No ar em Pega Pega, David Junior comemora espaço para negros nas novelas: “Já passou da hora”

Publicado em 05/07/2017

Depois de ter interpretado o escravo Saviano, ao lado de Maitê Proença na novela Liberdade Liberdade em 2016, David Junior agora é Dom, filho adotivo de Sabine, personagem de Irene Ravache em Pega Pega. Em entrevista, o ator conta sobre a novela, sobre seus cuidados com o corpo e sobre a importância de quebrar paradigmas com este papel. Confira:

Como está sendo para você estar em Pega Pega?

Estou gostando. Estou tendo oportunidade de fazer este personagem diferente, que foge do estereótipo que a gente é colocado na maioria das vezes e o Dom pra mim tem sido um presente muito grande, principalmente por trabalhar com Irene Ravache, Mateus Solano e Marcos Caruso. Me sinto premiado por estar num núcleo tão rico, de troca e experiências.

Como aconteceu o papel¿ Foi um teste ou foi um convite?

O Luiz Henrique (diretor) me ligou me convidando para fazer especificamente este personagem.

Ele é filho adotivo da Sabine, e filho do Cristóvão. Como é isso?

Isso. Ele é filho do Cristóvão e Madalena mas foi adotado pela Sabine quando criança. Criado predominantemente na Suíça, ele não conhece a família biológica, tanto que ele começa uma relação de amizade com o Cristóvão sem saber que é o pai dele, e o tem como referência apenas por ser outro negro dentro daquele universo.

Como você imagina que será a cena do reencontro dessa família?

Já pensei mil possibilidades, mas não consigo encontrar uma. O encontro deles deve ser muito bonito, e acredito que qualquer encontro depois de tantos anos separados seja muito emocionante.

Ele foi acostumado com o conforto proporcionado pela Sabine. Você acredita que ao reencontrar a família biológica ele possa sair de perto da mãe adotiva?

Não sei. Acho que o amor que a Sabine lhe deu foi verdadeiro, e tudo o que ela pôde oferecer para esse menino foi de verdade e ele reconhece isso. Talvez reconhecer os pais, ou se perguntar “de onde eu vim” é uma coisa que ele deveria ter na cabeça dele, mas ele não vai abandonar o amor da mãe que o criou a vida inteira e deu tudo do bom e do melhor para ele.

Como é a parceria com Irene Ravache em cena?

É um momento ímpar na minha vida. Posso dividir minha vida entre antes e depois de trabalhar com a Irene. É maravilhosa como pessoa, uma profissional incrível. Se dedica a estudar, opinar sobre as cenas, e ela tem uma coisa que vou levar para a vida: cada cena para ela tem um frescor diferenciado. Se ela precisa repetir uma cena que acabou de fazer, ela faz de outro jeito sem se apegar a como havia feito anteriormente.

Em  Liberdade, Liberdade você interpretava um personagem que tinha aquela pegada de sensualidade. Como é estar fazendo algo tão diferente?

Vamos diversificar. Naquela novela eu não tinha nem roupa, e agora tenho 6 ternos. Me deixa de roupa gente, já tirei o suficiente (risos).

Gosta das roupas do personagem?

Amo. Quero levar o armário do Dom para a minha casa. Como as roupas foram feitas na minha medida, ficam ótimas.

Essa novela é mais leve que Liberdade, Liberdade. Como tem sido a experiência de fazer um trabalho tão diferente?

A novela das 23h tinha um peso principalmente por ser uma novela de época, uma coisa histórica que dá ao produto um peso diferente. A novela das 19h é leve, o elenco, e equipe são leves, e podemos trabalhar sem pressão. Existe a pressão interna de fazer bem o trabalho, mas existe um respiro que não existia antes.

Na história seu personagem é um empresário e cada vez mais vemos os negros na dramaturgia ocupando profissões e áreas da sociedade que antes não eram representadas por eles. O que você pensa sobre isso?

Houve uma pesquisa que diz que o Brasil é 59% negro, e me perguntaram isso uma vez sobre um filme que fiz, onde eu estava interpretando um personagem muito sexualizado. Se somos 59% negros por que não ter negros, médicos, advogados, empresários? É óbvio que tem. A questão é, temos isso como referência? Então, esse lugar de representatividade para mim tem sido um presente. Já passou da hora, partindo do princípio que o país é tão diversificado e miscigenado. O Sérgio Menezes que faz o advogado também.

Você fez personagens que tinham toques sensuais. Você buscava fugir disso?

É obvio que ninguém quer ser visto só como sex-simbol, porque se o ator só faz isso, ele começa a duvidar da sua capacidade como ator, mas se a gente tem essa qualidade para apresentar, por que não apresentá-la? Se amanhã ou depois me colocarem como atleta por exemplo, porque pratico esportes, por que não fazer? Ou médico, ou cadeirante. Hoje tenho esse corpo, daqui a 10 anos posso não ter mais. Por exemplo, eu tinha 5% de gordura quando me mandaram engordar para um personagem, que era o Pixinguinha, no filme da Denise Saraceni. Se eu tivesse essa neura de manter sempre este corpo, eu não faria, ou procuraria outros artifícios como enchimento.

E você pratica esportes?

Sim. Faço muay thai, sou atleta de mountain bike e corro regularmente. Fiz recentemente minha primeira meia maratona, no final de julho farei mais uma, e setembro faço meia da Argentina. Participei também de uma corrida de aventura que são 50km divididos entre corrida, mountain bike, canoagem e escalada.

Você veio de Nova Iguaçu, baixada fluminense. Percebemos que as pessoas de lá têm muito orgulho dos atores que são da região.

Eu, Marcellinho (Marcello Melo Jr.), Maicon Rodrigues, todos somos de Nova Iguaçu e acho que eu sou mais um exemplo que a persistência leva a algum lugar. Quando resolvi ser ator, eu trabalhava no banco, saía as 5 da tarde pegava o metrô, ia pra Botafogo, saía de lá 11 da noite para voltar pra Nova Iguaçu, todos os dias. Consegui me formar como ator e hoje em dia estou aqui. Existe uma distância cultural da Baixada para o que se tem na Zona Sul do Rio de Janeiro, e estamos tentando levar isso para lá.

E lá, vocês atores acabam se tornando uma referência.

Ainda bem que somos referência de persistência. Hoje fico muito feliz de passar na rua, e crianças falarem comigo. Outro dia um menino falou comigo assim “Queria muito fazer novela”, e falei com ele “Pensa não só na novela, mas na dramaturgia de modo geral” e passei para ele algumas escolas. Ouço uma frase do meu pai desde pequeno que é assim: “O que vão dizer de você quando você morrer”? Hoje aos 31 anos eu ser referência é motivo de alegria para mim, e para minha família. Eu nasci no berço de muita violência, me lembro que quando eu tinha 7 anos, quando um garoto morria com 15 anos, as pessoas diziam que ele já estava morrendo velho. Hoje com 31, eu penso que eles não viviam nada. Os meninos de 12 anos morriam aos montes e a gente ouvia esses casos como se fosse a coisa mais natural do mundo, então é muito bom estar nesse lugar hoje. Tenho sonho de alcançar muito mais profissionalmente, mas me sinto feliz e honrado.

Você ainda mora em Nova Iguaçu?

Sim. Ainda moro em Nova Iguaçu, e tenho a sensação de sobrevivência. Perdi muitos amigos de infância. Vim de um lugar que tinha uma lista de quem ia morrer colada no poste. É bem pesado ver que a pessoa não tem expectativa de vida, e sempre andei na contramão de tudo isso. Sempre fui atleta desde pequeno, não bebo, não fumo, não me drogo, porque vi que esse caminho só levava a morte, fora o fato de ser criado na Igreja evangélica que tem todo um caminho diferente. O caminho que eles escolhiam, eles entravam sabendo que era sem volta.

Ser protagonista de novela é um sonho?

Acho que é uma consequência, e acho que estou construindo uma carreira, evoluindo e aprendendo com ela. Se você sair do lugar nenhum para um protagonista, ou você tem uma cabeça muito boa, uma responsabilidade absurda ou você é um gênio e acho que estou galgando chegar nesse lugar que espero chegar, mas é consequência de um trabalho bem feito antes. Meu sonho é realizar um bom trabalho, fazer uma história de carreira assim como Irene, como Milton Gonçalves. Quero ser referência fazendo bons trabalhos com 60, 70 anos. Preciso estudar, trabalhar e me dedicar para alcançar esse lugar.

Alguém ria de você por falar que seria ator?

Sempre. Depois que me formei, bati aqui na porta da Globo para me cadastrar e em 1 mês estava fazendo participações, e o pessoal dizia “Olha o David fazendo figuração”, e eu nunca fiz figuração, mas era a referência que eles tinham por não saber diferenciar figuração de participação. Meu primo Leandro, era o que mais falava: “Junior? Junior não trabalha não, não faz nada, não sei como paga as contas. Ele diz que é ator”. Hoje ele está vendo que estou trabalhando, porque com o crescimento da carreira as pessoas vão mudando de opinião. Meu amigo e irmão Dudu me defendia, e ele guarda tudo o que eu já fiz, ele sabe tudo o que eu já fiz até coisas que não lembro.

Você se importava pelo fato de não ser reconhecido?

Eu nunca liguei, sempre achei que a profissão é mais que isso. Tenho hoje 8 anos como ator, e conheço pessoas com 20 anos de profissão que não estão no mesmo lugar em que estou, mesmo já tendo feito muito teatro. Se hoje posso ser chamado de ator por estar na Rede Globo, não me sinto maior por causa disso. Os pés continuam no chão sempre.

Existe muito assédio?

Tem esse lugar mas tenho uma mulher muito brava. Eu estou há 12 anos com ela, e já ando assim sem olhar para os lados na rua. Ela está se formando como engenheira.

*Entrevista realizada pelo jornalista André Romano.

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