Inspiração para Ivana, Tarso Brant explica principais diferenças entre ele e a personagem de A Força do Querer

Publicado em 27/07/2017

O ator Tarso Brant, conhecido anteriormente como Tereza Brant entrará na novela A Força do Querer com a missão de ajudar a personagem Ivana (Carol Duarte) a se descobrir como homem transgênero. O mineiro conversou com nossa reportagem, e contou em detalhes sua mudança física, seus sentimentos e a expectativa de atuar em uma novela das 21h. Confira:

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Como foi o convite para vir integrar essa trama?

Foi uma surpresa pra mim quando a produção entrou em contato com meu empresário me convidando para participar. É muito gratificante pois é minha estreia como ator, porque até então eu só era modelo e trabalhava com presenças vip. É um fato muito marcante também pelo fato que é divisor de águas pra mim entre a Tereza e o Tarso. O público me conhece como Tereza, a menina que virou menino, e agora vão me conhecer como profissional, e me respeitar pelo homem que eu sou.

Quando você pegou o texto e começou a participação do Te, seu personagem, o que passou pela sua cabeça? Como foi ver parte da sua história sendo contada ali?

O fato do Te aparecer na vida da Ivana (Carol Duarte) vai ser inicialmente um choque, porque ele diz “Oi, sou Tereza”, e ela vai ficar “Como que é isso?”. Ali é que a ficha dela vai cair, e pra mim poder compartilhar isso com o público de uma forma que abre o pensamento da sociedade porque mudança física antes é uma mudança psicológica, isso todo mundo passa por um processo de mudança psicológica, a diferença é que transexuais ou transgêneros, escolhem fazer uma mudança visual. E isso qualquer pessoa faz, se não está feliz com a aparência vai lá e faz um Botox, tira ou coloca seios. E é necessário a sociedade perceber que isso é totalmente normal, porque é um assunto que gera polêmica porque até então a sociedade não estava acostumada, e desconhecia sendo que isso sempre existiu. A Gloria Perez está abordando de forma sutil e se preocupando fundamentalmente com o que a pessoa sente e não com o que as pessoas estão preocupadas, com a aparência. O X da questão da mudança é o interior, porque tudo em relação ao ser humano vem de dentro para fora.

Você foi consultor da Gloria no desenvolvimento da personagem Ivana. Você se sentiu lisonjeado ao ver sua história representada?

Eu diria mais que lisonjeado e sim honrado em poder compartilhar um pouco da minha história com uma grande escritora como a Gloria, e auxiliá-la como vários outros auxiliaram. E me identifiquei em várias cenas da Ivana, principalmente aquela mais impactante em que ela estava se agredindo por causa dos seios que ela não se identificava. Eu passei exatamente por isso. Eu me olhava no espelho e queria arrancar aquilo como se fosse péssimo pra mim. É uma coisa indescritível o sentimento tão ruim de olhar o próprio corpo e não estar feliz com o que vê. De pensar “Poxa, me enganaram, me colocaram em um corpo que não é meu”, e essa é a pergunta que fica na nossa cabeça antes de sabermos que é possível fazer a mudança. A sociedade não leva essa informação de como lidar com a situação. E as pessoas precisam ver que não é uma doença, porque qualquer outra coisa que não seja “normal”, é uma doença, e não é assim. Isso é uma condição.

A Ivana mora numa cidade grande, e você veio de uma cidade pequena. Você sofria preconceito?

Antes de morar em Belo Horizonte, eu morava em Patos de Minas, que é interior e pra falar a verdade, o preconceito começa desde quando você se entende por gente. E eu sofri preconceito desde a infância, porque eu já me entendia como sendo de outro gênero mesmo não contando isso para ninguém, eu tinha uma forma diferente de me comportar, mas minha identificação era mais com os meninos, e eu olhava pra eles e pensava “Por que eu não sou assim?”, e me questionava sozinho. Isso é uma coisa que a gente nasce e se descobre com o tempo, quando as perguntas começam a surgir. Por ter vindo de uma cidade pequena, essa coisa de saber me proteger, e me desviar desse preconceito foi algo aprendi desde cedo e quando cheguei numa cidade grande, não mudou muita coisa. A cidade grande talvez seja pior porque o volume de pessoas que tende a ter preconceito é maior. A diferença não é aceitada. Se fugir um pouco do padrão, já é julgado e apontado. Deveríamos saber conviver e não enaltecer de forma negativa essas diferenças. As diferenças fazem da gente únicos e originais. Posso me espelhar no meu super herói favorito, mas o que tenho só eu tenho.

Por que você optou pela mudança do nome?

A mudança da Tereza pro Tarso é um divisor de águas na minha vida. A Tereza faz parte de mim, se eu não tivesse vivido experiências como Tereza, eu não saberia quem sou, ela está aqui dentro de mim, mas eu não sou ela, nunca fui ela. A mudança de nome foi pela minha aceitação, por me conhecer como O, e não como A. Foi um processo necessário do auto-conhecimento. Quando você passa de criança para adolescente, e de adolescente para adulto são fases em que você se reconhece de formas diferentes. Quando cheguei na minha fase adolescente para minha fase adulta, estou com 24 anos, eu optei por uma mudança de hábito e de costumes, que fizeram bem pra mim como pessoa, e bem para pessoas que estão ao meu redor, e nesse momento olhei no espelho e falei “Pronto, esse sou eu”, e depois me perguntei “Quem sou eu agora? É Tereza? Não”. Chamei meus pais e conversamos que eu gostaria de ter um nome com o qual eu me identificasse. A Tereza cresceu, evoluiu, é uma nova pessoa, então aí minha mãe e meu pai escolheram meu novo nome que é Tarso.

Então foram eles quem te batizaram novamente?

Exatamente. Eu sempre tive esse cuidado, esse carinho e consideração pela forma como meus pais escolheram meu nome e eu quis prezar isso até o último segundo, mesmo me incomodando. Lidava com o fato de que as pessoas não iriam entender. Mas minha vida quem sabe sou eu e eu quis lidar com isso até o momento que não estava me incomodando. Foi o momento da entrada da minha carreira.

Tarso Brant e Carol Duarte em A Força do Querer (Divulgação/TV Globo)
Tarso Brant e Carol Duarte em A Força do Querer DivulgaçãoTV Globo

O que dá pra perceber pelas fotos antigas é que você tinha um olhar meio triste, e hoje não…

Um olhar perdido né? Uma coisa super íntima, eu não diria transformação, eu diria mudança mesmo. Nessa mudança eu me encontrei, e cada um vai saber assimilar só o que já sentiu. Se eu disser para vocês que olho no espelho hoje e que me reconheço, vocês vão ter em tese o que é esta palavra mas, viver isso é algo mais visceral que vocês só saberiam se tivessem passado por algo semelhante. Eu nunca tinha reparado nisso, mas quando a gente se sente assim, transparece. A gente tem que ser feliz independente de conceitos, religião e opiniões alheias. Prezo muito os meus valores que construí no decorrer desse tempo. Não sou uma pessoa perfeita, estou buscando evolução como todo ser humano.

Quantos anos você tinha quando teve consciência de que não queria mais ser Tereza?

A idade que eu me aceitei foi com 21 anos. Imaginem uma pessoa que desde criança é acostumada a se desviar porque é tão agredida pelo preconceito, e pelo meio fechado em que vive, que aprende a se adaptar. Eu aprendi a me adaptar de forma que eu não sofria com o preconceito que vinha, e colocá-lo num lugar onde não me afetasse, mas por me esquivar, eu me obrigava a me reconhecer como mulher. Eu me cuidava, fazia academia pela minha saúde e quando as pessoas me perguntavam “Mas por que você quer ter músculos? Por que você veste essas roupas?”, eu respondia “É o meu jeito”. Sempre que as pessoas vinham me questionar eu me reconhecia como mulher para evitar qualquer tipo de situação constrangedora das pessoas perguntarem demais. Chegou um momento que essa confusão de eu me reconhecer de uma forma e me sentir de outra passou porque eu já tinha mudado meu físico e pensei “Pronto, concluí essa etapa. O que me incomoda agora?”. Eu não sou mas Tereza, e foi o momento que resolvi aceitar minha condição de transgênero, de trans-homem.

Você sabe que uma exposição numa novela das 21h, vai mudar a sua vida, e você vai estar ali colocando sua cara a tapa. O que você sente sobre isso?

Se eu disser que nasci pronto é muita pretensão? Eu sou gente que gosta de gente, que imita gente para gente. Eu gosto da profissão de ator e me identifico muito. Gosto de ajudar e ser útil. Todo mundo que está na terra, quer fazer algo para ajudar alguém e quando não quer está naquela fase egoísta sem saber o que faz que nem cego em tiroteio, então quero contribuir para a sociedade de forma relevante, e fazendo isso, estarei fazendo para mim também.

Você sabe que vai ser apontado na rua não é?

Posso ser apontado na rua, dou beijinho, tiro foto. É muito gostoso isso de “Me dá um abraço”, “Deixa eu saber como foi o seu dia”. Posso não ter uma exposição numa novela das 21h, mas já tive uma exposição a nível nacional. Esse meu primeiro contato com o público foi uma coisa que no primeiro momento eu não sabia como era, e eu era uma pessoa diferente da que sou hoje. Confesso, eu era egoísta, bobão, e hoje sei o que quero, o que faço e o que sou, então pronto. Pode acontecer o que for e eu vou saber onde me inserir e com quem estou lidando. Vai me fazer bem lidar com o público. Uma vez eu estava chorando, e chegou um cara e perguntou se podia me dar um abraço. A energia boa de pessoas que você não conhece chega a ser mágico. Gosto desse carinho do público e vou tratar todo mundo como igual. Não vou me achar porque estou na novela das 21h. O trabalho que desempenho não influi no que eu sou.

Essa sua fase de aceitação coincidiu com a fase em que você decidiu por fazer a cirurgia?

Quando eu ainda não tinha feito a cirurgia, eu olhava para o meu corpo e era estranho. Eu já tinha músculos, mas ainda tinha a glândula mamária. Era a aparência de um menino um pouco fora de forma e depois ele emagrece rápido. Sempre tive seios pequenos, mas minha dorsal cresceu, e não dava mais pra usar faixa porque era uma dor horrível e comecei a colocar esparadrapo só pra ficar reto. A Ivana coloca faixa, mas a faixa aperta muito as costas quando você começa a desenvolver seus músculos, é péssimo. A primeira sensação que tive depois de fazer a cirurgia foi que meu coração estava batendo um pouco mais perto de mim. Eu não tirei o seio, como muita gente pensa que é, eu tirei o excesso da pele e foi nesse momento que me reconheci mais. É um processo minucioso. Muitas pessoas acabam querendo fazer a cirurgia para se encaixar em um grupo sem tentar se entender antes. Ninguém está inserido em um grupo, todo mundo nasce sozinho, aliás, primeiro você tem Deus, segundo você tem você mesmo, e não precisa se rotular de algo que não tem certeza para fazer parte de uma tribo que você se identifica. Se identificar é diferente de ser. Esperei meu tempo, fiz minhas escolhas só quando tive certeza que era o que eu queria. Posso não ter mais os seios e ter uma postura que condiz com quem eu sou hoje.

Foi depois de tirar os seios que você começou o processo de tomar hormônios?

Não. O processo da hormonização eu comecei antes, porque o que eu imaginei foi começar a ir trabalhando meu corpo, porque para ter um processo mais tranquilo durante a ingestão do hormônio, com menos riscos, é bom você praticar atividades físicas porque vai estar cuidado do seu corpo, da sua mente, e da sua saúde, tendo uma alimentação balanceada para ter uma qualidade de vida melhor. Depois do meu corpo já ter mudado é que eu resolvi colocar a cereja no bolo, que era fazer a cirurgia.

Tereza ( Tarso Brant ) e Ivana ( Carol Duarte )
Tereza Tarso Brant e Ivana Carol Duarte


Com que idade mais ou menos você começou essa mudança?

Comecei com 19 pra 20, e a cirurgia de 21 para 22 anos.

Você com 24 anos considera que já viveu mais que muita gente com 80?

Olha, eu posso ter vivido muitas experiências, mas em relação à longevidade não (risos). Tem gente que estaciona, e fiz a escolha de dar minha cara a tapa, afinal ninguém vai viver por mim.

Sempre existiram transgêneros, mas é um assunto que está sendo trazido à tona agora. Você acredita que até mesmo no campo da ciência, isso era escondido?

O conhecimento desse tipo de mudança, a ciência não fez questão de revelar. A ciência avança de acordo com a necessidade da sociedade, e vejo o papel da ciência assim, e agora é que estão começando a pesquisar isso para respaldar a sociedade. Quem for fazer essa mudança a partir de agora, vai fazer de uma forma mais segura. Essa mudança não é brincadeira e mexe com toda a sua estrutura genética.

Inclusive tem algumas pessoas que fazem e querem voltar atrás…

Isso é o que eu chamo de querer eleger um grupo para fazer parte só porque a multidão está nele. Tem que ter certeza. O processo de hormonização mexe com estruturas psicológicas.

A sua hormonização foi toda com uma equipe por trás ou vai ser como a da Ivana que vai tomar tudo por conta própria? Pelo que sabemos ela vai entrar em contato com o Te para perguntar se acontecem coisas como agir de forma diferente… 

Não posso contar muito senão perde a graças. Isso acontece realmente, da gente passar a agir de formas como nunca agiu antes. São situações diferentes que a pessoa se vê sentindo coisas que ela nunca sentiu, e o hormônio mexe muito com o emocional. Eu comecei por conta própria, e só fui procurar especialistas quando estava totalmente amparado. Eu tinha personal trainer, tinha endocrinologista, tinha nutricionista. Cheguei para os meus pais e falei “Estou fazendo uma mudança, alguns remédios para a academia”, e eles disseram “Meu filho…” Eles já me chamavam de filho; “Isso aí é algo prejudicial para a sua saúde?”. “Vou fazer a mudança mas já tenho médico, fiz todos os exames necessários, estou mudando minha alimentação”, e eles viram que coloquei tudo na minha alimentação para estímulo de treino, para ganhar massa, comecei a comer que nem um boizinho. Eles viram que eu estava me submetendo a uma coisa mas estava me cuidando. Eu já vinha pesquisando há um ano na internet, foi quando me colocaram no grupo FTM, Feminino Trans Masculino no Facebook, e eu não sabia como era. Quando eu fiquei sabendo que existia a possibilidade de fazer a mudança, me deu um estalo. Em plena era da tecnologia, devido à falta de informação a gente não sabe o que é possível. Imagine isso há um tempo atrás. Não sei se vocês viram o filme A Garota Dinamarquesa, que conta o caso da primeira cirurgia trans realizada no mundo, é muito tocante, devido ao recurso escasso da época.

Você fica até o final da novela?

Eu ainda não sei.

Como foi para a sua família quando você expôs a sua condição?

Para minha família é uma coisa bem tranquila, uma situação que não foi aquela coisa de “meu Deus”, foi gradativo, e foi evoluindo o “meu quadro”. Desde criança sempre tive essa convicção, e demonstrei isso desde sempre. Era aquele negócio do meu pai me levar na aula de balé, e eu chegar em casa tirando a sapatilha, a presilha de cabelo e dizendo “Não me leva mais nessa porcaria”, e na escola ele me colocava pra ser rainha da pipoca, eu parecia uma árvore de natal, e dava pra ver no olhar dele que ele gostava de me produzir. Eu chegava pra ele e falava “Eu não estou gostando disso”. Então meus pais tiveram tato acolhedor, e no nosso relacionamento não faltava conversa, e minha mãe sempre foi muito de me manter como cúmplice, e por ser filho único, os dois me protegiam. Esse apoio para mim foi fundamental, porque eles não se alarmaram, só me apoiam.

Passava pela cabeça deles que você não conseguia se enxergar no seu próprio corpo?

Dessa forma não. Os meus pais, há 4 anos como qualquer pai que passa por isso, falavam “Isso é fase, vai passar”. A Ivana está tentando se encontrar, e vai meter os pés pelas mãos no relacionamento dela com o Claudio (Gabriel Stauffer) e ela tenta se encontrar de forma física, mas é o psicológico que ela tem que trabalhar, e eu me pergunto como as pessoas estão lidando com isso atualmente quando esse assunto está sendo mais difundido. Tem gente que passa por uma situação, não conta para ninguém e acaba se machucando até fisicamente, chega a cortar o próprio órgão. A sociedade compreendendo de uma forma melhor vai ser possível amparar essas pessoas, não muda nada.

Quando você disse para seus pais que era trans, o que eles disseram?

Taí, eu não disse. Sempre fui nas entrelinhas, nunca fui de jogar palavras e dar porrada na cara dos meus pais, sempre tratava isso com o maior cuidado possível. Não cheguei pra eles e falei “Pai, mãe, é isso”. Fui o mais sutil, e eles sempre me apoiaram, e quando tinham dúvidas eles me perguntavam. Quando perceberam que eu estava mesmo fazendo a mudança, eles ficaram mais próximos.

Você já foi motivo de chacota?

Chacota nunca fui, mas questionado sim. Assim como a Ivana, eu tinha uma prima que estava sempre ali tentando estimular meu lado feminino. Minhas primas chegaram a perguntar “Qual é a sua?”. Eu não usava vestido, biquíni nem pensar. Eu não gostava de nada que deixasse meu corpo feminino. Não dava, não era eu. Minha prima já me vestiu e me maquiou para ir para a balada, mas eu me caracterizava de uma forma que eu me sentia melhor, sem salto, com aquelas sandalinhas tipo Melissa, bem confortáveis. Já fiquei com uns meninos mas era aquela coisa que eu chegava na balada, olhava pros meninos e entendia o universo deles. Eu via minhas primas caindo nas conversinhas deles, e pensava “vai acontecer isso, isso e isso”. Elas não me escutavam e pronto. E quando chegavam em casa eu achava mais estranho ainda elas ficarem sofrendo tipo “Ah você viu? Ele nem olhou pra mim, ficou com outra menina na minha frente”, e eu dizia “Gente, vamos jogar vídeo game, baralho. Por que vocês estão perdendo tempo com isso?”. Eu não entendia, não me achava insensível mas perguntava o motivo de isso não acontecer comigo, de não me ver nessa situação. Só muito tempo depois fui compreender.

Muito curioso isso, porque é exatamente o que a Ivana passa. A Gloria pegou muito o que você passou pra ela nas suas conversas, até mesmo essa questão da prima.

No meu caso eu tive uma tia que sempre tentava me estimular e tentar sobressair alguma característica feminina, mas eu era um desastre. Quando eu colocava salto para ir para as festinhas de 15 anos, acabava o “Parabéns” e eu era a primeira pessoa a ficar sem salto. O lance da Gloria é que tivemos uma empatia para conversar porque descrevia as situações pra ela, tanto as boas como as ruins. A grande missão da Gloria é fazer a sociedade compreender um assunto que pouca gente domina, e gente que sequer sabe que existe.

Você está tão mentalmente preparado para falar sobre isso…

Foram as situações que me condicionaram a ter esse discernimento e compreensão, e pelo fato que eu quis me conhecer a nível espiritual. Eu sou espirita, e procuro sempre me envolver com a doutrina, sabendo separar as coisas. Eu tenho fé que Deus proporciona a cada um experiencias necessárias para evolução.

Na primeira chamada da novela, a Joyce, mãe da Ivana conversa com o outro filho, o Ruy e diz que se sentiu um fracasso pela criação da Ivana. Os seus pais disseram algo desse tipo?

Primeiramente, meus pais nunca me encararam como fracasso. Em relação à trama, foi uma adaptação que a Gloria fez para deixar a situação mais coerente para expor, e para o público entender o preconceito sofrido pela menina até pela própria mãe. Em casa, os meus pais sempre tiveram orgulho de mim, independente das cagadas da adolescência. Uma marca registrada dos meus pais é o companheirismo, são seres super amáveis, e prezo muito o respeito que temos, e eu nunca mudei a situação deles. Meus pais tiveram problemas no casamento e chegaram a se separar judicialmente quando eu era criança, mas se uniram de novo devido à minha presença, e voltaram a morar juntos como amigos. Meu pai é o típico pai de menina, e os olhos dele até brilhavam quando me via saindo pra balada de batom, e cabelo solto. Meu nome era Tereza Cristina, sempre que eu saía de casa, eu dizia que era a Cristina saindo, e quando voltava, eu já prendia o cabelo, colocava minhas roupas, e era a Tereza. Hoje sou o Tarso Alexandre.

Quando você vai nos lugares e entrega o seu documento ainda escrito Tereza, como é?

É aquela situação cara-crachá. Ficam olhando pra mim, pro meu documento. Já fui barrado em locais porque acharam que não era eu, falavam “Você roubou, pegou de alguém. Eu quero a sua identidade que você vai usar pra entrar”, e eu falava “moço, essa identidade é minha”. Em Belo Horizonte eu já conhecia a maioria dos estabelecimentos, e no final de balada, já todo mundo trêbado, como eu não bebo, eu ficava curtindo com a cara das pessoas. Entrava no banheiro feminino com as minhas amigas, de repente vinha a faxineira e dizia “Menino, você não pode ficar aqui, vou chamar o segurança”, aí vinha o segurança todo bravo “Ah, Tereza, você que ta aí?”, e eu rachando de rir, a faxineira não entendia nada.

O assédio é mais feminino ou masculino?

Essa é uma boa pergunta. É assédio de todo lado. Está todo mundo muito afoito hoje em dia. Não é carência, é falta de senso. Por exemplo, um homem posta uma foto, a mulherada ao invés de elogiar dizendo “Olha que foto bonita”, diz “Olha, que mala”. A mulher posta uma foto com decote e o cara vai lá e “Oh que peitão”. As pessoas estão visando muito o exterior, essa coisa meio sexual, bem vulgar, e consequentemente, como eu sou um produto que a embalagem diz uma coisa mas o produto em si tem outro conteúdo, gera essa curiosidade das pessoas de “Meus Deus, como é que é na hora?”. Tem comentários nas minhas fotos que eu racho de rir, e eu levo tudo na brincadeira.

Você chegou a conversar com o Thammy?

Já encontrei com ele na balada, no aniversário dele quando fui gravar com a Sabrina há 3 anos. É um homem, super educado, me tratou muito bem. Ele nasceu na mídia, ao contrário de mim, e as pessoas tendem a assimilar nossa imagem, o que talvez possa não agradar muito a ele.

Quantos seguidores você tem no Instagram?

336 mil. Eu quero ser reconhecido pelo homem que eu sou, e respeitado, e pra isso eu me dou o respeito. Eu não quero fama, títulos, quero ser o que eu gosto de fazer e fama é mera consequência do trabalho que a gente desempenha.

A Maria Clara Spinelli comentou que ela é uma atriz, e não quer ser conhecida como “atriz-trans”.

Exatamente. Hoje em dia eu entendo que por isso estar em alta as pessoas colocam dessa forma, mas não mencionam por exemplo “o ator hétero está fazendo tal papel”, e acho que é uma fase de mudança e estou tentando contribuir para isso acabar.

Você está feliz?

Estou muito bem, satisfeito comigo mesmo, porque as coisas que vêm acontecendo são coisas que eu mesmo plantei. Sempre busquei o bem, nunca tentei atrapalhar ninguém independente do que acontecesse na minha vida. Nunca tentei fazer nada que pudesse prejudicar alguém. Quando eu estava confuso, me fechei na minha confusão, e não quis levar ninguém comigo.

Você já sofreu algum tipo de agressão, assim como quase vai acontecer com a Ivana?

Já aconteceram agressões verbais, e uma vez já fui agredido uma vez por ser reconhecido e ser quem eu sou. Não vou citar nomes, mas era uma pessoa que tem uma posição na sociedade diferente de um civil comum, e por ele saber quem eu era, e ter uma posição que favorecia ele a fazer isso, ele optou por me agredir fisicamente sabendo quem eu era. Não era uma pessoa famosa, da mídia, era um cidadão mas com um trabalho diferente, envolvido com a lei. Como eu estava ali confrontando a opinião dele, apontou na minha cara e falou “Eu sei quem você é, se você não sair daqui você vai apanhar como homem”, foi nesse momento que eu vi que a pessoa estava alterada, mas não sou de discutir, brigar ou fazer escândalo, mas dei abertura num momento muito desfavorável a mim, então eu e meus amigos apanhamos. Levei soco na cara e foi uma situação em que eu não tenho nada a declarar sobre ter sido vítima. Não fui vítima, apanhei, passou. Foi em Belo Horizonte, e todo mundo está a mercê desse tipo de agressão por meio de pessoas que estão no poder.

Tereza ( Tarso Brant ) e Ivana ( Carol Duarte )
Tereza Tarso Brant e Ivana Carol Duarte

Como você está enxergando a atuação da Carol Duarte?

A atuação da Carol está sendo simplesmente foda. Ela está sendo uma pessoa totalmente crucial nessa trama toda. Sutil, e demonstrando para o público da melhor forma que ela pode. Ela se uniu à personagem de uma forma que eu falei “Caramba. Sou eu ali”. Ela está conseguindo passar mais do que o exterior, ela colocou a alma dela em jogo ali pra demonstrar o que pessoas sentem, está sendo brilhante, e a admiro muito. Todo mundo fala que ela é uma iniciante, ela é uma iniciante que chegou dando show, bato palma e sou fã dela.

Fique à vontade para responder ou não esta pergunta. Na trama a Ivana será identificada como um homem trans gay. Você é um homem trans?

Sou um homem trans, que não está em nenhum tipo de relacionamento (risos). Me vejo como um homem trans hétero porque tenho preferência por mulheres, mas é aquela coisa, não descarto a possibilidade de ficar com homens. Eu gosto de pessoas, se a pessoa que chegar na minha vida me fizer bem, é o que importa, mas no momento estou mais centrado na minha carreira. Não estou procurando alguém, estou voltando para o meu trabalho.

Quando se faz a mudança hormonal, como fica o útero?

Tem gente que faz a mudança hormonal e opta por fazer a retirada do útero, porque a pessoa vê como um órgão inútil, o que realmente acontece. Quando você sobrepõe o cromossomo X com o Y, o Y é que vai predominar. O masculino sobrepõe porque você injeta, e seu corpo não está produzindo aquilo, você está repondo para manter ele em alta. O útero fica parado, e não tem mais a produção de progesterona que tinha antes. Ele vai ficar aqui. Se você tiver uma vida saudável, vai ficar tudo bem. Tem gente que faz a mudança hormonal, mas quer ter um filho, aí tem que parar de ingerir hormônio. Se eu não parar, eu não vou conseguir ovular para ter a gestação, porque nesse momento meu corpo começa o processo inverso. Se eu engravido, estando no processo de transição, eu vou retardar minha transição.

Você não mexeu em nada?

Tá tudo aqui, bonitinho, original de fábrica e vou ficar assim até o final da minha vida se Deus quiser.

Você quer ser pai de outra forma?

Eu sou doido com criança, eu tenho um super instinto com criança. Eu vou ser um super pai. Eu adoro criança, quero ser pai, ter minha família, cuidar, criar, educar, e dar continuidade à vida, distribuir amor e carinho é o que importa.

*Entrevista realizada pelo jornalista André Romano.

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