então isso tocou muito as pessoas também e foi muito emocionante pra mim, muito surpreendente, não imaginei que fosse chegar perto das pessoas desse jeito.”

Você mentiria pra proteger um filho do preconceito como ela fez?

“Olha, acho que é tão difícil responder isso. Primeiro que não tenho filho e a gente nunca sabe como a gente vai reagir numa situação. Eu poderia responder hipoteticamente, acho que sim, mas acho que é uma resposta muito vaga. Eu não saberia responder isso.”

Colocando a postura dela nos dias de hoje, a Clotilde está mais pra empoderada do que titia amargurada né?

“Bom, eu acho que ela teve um momento de amargura que foi quando ela disse ‘não’ pro amor dela. Ali, eu quis pontuar isso, até tentei fazer de uma maneira pra não pesar tanto, mas eu quis pontuar uma amargura, porque ela diz ‘não’ pra ela mesma e qualquer pessoa vai ficar amargurada e aí a gente fica querendo salvar os personagens, mas não pode salvar. O ser humano é falho, ele é egoísta, amargo às vezes, ele é triste, nós somos tudo isso e também alegres, então ali eu pontuei uma amargura sim, mas só ali, porque antes, por exemplo, a gente já pensa no clichê de ‘a mulher que não tem um homem é amargurada’ e eu quis pensar diferente. Tipo, ela não tinha um homem, não tinha se sentido atraída, não tinha aberto aquele campo na vida dela, mas ela tinha uma alegria na vida, ela era feliz, alegre com a vida simples que ela tinha. E aí, quando ela encontra o Almeida (Ricardo Pereira), o amor começa a trazer as angústias, porque ela tem que se confrontar com ela mesma e eu acho que nesse sentido, a Clotilde se tornou uma personagem que toma poder sobre ela mesma, porque ela rompe com os padrões que estão dentro dela, de pensamento né. Eu sei que é uma coisa de sociedade, mas é uma coisa que ela alimenta dentro dela, que não pode ficar com homem desquitado. Ela poderia falar pra sociedade que não tá nem aí e vai viver isso, mas ela não consegue porque isso tá dentro dela também, o moralismo, a questão religiosa, então ela rompe os padrões, eu não sei se pra viver um amor, mas nesse sentido eu acho que sim, ela é uma mulher que toma o poder. Eu acho que o amor é uma coisa maravilhosa e transforma a vida, seja relação hetero, trans, homem… O outro, independente de ser um homem, traz muita coisa pra nossa vida, o amor por outra pessoa, isso a gente não pode dizer que não. Agora, é claro que a gente não precisa ficar endeusando o homem pra viver ou o contrário.”

Então pode-se dizer que a grande briga dela é com ela mesma?

“Eu acho que com a mente dela, que está paralisada em ideias fixas, tanto que quando ela se abre pro amor, ela quase enlouquece. Eu acho que ela, na verdade, tem muito medo de se entregar pra vida, se entregar pro amor, pro desconhecido. Ela tem muito medo do que isso vai causar nela. E a gente conhece muita gente que é assim. A gente tem isso de querer manter controle sobre as coisas e quer arriscar e aí você paralisa sua vida, porque a vida é um movimento, aí vem uma pessoa, um irmão que fica doente, uma mãe, aí você tem que rever a sua vida, porque a vida tá se movendo o tempo todo.”

A Clotilde é uma personagem que te emociona?

“Olha, me emociona muito e me surpreendeu muito, porque eu ia fazer as cenas às vezes, e assim, eu tava tranquila, tipo, sem prever o que eu ia fazer em cena, sem prever o que eu ia sentir, aí de repente vinha uma emoção, que eu não sabia o que eu ia sentir, de lá de dentro, uma coisa que eu ficava meio sabe, me surpreendia, então sim, me emociona muito, demais. Aquela fase toda que ela enrolava a barriga, aquilo me deixou muito angustiada. Era muito angustiante pra mim fazer aquilo e ir pra casa.”

Como foi pra você receber essa emoção das pessoas num produto que é a novela? Porque as pessoas param pra ver a Clotilde, se emocionam com ela. Ela quebra as barreiras das pessoas, ela vai lá no fundo…

“Que lindo ouvir isso, fico tão feliz. Assim, por exemplo, tem uma coisa que às vezes eu ficava meio assim, que é a coisa da vaidade da Clotilde. Ela não tem vaidade, então no começo, isso me incomodava um pouco, o cabelo torto não estar bonito, por exemplo. Aí eu pensei ‘ela não tem vaidade’, porque eu ia pra cena assim, sem retoque e aí claro, acho que isso talvez chegue perto das pessoas, de ser uma pessoa real, que não tá tão ligada na imagem , na própria imagem, toda hora linda, perfeita, batom perfeito, olho perfeito, então tem um momento muito engraçado quando eu encontrei um cara que é muito fã da Clotilde e fiquei ouvindo ele falando que ela tá sempre com o cabelo tortinho, assim, e o chapéu dela está sempre torto, aí eu falei que eu nem percebia que o chapéu estava torto, mas ele tem toda razão e aquilo era um dado pra ele chegar perto da personagem. Achei tão lindo e era uma coisa que me escapou porque eu mesmo não previ aquele chapéu tortinho.”

Então podemos dizer que os grandes comentários tem vindo do público masculino?

“Engraçado né? Esses dias eu dei uma entrevista e falaram ‘porque as mulheres se identificam com a Clotilde’. Falei ‘não, não é verdade, não sinto assim, recebo homens falando comigo no mercado’, como esse cara que citei, um outro cara, mensagens no Instagram e as mulheres tambem, claro, mas mais com essa relação com o filho e tudo isso.”

Como você analisa a química em cena com o Ricardo Pereira?

“Eu acho que o Ricardo teve um encontro muito bonito mesmo. Mas quando a gente fala de química entre os personagens, parece que é uma coisa mágica e eu não acredito nisso, é fruto de trabalho também. Então, a gente conversou, a gente se abriu um pro outro mesmo e acho que isso também é parte do trabalho. A gente criou um campo entre a gente e a gente se olhava em cena e tava junto. E teve um momento inclusive que eu olhava pra ele e a emoção brotava. Não previa. Foi emoção de olhar pra ele, foi uma alquimia que a gente foi criando junto.”

Como a Clotilde vai reagir ao olhar da sociedade agora com ele juntos?

“Eu acho bem legal o que aconteceu, porque ela vai enfrentar. A Clotilde mudou, ela é outra pessoa, vai surpreender ele. ‘Não vou desistir’. O visual vai mudar um pouquinho, porque os anos vão passar. Eu fiz coisas sutis porque não era muito permitido, mas fiz ela mostrar o brinco porque uso brinco em toda cena e não aparece nunca, então fiz ela mostrando a orelha e aí tem uma mudança pros anos 40 também.”

O que você vai fazer depois da novela?

“Descansar, estudar e escrever meus roteiros.”

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano

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