Ricardo Pereira avalia a carreira e fala sobre a nova fase de Ferdinando em Novo Mundo

Publicado em 16/06/2017

No ar como o Ferdinando de Novo Mundo, Ricardo Pereira conversou com o Observatório da Televisão, falou sobre as mudanças que aconteceram durante a trajetória do personagem, avaliou a carreira e comentou como se sente morando no Brasil.

Depois de passar aquele tempo na mata, convivendo com os índios, o Ferdinando ressurge e terá uma fase que tentará ajudar as pessoas. Como será essa nova etapa?

Nós estamos na novela há muito tempo. A preparação começou em novembro, as gravações foram iniciadas quase no fim de dezembro e realmente passou muito tempo da trama que eu tive aquela fase inicial com aquela mulher [Letícia, vivida por Maria João Bastos] que ele era completamente apaixonado, deslumbrado, e tinha o mesmo objetivo: eram duas pessoas que amavam a natureza e vieram tentando desbravar, conhecer as espécies, catalogar o Brasil, imagina o Brasil naquela época, se agora é enorme, naquela época era três vezes esse tamanho, porque a capacidade de você se deslocar de um lugar para o outro era dificílima. E eles foram explorar, viver uma história de amor e ao mesmo tempo explorar as espécies, lugares, aí ela morre, foi uma morte muito intensa, e esse cara foi pro meio do mato, sozinho, solitário, viver essa vida, até que começa a ser surpreendido com a proximidade dos índios, essa nova terra que os índios conquistam ao lado pelo Dom Pedro (Caio Castro), e ele começa a se entusiasmar bastante com a presença irreverente e dinâmica da Jacira (Giullia Buscacio). Ela instigava muito ele, ela trouxe um pouquinho de companhia pra ele e começou a ter uma relação muito bacana que não era amor, era troca cultural, o fascínio dele por plantas também existia sobre as tribos e então ele começa a se interessar bastante.

Depois aconteceu a aproximação dele com a aldeia dos índios e com o padre Olinto [Daniel Dantas]. Quais mudanças aconteceram na vida do personagem depois disso?

Acho que é quase uma libertação, um grito, um conselho do padre, ‘meu amigo, tá na hora de você seguir a sua vida’. Obviamente que a magia dos índios, a energia que eles trouxeram pra esse personagem, e o fato dele ter ajudado a apurar o personagem da Jurema (Jurema Reis) meio que é uma coisa de liberdade, ele entendeu que o caminho dele teria que seguir, ele teria que ter esse papel de curar o mundo, de aproveitar essas pesquisas para ajudar a ciência de uma forma eficaz e concreta. Então ele volta à cidade e essa volta é bacana, porque tudo é diferente, todo mudou pra ele, ele volta pra morar na casa do Peter (Caco Ciocler), mas ele tem uma pessoa dentro de casa, aí o Wolfgang (Jonas Bloch) chama ele, ele começa a usar uma chácara tentando plantar, fazer as plantas crescerem pra  poder curar as pessoas, o Peter começar a pedir e ao mesmo tempo enxergar no único olho, que ele tem agora, a beleza da Diara (Sheron Menezzes), e essa força dela. O personagem da Diara representa essa libertação também para um outro lado. Naquela época, ela é uma personagem muito marcante, porque ela tem a vontade de lutar pela liberdade dos escravos, tem uma coisa de identidade cultural que ela respeita muito, e são valores que juntando com a beleza física dela, atraem muito esse homem. Tem uma determinação e uma coragem que é quase parecida com a de Letícia. Então ele vai pra aquela casa e existem sentimentos que são mais fortes. E por aí que a gente vai, até a entrada da personagem da Julia Lemmertz [que será Greta, irmã de Wolfgang], que vai abalar todo o resto.

Você sabia que ele teria esse encantamento pela Diara?

Na sinopse já existia essa indicação, mas obviamente que na novela, obra aberta, os autores vão sentindo também a história, desenvolvendo. Talvez a minha história na mata tenha sido até alongada, porque ela era bacana, tinha um mistério, uma solidão, ele era um personagem muito forte, ao mesmo tempo ele sofria muito, era isolado, também com uma presença e um link com a natureza que os autores quiseram mostrar melhor. Foi muito bacana, porque pra mim, como construção de personagem, tinha tudo ali. Figurino, mata, solidão, a barba que eu deixei crescer, o cabelo, então toda essa caracterização me ajudou muito a ir para um lado do personagem para aprofundar e viver intensamente essa perda da mulher, como está sendo muito bom voltar e botar o ‘peito pra frente’, esse personagem dá oportunidade a essa nova vida que ele vai ter.

Como está a repercussão do Ferdinando com o público?

As pessoas sofreram muito com ele. Elas falavam ‘gente, coitadinho’, e muita gente também disse, ‘como foi bacana a cena da morte [da Letícia], da despedida de vocês, como foi de verdade, como colocaram a maturidade desse casal, o entendimento, a parceria, a irmandade, é quase como se separassem a metade’. Foi isso que a gente queria mostrar, esse casal era dois que era um. Muitos falaram que ele tem que ter uma nova chance, uma nova vida, ‘vai provar que aquilo que você andou colhendo no meio da mata serve pra salvar pessoas’. E é isso essa volta do Ferdinando. A gente vai ter cenas muito emocionantes daqui pra frente, porque ele acaba lembrando da mulher porque o resultado das pesquisas será muito positivo, ele vai conseguir curar pessoas, e isso vai trazer toda a nostalgia, a lembrança do passado, é quase como se a morte da mulher dele tivesse um propósito.

O personagem pegou uma carga muito pesada na história. Como você faz pra desligar disso após terminar as gravações?

Os meus filhos [Vicente, de cinco anos, e de Francisca, de três] me dão um outro lado. Eu me sentia muito pesado quando eu passava dias inteiros com muitas cenas na mata, sofrendo, eu chegava em casa exausto. Mas eu acho que tem esse outro lado de você bater na porta de casa e desligar. Eu desligo normalmente até meia noite, eu gosto de dormir cedo, mas ando indo dormir uma hora da manhã porque meus filhos vão dormir nove e pouco, e eu fico ainda com a minha mulher [Francisca Pereira] e depois disso eu vejo as cenas, alguma que eu queira rever, estudo mais, um momento de concentração e isolamento pra distinguir. Eu quando chego em casa, só brinco com os meus filhos, aí me libera dessa coisa do personagem. Eu vivo ele intensamente, e ele é muito presente fisicamente, eu vejo minha barba, o cabelo, as unhas sujas, é um personagem que eu meio que trazia pra casa, mas eu tentava ‘arrumar’ ele, me desligar por um tempo. Tem que separar, é difícil essa possibilidade, tem dias que a gente consegue, mas tem dias que a gente consegue melhor que os outros.

No início da carreira, você era visto apenas como um ator português no Brasil e ao passar do tempo, foi conseguindo se consolidar e teve a oportunidade de fazer grandes trabalhos. Como avalia isso?

Eu nasci em Portugal, é o meu país, sempre que posso vou lá, mas tanto o Brasil quanto Portugal ocupam um lugar dentro de mim muito importante, hoje em dia o peso é quase similar. Nós, dentro da casa, e estamos falando da Globo, a gente sempre procura bons desafios e eles vão pintando, os personagens bacanas vão aparecendo ao longo da carreira. Eu acho que tem a ver também com a maturidade, aprendizagem, você vai melhorando e as pessoas vão te dando outras oportunidades, eu vejo a vida um pouquinho assim, no sentido ascendente. Por outro lado, também acho que os próprios produtos deram oportunidade da gente ser mais atrevidos na criação dos personagens. Obviamente, quando a gente faz uma novela que a gente faz par romântico, uma novela mais leve e a gente tá fazendo um galã, um mocinho, mocinho é sempre um personagem mais difícil de fazer, mas numa novela mais tranquila, ele acaba tendo sempre as mesmas questões. Então quando a gente pega esses outros trabalhos que pela história, pela criação, eles permitem você mergulhar mais e construir personagens mais tensos, mais profundos, e acima de tudo mais arrojados, obviamente isso dá oportunidade de mostrar outras camadas quanto ator. Eu tenho tido essa oportunidade muito no cinema, teatro, isso dá chance de explorar um outro trabalho não tão conhecido pelo grande público. Felizmente, nos últimos trabalhos em televisão, já desde Joia Rara (2013), A Regra do Jogo (2015), Liberdade, Liberdade (2016), e esse atual, me possibilitaram mostrar um outro lado. Isso me deixa feliz, porque as cenas e os personagens têm tido uma repercussão muito bacana, a gente trabalha para um público que quer ter esse acolhimento. É muito bacana também em nível de crítica, a gente recebe críticas boas, nem sempre a gente acerta, mas é bom receber coisas boas. As más também, a gente evolui com isso, mas é muito bacana. Agora é continuar trabalhando.

Você acha que esses personagens chegaram na hora certa?

Essa é minha 22ª novela. Eu tenho 37 anos. Já vinha com uma série de novelas de Portugal. Eu acho que a gente não deve ter receio nem medo de nada. Eu gosto muito de aprender. Ali no set, aqui, com alguns questionamentos, colegas, diretores, pessoas da rua que até são de outra profissão, a gente tem que estar sempre disponível pra aprender, lembrando que a gente tem sempre um caminho que nunca está conquistado, então você vai indo. Os trabalhos são diferentes porque a vida vai modificando a pessoa, a arte, a experiência. O [diretor] Vinicius Coimbra, com quem é a quarta novela que eu trabalho, sabe muito bem o que quer dos atores. E você quando tem diretores que dirigem bem os atores, a gente se entrega. O Vinicius gosta muito e ele passa isso para os outros diretores da equipe. Se você perguntar, todo mundo da equipe sabe que tem uma direção muito presente, apontando caminhos, desde a caracterização, figurino, a forma de você conduzir esse personagem.

Você protagonizou a primeira cena de sexo gay da TV brasileira em Liberdade, Liberdade. Como foi a repercussão? Você acha que o brasileiro consegue separar o ator do personagem?

Não só o brasileiro, acho que o mundo inteiro às vezes mistura isso. O bacana da cena de Liberdade, Liberdade é que a gente não queria comprar uma guerra com ninguém, aquilo era uma cena de amor. Foi entre dois homens, poderia ter sido entre duas mulheres, com um homem e uma mulher. Era uma cena de amor e aqueles personagens só poderiam ter aquele desfecho, não tinha como ter outro. O que a gente entende é que hoje em dia as mentalidades estão muito mais abertas para a diversidade e cada um deve fazer aquilo que cada um quer fazer. Ponto. Essa é a única bandeira. O ator é o ator, a minha vida como ator é a minha vida como ator, e a vida pessoal é uma outra vida. E essa distinção é bacana, mas não só no Brasil, acho que em todo mundo as pessoas às vezes misturam, mas acho bacana, porque elas acabam vivendo aquilo que você mostra e isso confirma que o seu trabalho tá lá, porque elas estão misturando as coisas, meio que a gente tá entregando um trabalho bem redondinho pra elas viverem esses personagens.

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No início você foi rotulado como galã, isso te incomodava?

Eu sei que vou fazer muitos galãs aqui dentro da casa ainda, e sei que vou ter oportunidade de fazer outros personagens que não vão ser os galãs, personagens diferentes, sejam em novelas de épocas, seriados, minisséries, mas que são talvez diferentes, com outras camadas, outro perfil, mas isso não me incomoda, pra mim enquanto ator eu quero papéis desafiantes, o galã é um papel desafiante também, eu poder mostrar essa versatilidade que pra mim é interessante. Eu quero mesmo é que me vejam como ator com várias possibilidades de fazer várias coisas. Essa é minha vida enquanto artista. Eu tenho que entender o que é o meio a minha volta, o que é pra fazer, que história a gente tá ali pra contar, e contar essa história da melhor maneira.

Seus filhos falam o português daqui ou o de Portugal?

Meu filho e a minha filha falam as duas línguas, que é a mesma, mas com dois sotaques. Eu falo um português de Portugal porque a minha esposa também é de lá, mas tanto a minha mulher quanto eu às vezes escorregamos e falamos o português daqui. Eles, na escola, falam o português daqui. Em casa, falam o de Portugal, com algumas expressões daqui, porque passam a maior parte do tempo daqui. E agora estão aprendendo o inglês.

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O que mais te encanta nos brasileiros?

Uma frase que é muito interessante, ‘vocês perdem o amigo, mas não perdem a piada’. Acho que a vida é isso. Todo mundo tem problemas, todos os países acabam tendo os seus próprios problemas, as tuas próprias virtudes, mas eu acho bacana a gente viver com isso. Aqui no Brasil, vejo muito de procurar sempre uma solução pra tudo. Vocês trazem isso, vai ter sempre uma luz, isso é bom, essa capacidade de não se perder muito tempo no problema, não ficar muito tempo nele. A vida é essa, a gente passa por ela, às vezes dura mais, às vezes menos, mas a gente tem que viver.

*Entrevista realizada pelo jornalista André Romano.

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