Maria Fernanda Cândido fala sobre a relação entre Joyce e Ivana: “Ela tenta ajudar a filha de maneira equivocada”

Publicado em 09/07/2017

Maria Fernanda Cândido bateu um papo com nossa reportagem e contou um pouco sobre sua personagem Joyce, em A Força do Querer. A atriz disse que não considera que sua personagem seja uma vilã, que acredita que em uma transformação dela, e que sua influência sobre a filha não é positiva. Confira o bate papo completo:

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A sua personagem, a Joyce aparece sempre batendo de frente com outros personagens. Como você a definiria?

A Gloria traz nessa novela questões do mundo contemporâneo traduzidas por exemplo na figura do marido, Eugênio (Dan Stulbach) que quer mudar de profissão a esta altura da vida, se aventurar, a questão também da diversidade cultural, no caso do Ruy (Fiuk), rapaz que estava prestes a se casar com uma moça pertencente a aquele grupo social, e escolhe uma menina de outra cultura, outros hábitos e comportamentos. Na filha também vemos outra questão que é a definição do gênero, e a Joyce acaba sendo a personagem que vai se conflitar com tudo isso pois é a representante da velha maneira de pensar, mais conservadora.

Você enxerga a sua personagem como uma vilã?

Não acho que a Joyce tenha essa semente do prazer em praticar o mal, e não percebo isso no gene dessa personagem, mas ela é uma mulher que defende sua família, filhos e vida, conservadora e de certa maneira territorialista. Isto é bem colocado pela autora nos diálogos da personagem que diz coisas como “De que lado você está¿”, ou seja, se não é da maneira dela, é contra. Ela foi criada assim, e tem conceitos estruturados do que é uma vida feliz. Para ela felicidade é ver a mulher casada, cuidando da sua família, o homem estabelecido profissionalmente como provedor e bom pai de familiar.

Qual o motivo da implicância da Joyce pela Ritinha?

Essa grande dificuldade que ela tem com a Ritinha (Isis Valverde) é porque ela ao contrário da própria Joyce não é polida. Para a Joyce educação tem a ver com autocontrole, porque você não vai sair falando tudo o que você pensa, ou dando um soco em alguém quando fica nervoso. E a Ritinha é muito mais ligada a seus instintos, e a Joyce até usa o termo “silvícola” para defini-la. A autora não está dizendo que uma forma é boa e a outra é ruim, mas mostramos o choque entre essas duas formas de existência, e isso é muito interessante pois não classifica nem orienta como o jeito certo ou errado.

Como é a recepção do público?

Tem muitas pessoas que gostam muito da Joyce, e uma parte das pessoas não gosta, mas ninguém consegue ter ódio dela pois percebem que ela não é uma pessoa má. Ela é uma consequência desse quadro cultural. Se você parar para pensar a Joyce é uma mulher muito apropriada para viver nos anos 50 por exemplo. A revolução feminista não a afetou, nem qualquer outra revolução libertária. Ela é aristocrática.

Com este drama da filha que começa a aparecer agora, como a Joyce vai se posicionar quando souber exatamente o que está acontecendo com a Ivana?

Só a Gloria Perez poderia te dar essa resposta, mas eu imagino possibilidades. Uma coisa posso dizer: vai ser muito difícil, pois conhecendo a personagem, conhecendo sua maneira de pensar, fica claro que será muito difícil para ela. Por enquanto ela vive um estado de confusão de não compreender o que se passa com ela.

Nesse momento que falamos da divisão de atividades da casa, ela é uma mulher que manda na casa, se impõe de maneira, sem deixar de lado o tradicionalismo. Você acredita que ela seja empoderada?

Ela não é submissa justamente por conta dessa personalidade muito forte, é uma mulher de muita opinião e de muita clareza nessas opiniões. A Joyce é uma mulher empoderada sim, e ela sabe o que faz bem para ela. Se pensarmos nesse conceito da mulher que exerce suas vontades e desejos, ela é empoderada sim.

Você acha que a forma como a Joyce age prejudica a filha?

Não acho que a forma da Joyce tentar ajudar a filha tenha um efeito positivo sobre ela. A maneira dela tentar ajudar é muito equivocada e ela acredita que esteja fazendo o melhor para a filha, e ela não consegue bons resultados. Ela é uma mulher que idealizou e projetou demais a vida dos filhos, ela entende que ser feliz é só do jeito dela. Ela não consegue entender que a felicidade pode acontecer de outras maneiras

Como você se preparou para entrar nisso? Você chegou a conversar com mães de transexuais?

Eu conversei com algumas mães, algumas que estão vivenciando este processo, realmente no meio do processo de transição, e outras que já passaram por tudo. Foi muito interessante, acho que me ajudou muito.

A novela se propõe didaticamente a explicar a personagem para que o público saiba passo a passo do que ela está sentindo. Teve algo que te chamou a atenção no relato dessas mães?

Existe muita sensibilidade no tratamento da Gloria. Quando você conversa com uma mãe ela vai te dando detalhes do dia a dia, alguns momentos de coisas que aconteceram e marcaram. É um processo doloroso porque existe um enfrentamento social e um luto dessa mãe, porque aquele filho, ainda que continue a mesma essência, mas não vai mais existir da forma como ela conhece. É bastante delicado, mas elas conseguiram acolher seus filhos ainda com que com dificuldades.

Quais sentimentos você aprendeu com essas mães e pretende passar para a personagem?

Eu dependo muito do que virá no texto. A Joyce pelo que posso perceber dela, vai escolher estar ao lado dos filhos, como ela esteve ao lado do Ruy, onde ela não quis perder o filho. Não sei nem de onde ela vai tirar forças para sustentar.

O Brasil é o país que mais mata transexuais e sabemos que existe uma dificuldade social muito grande, de se conseguir emprego. Você acredita que a novela pode ajudar efetivamente essas pessoas?

Eu espero que sim. O que posso afirmar é que uma novela nessa faixa de horário nesta emissora pode ajudar a abrir o diálogo com a sociedade, e acho que minimamente isso a gente vai conseguir.

Você acha que a Joyce pode vir a sofrer uma transformação?

Eu estava pensando sobre isso hoje. Podemos ter dois caminhos de transformação para a Joyce, um seria ela aceitar o diferente se mantendo do jeito que ela é com sua natureza, bagagem de conceitos e valores, porém mais acerto e receptiva ao diverso. O outro jeito que ela se transforme e deixe de ser como ela é, e se torne mais parecida com as pessoas que tem tanta dificuldade em aceitar. São dois caminhos positivos. Ou outro caminho mais negativo seria ela se manter do jeito que é.

*Entrevista realizada pelo jornalista André Romano.

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