“Pudemos contar histórias fortíssimas com tonalidades bem diferentes”, revela diretor de série especial do A&E sobre feminicidio

Publicado em 04/12/2018

De acordo com dados divulgados pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 2017 mais de 87 mil brasileiras foram vítimas de feminicido, ao menos 50 mil assassinadas por homens que faziam parte do seu circulo de amizade (ex-maridos, companheiros e demais conhecidos).

Inspirados nos filmes e seriados policiais dos anos 50 e 60, como se houvesse um detetive à frente das investigações, o canal por assinatura A&E apresenta, segundas 20h com reprises a partir do dia 24/12, 20h, casos de violência doméstica que ganharam repercussão nacional nos últimos anos no Brasil.

Série do A&E

Até Que a Morte nos Separe conta com seis episódios, todos narrados pelo músico e ator Paulo Miklos, ex-integrante da banda Titãs. A produção apresenta as versões dos dois lados, com depoimentos de familiares, amigos, psiquiatras forenses, juristas, advogados, promotores, detetives, jornalistas e psicólogos.

Casos investigados

Beatriz de Oliveira Rodrigues e Luiz Henrique Sanfelice (o caso Sanfelice, de Novo Hamburgo – RS), Lílian Obalski e Fábio Silva da Silva (o caso Obalski, de Belém-PA), Lore Vaz e Allan dos Santos Peçanha (o caso Lore, de Santo André -SP), Adriana Cristina Pereira e Eli Martins de Oliveira (Diadema – SP), Rosicler de Fátima Bosi e Jaime Antônio Bosi (o caso Bosi, de Ilhota – SC) e Briggida Rosely de Azevedo e Gilberto Stuckert (o caso Briggida, de João Pessoa – PB).

Em entrevista ao Observatório da Televisão, Eduardo Rajabally e Beto Gauss, diretor e produtor Prodigo Films, produtora responsável pela série, revelaram como foram feitas as gravações, negociações e o contato com as famílias das vítimas e também os assassinos. Cada episódio conta com pelo menos 18 horas de gravações.

Beto Gauus

Quais foram os cuidados que a produção tomou para retratar os casos e resguardar os familiares?

“É claro que essa é uma série muito delicada e desde a primeira temporada tomamos muito cuidado com nossos personagens. A comunicação prévia e o acompanhamento aberto com as famílias da vitima e do condenado é  uma das nossas prioridades. Sempre tentamos dar a palavra para quem foi julgado e condenado (até hoje só conseguimos com que um falasse), assim como para os familiares e advogados de defesa. Tratamos o caso e o filme sempre com imparcialidade, apenas retratando o que pesquisamos nos autos do processo”.

Cenas dos crimes

A série conta com imagens das cenas dos crimes. Por que o recurso é tão importante?

“Usamos esse recurso justamente pois acreditamos que ele é importante para trazer o público para perto da história. Usamos o recurso da animação principalmente para reconstituição das duas versões do crime”.

Depoimentos

Aliás, como foram realizadas as entrevistas e as negociações com as famílias?

“Uma das etapas mais vitais desse projeto é a pesquisa, que dura cerca de 4 meses. É nesta etapa que definimos os casos e entramos em contato com os familiares da visita do e acusado. A negociação é sempre muito dura e em certos casos não conseguimos realizar todas as entrevistas que gostaríamos. Quando se concretiza, percebemos que para muitas famílias é importante falar, reviver aquele momento e usar sua história para alertar o público”.

Eduardo Rajabally

Diariamente a imprensa mostra vários casos de feminicidios no Brasil e no mundo. A impressão que temos é que os exemplos mostrados não servem de alerta para a sociedade. Como o programa faz esse “alerta”?

“Temos a possibilidade de contar cada história de forma profunda, completa e com muita sensibilidade. Creio que a emoção contida em cada episódio é capaz de produzir impacto suficiente para que cada espectador possa fazer sua própria avaliação, julgamento e reflexão”.

Afinal, quais são os motivos?

 O que leva alguém a cometer um crime?

“Depois de três temporadas e centenas de horas de entrevistas, ainda acho difícil dizer. O que sei é que o ato de tirar uma vida não pode ser atribuído ao amor ou à condição de “amar demais”, como muitos acusados afirmam”.

Vida real nas telas

Sempre falam que a vida imita a arte, mas aqui a realidade brutal ganha às telas.

“A série fala de histórias de amor que em algum momento se desviaram em sua trajetória. Tratamos de tentar entender como o amor pode acabar e transformar-se em algo tão perverso. Seria esse fato possível de ocorrer em qualquer relação? O ser humano é violento e mesquinho por natureza? Qual o poder desses impulsos primais em nosso comportamento cotidiano? Para mim, a não-ficção é um campo de trabalho tão rico que uma vida única não seria capaz de explorar toda essa complexidade de maneira satisfatória.  Porém, isso é o que busco como documentarista”.

Ricos também matam

Apesar de que questões sociais como falta de dinheiro ou acesso à educação não fazem muito sentido nesses crimes, já que há casos entre ricos e pobres.

“Em se tratando do que comumente chamamos de ‘amor’ num relacionamento, creio que essas questões não fazem mesmo muito sentido. ricos e pobres, educados ou não, têm reações semelhantes.

O que chama mais a atenção é o comportamento dos homens nesses crimes, um traço cultural que permite que pensem na mulher como uma espécie de posse, “algo” que podem usar e dispensar da forma como bem quiserem.

É espantoso que muitos homens brasileiros ainda pensem assim, ou sintam-se no direito de matar caso a mulher não se comporte de determinada maneira”.

Fé, perdão e morte

Qual o caso mais emblemático? 

“Nesta temporada pudemos contar histórias fortíssimas com tonalidades bem diferentes: do marido que premeditou de forma surpreendente e muito inteligente a maneira como mataria a esposa, com espantosos requintes de crueldade, ao namorado que barbaramente trucidou seu suposto amor, a filha de pastores evangélicos no Pará, porque ela havia decidido terminar o relacionamento. A família, muito religiosa, luta para entender o sentido do perdão”.

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